AS RELÍQUIAS DOS REIS MAGOS

AS RELÍQUIAS DOS REIS MAGOS

De longe para chegar a Cristo

As fontes históricas pouco dizem sobre os Reis Magos. Mas a tradição cristã, pela grande devoção dos fiéis, foi-lhe acrescentando ao longo dos séculos nomes, idades e etnias. As suas relíquias encontram-se em Colónia e Milão, visitadas todos os anos por centenas de milhares de peregrinos. Terminamos esta série de artigos sobre as relíquias falando não de uma relíquia de Jesus, mas das relíquias de quem viajou de muito longe para O adorar. Ao colocarmos as figuras dos Reis Magos no Presépio recordemos quem são, o que significam e o que deles chegou até nós.

No Novo Testamento, a única referência que temos dos Reis Magos é no Evangelho segundo São Mateus: «Quando os Magos entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe. Ajoelharam-se diante d’Ele e prestaram-Lhe homenagem. Depois, abriram os seus cofres e ofereceram presentes ao Menino: ouro, incenso e mirra» (Mt., 2,11). Aí não é referido que fossem reis, quantos eram, qual os seus nomes, idades, raças, proveniências ou até se se conheciam. Apenas sabemos que foram guiados por uma estrela e levaram três presentes a Jesus: ouro, incenso e mirra. Ao longo dos séculos, foi tão grande o interesse e a admiração pelos Magos que a tradição cristã lhes foi dando nomes (Baltazar, Melchior e Gaspar), idades (jovem, adulto e idoso), etnias (europeia, africana e asiática) e proveniência (Babilónia, Pérsia e Arábia).

O Papa Francisco, na Carta Apostólica Admirabile Signum, apresentada em Dezembro de 2019, sobre o significado e o valor do Presépio, fala também dos Magos e diz-nos que eles “ensinam que se pode partir de muito longe para chegar a Cristo: são homens ricos, estrangeiros sábios, sedentos de infinito, que saem para uma viagem longa e perigosa e que os leva até Belém (Mt., 2,1-12). À vista do Menino Rei, invade-os uma grande alegria. Não se deixam escandalizar pela pobreza do ambiente; não hesitam em pôr-se de joelhos e adorá-l’O. Diante d’Ele compreendem que Deus, tal como regula com soberana sabedoria o curso dos astros, assim também guia o curso da História, derrubando os poderosos e exaltando os humildes. E de certeza, quando regressaram ao seu país, falaram deste encontro surpreendente com o Messias, inaugurando a viagem do Evangelho entre os gentios”.

Mas o que sabemos das suas vidas e das suas relíquias?

Não sabemos como os Magos viveram depois do encontro com o Salvador ou se morreram juntos. Mas, segundo uma antiga tradição, eles foram sepultados no mesmo lugar, onde Santa Helena encontrou os seus restos mortais, identificado como o monte Sabalan, no actual Azerbaijão. Ali os Reis Magos teriam construído uma capela dedicada a Jesus, onde se encontravam todos os anos.

Outra antiga tradição, citada pelo “site” do claustro de Santo Eustórgio, diz que, depois da crucificação de Cristo, os Magos voltaram a Jerusalém e aí foram martirizados. Os seus corpos teriam sido transferidos por Santa Helena para Constantinopla e depositados em Santa Sofia. Quando Eustórgio foi nomeado bispo e antes de tomar posse de Milão, no ano 343, foi a Constantinopla e aí recebeu do imperador as relíquias dos Magos como um dom. Os seus restos mortais teriam sido transportados num grande e pesado sarcófago de mármore puxado por bois que às portas de Milão caíram exaustos. Nesse lugar, Eustórgio mandou edificar uma igreja para aí depositar as relíquias.

Durante o saque de Milão por Federico Barbarossa, em 1164, os fiéis terão escondido as relíquias dos Magos na igreja de São Jorge in Palazzo, mas o arcebispo de Colónia, Rainald de Dassel, chanceler imperial de Barbarossa, descobriu e mandou levar os restos mortais dos Magos para Colónia, onde mandou construir uma nova catedral. É aí que ainda hoje elas se encontram, num magnífico relicário atribuído a Nicola Verdun (ver caixa).

Nos séculos seguintes, os milaneses tudo fizeram para recuperar o que lhes tinha sido tirado. Só em 1903 o cardeal Ferrari conseguiu que alguns fragmentos destas relíquias fossem oferecidos à Basílica de Santo Eustórgio, onde ainda hoje se encontram para a veneração dos fiéis, por cima do altar dos Magos. Todos os anos, na Solenidade da Epifania, uma grande procissão parte da Catedral de Milão e termina na Basílica de Santo Eustórgio para venerar as relíquias destes homens sábios que se puseram a caminho para ir ao encontro de Cristo, luz do mundo.

Uma tradição ortodoxa diz-nos que no Mosteiro de Aghios, no Monte Athos, na Grécia, estão guardados o que resta dos dons oferecidos pelos Magos a Jesus: ouro (símbolo da realeza), incenso (símbolo da divindade) e mirra (símbolo da humanidade mortal). Estes objectos terão sido conservados por Maria, e antes da sua dormição (não dizemos que Maria morreu porque acreditamos que foi elevada ao céu em corpo e alma) entregou-os à Igreja de Jerusalém, No Século IV, as mesmas foram transferidas pelo imperador Arcádio para a Basílica de Santa Sofia, em Constantinopla, onde ficaram até 1204. Por causa da IV Cruzada, estas relíquias foram levadas para Niceia, mas regressaram a Santa Sofia até 1453, quando Constantinopla foi tomada pelos otomanos. Em 1470 terão sido levadas para o Mosteiro de Aghios Pavlos, onde ainda se encontram. Por ocasião do Natal ortodoxo de 2014, estas relíquias saíram do mosteiro e foram expostas pela primeira vez em Moscovo, São Petersburgo, Minsk e Kiev para a veneração dos fiéis.

O Papa Bento XVI, na Jornada Mundial da Juventude em Colónia (Agosto de 2005), traçou um belíssimo perfil dos Magos como exemplos de fé também para nós: «O caminho exterior daqueles homens tinha terminado. Tinham chegado à meta. Mas a este ponto, começa para eles um novo caminho, uma peregrinação interior que altera toda a sua vida». Por isso, «os Magos que vieram do Oriente são apenas os primeiros de uma longa procissão de homens e mulheres que na sua vida procuraram constantemente com o olhar a estrela de Deus, que procuraram aquele Deus que está perto de nós, seres humanos, e nos indica o caminho».

CAIXA

Arca com as relíquias dos Magos

Trata-se de uma arca do Século XIII, de madeira e prata dourada, que pesa trezentos quilos, mede cerca de 2,5 metros de largura e 1,5 metros de altura, onde foram colocados os restos mortais dos Magos e que ainda hoje se encontra por detrás do altar-mor da Catedral de Colónia. É considerado o maior relicário da Europa.

Este relicário é um precioso trabalho de ourivesaria encomendado pelo bispo Filipe de Heinsberg, sucessor de Reinaldo, ao artista Nicola Verdun, em 1180, e que só foi terminado quarenta anos depois por artesãos de Colónia, refere Nicoletta de Matthaeis no seu site“reliquiosamente”.

Esta obra de arte tem a forma de basílica e está decorada com altos-relevos e enriquecida com esmaltes, filigranas, 226 gemas e camafeus antigos. No lado principal aparecem os Reis Magos, acompanhados pelo rei Otto, que prestam homenagem a Maria com o Menino nos braços. À direita temos o Baptismo de Jesus. Em cima, aparece Cristo sentado no trono, rodeado de anjos e cenas do Apocalipse. Entre as duas cenas, está uma grade através da qual os peregrinos podiam ver os crânios dos Magos. No lado posterior; na parte de baixo estão representadas cenas da Paixão de Cristo e na parte superior aparece Cristo a coroar os mártires Félix e Nabor, cujas relíquias também se encontravam em Milão e foram levadas juntamente com as dos Magos por Barbarossa. No meio das duas cenas está representado o arcebispo Reinaldo de Dassel. Nas partes laterais aparecem esculpidos os profetas e os apóstolos.

JOSÉ CARLOS NUNES 

Director da Família Cristã

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