António de Maues Collaço, Antropólogo e Professor Universitário

«O nosso destino está para lá da Europa».

Na companhia de António Maues Collaço, antropólogo e professor universitário, o tempo é o menos importante. Ouço-o falar, com imenso prazer, horas a fio. Seja a uma mesa do bar da Casa do Alentejo com um copo de vinho e um prato de azeitonas e um outro de pão para acompanhar a salada de grão; seja nos trópicos de Malaca, em Junho, em plena festividade de “San” Pedro, padroeiro dos pescadores luso-descendentes, onde o conheci pela primeira vez, há mais de uma década. Maues Collaço era então leitor de Português em Kuala Lumpur. Tentou implementar uma rede de contactos que permitisse um verdadeiro diálogo Oriente-Ocidente, projecto votado ao desprezo por quem de direito. Um desprezo que, infelizmente, parece que continua actual. «O Governo da Malásia estava disposto a apostar numa forte presença cultural europeia dentro de portas. Para Portugal, disponibilizou uma casa de arquitectura colonial, a melhor de todo um bairro, para que aí fosse criado um centro cultural português. Mas o nosso Governo, por mais incrível que pareça, recusou a proposta, alegando os excessivos custos de manutenção!», recorda o nosso antropólogo, que parece ter herdado do bandeirante Pedro Teixeira o espírito aventureiro e o inconformismo. Collaço lamenta a eterna ausência de uma estratégia para projectar Portugal a nível planetário e acusa Lisboa e «o círculo do poder nela anichado» de terem o resto do País refém das «suas excentricidades e caprichos». E não hesita em desferir o golpe onde mais dói. Nesse país mesquinho que insiste em procurar-se, até mesmo onde deveria há muito ter-se encontrado. Compara a grave situação de Portugal aos processos auto-mutiladores que minaram Goa e depois Macau.

O CLARIMFala em “processos aglutinadores”, o que quer dizer com isso?

ANTÓNIO MAUES COLLAÇO – A razão da endémica crise é o excesso de mandarins que sempre pulularam nesta terra, e nas suas réplicas além-mar, como foram Goa e Macau. Iam em comissões de três ou quatro anos e apenas procuravam enriquecer durante esse tempo. E, como o dinheiro mal ganho é dinheiro mal gasto, este nunca seria aplicado de uma forma produtiva. O que fez com que não se criasse riqueza. A meu ver temos vivido um pouco de terceiros desde então. Vivemos da África, do Oriente, do Brasil. Depois da independência deste destino, passámos o século XIX a perguntarmo-nos o que é que haveria ser de nós. Ainda hoje vivemos dos fundos de Bruxelas.

CLEnfim, andamos à procura do que somos e para o que servimos. E servimos para quê, afinal?

A.M.C. – Servimos para tentar encontrar aquilo que nós quisermos. Tão simples quanto parece. Mas há ainda uma outra maleita que afecta os portugueses de hoje e de outrora: a sua extrema vaidade. Habituaram-se a viver num mundo de interesses materiais, esquecendo-se da sua primordial missão. Nem os religiosos escaparam à tendência. Recordo, por exemplo, António Raposo Tavares, Pedro Teixeira e outros bandeirantes de quem tão pouco se fala. E porquê? Porque a Igreja os considerou filhos do Diabo. A hierarquia religiosa não queria a penetração para o interior do Brasil, já que havia um plano semi-secreto de uma determinada ordem religiosa (leia-se jesuítas) de se apropriar daquelas terras.

CLIdentifica-se com a ideia do Quinto Império? Esse império espiritual idealizado pelo padre António Vieira que nunca se viria a concretizar porque os “interesses de mercearia, dos secos e molhados”, como escrevia Agostinho da Silva, falaram mais forte.

A.M.C. – Sem dúvida, e por isso me assumo como homem seiscentista. Nunca me entusiasmei com o projecto Europa. Sabe que no tempo de D. João V o Algarve esteve para ser cedido à Espanha em troca do Chile? Se esse projecto tivesse sido levado avante tínhamos ficado com uma unidade bioceânica na América do Sul. O rei passaria para o Brasil, em princípio para Belém do Pará, e aí far-se-ia a grande capital do Reino do Império do Ocidente, desistindo-se dessa coisa da Europa.

CLDessa coisa da Europa!?

A.M.C. – Sim, o nosso destino, a força maior, estava fundamentalmente virado para outros sítios que não a Europa.

CLE ainda hoje é assim?

A.M.C. – Hoje será a Europa, também. Depende como seja encarado o projecto lusófono.

CLEnquanto antropólogo, demonstra um particular interesse pelos crioulos…

A.M.C. – Sim, para mim, no projecto global da lusofonia, o mais importante são os crioulos, cuja capital é Cabo Verde. Essa é, na minha opinião, a raça cósmica representativa do Portugal de um Quinto Império construído de afectos, cheiros, gostos, enfim, um império feito de paz. Como o que existe, em certa medida, no Alentejo, onde vivo actualmente.

CLMas já viveu noutros sítios…

A.M.C. – Sim, mas é ao Amazonas que sempre regressa a minha memória. Aos cheiros, gostos, luz. Fui criado pela minha avó, que era amazonense e tinha uma memória extraordinária. Contava-me histórias de pássaros, de índios, dos ruídos de todos os animais, e assim adormecia a ouvir tudo aquilo. Histórias que fizeram parte da minha reserva mental, e assim, quando foi oportuno, e depois dos percursos que fiz, sempre ligado à geografia nas antigas colónias inglesas onde vivi, e particularmente quando me convidaram para ser “fellow” da Royal Geographic Society, decidi que havia de organizar uma jornada ao Amazonas. Pretendia reproduzir a viagem de Teixeira nas mesmas condições da época, ou seja, num barco à vela. Tal, porém, requeria vários anos, o que era insustentável. Contei com patrocínios e fui acarinhado pelos Meios de Comunicação Social brasileiros, todavia, por condicionalismos vários – entre os quais o perigo de ataque de narcotraficantes em certos percursos do Amazonas e um pequeno conflito bélico entre o Peru e o Equador – a expedição acabaria por se limitar a uma viagem de reconhecimento, para um futuro projecto mais alargado.

Joaquim Magalhães de Castro

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