Amós e Amazias (Amós 7, 10–17): a autoridade da palavra profética
1. O confronto em Betel
Em Amós 7, 10–17, testemunhamos um confronto dramático entre o profeta Amós e Amazias, o sacerdote de Betel. Amazias, ao actuar como oficial da realeza, denuncia Amós ao rei Jeroboão II, acusando-o de conspiração e sedição: «Amós conspirou contra ti no meio da casa de Israel. A terra não pode suportar todas as suas palavras» (Am., 7, 10).
A reacção de Amazias revela a tensão entre a verdade profética e o poder institucional. Amós, um pastor de Judá, é visto como uma ameaça ao regime político e religioso do Reino do Norte. Este episódio ilustra um princípio bíblico central: a vocação profética está acima da monarquia e do sacerdócio, servindo como a voz da justiça e misericórdia de Deus.
2. Profetas: chamados por Deus, não pelo estatuto
Ao contrário dos reis e sacerdotes, que muitas vezes pertenciam a famílias de elite e eram nomeados por instituições humanas, os profetas eram chamados directamente por Deus, sendo muitas vezes de origens humildes ou inesperadas:
. Amós cuidava de ovelhas e sicómoros (cf. Amós 7, 14-15).
. Eliseu arava um campo (cf. 1 Reis 19, 19).
. Isaías recebeu o seu chamamento no Templo (cf. Isaías 6, 1–8).
. Ezequiel foi chamado durante o exílio na Babilónia (cf. Ezequiel 1, 1–3).
. Jeremias foi escolhido antes do nascimento e chamado quando jovem (cf. Jeremias 1, 4–10).
Deus chama quem Ele quer, em qualquer contexto em que vivam. O profeta não se autoproclama, mas é tomado por Deus, assimilando a Sua visão do mundo – o Seu amor de aliança, a Sua justiça que purifica através do sofrimento e o Seu desejo de perdoar e restaurar o remanescente fiel.
3. A missão e a mensagem de Amós
Amós foi enviado para denunciar a corrupção da aliança entre o rei, o sacerdote e os mercadores na Samaria. Estas elites mascaravam a sua injustiça com rituais luxuosos, acreditando que estavam a servir o Senhor enquanto oprimiam os pobres e cometiam violência. Uma hipocrisia exposta por Amós: «Eu não sou profeta, nem filho de profeta, mas pastor e cultivador de sicómoros. Mas o Senhor me tirou do pastoreio e me disse: “Vai, e profetiza o meu povo Israel”» (Amós 7, 14–15).
Amós não recua com medo quando confrontado com uma ameaça. Ele declara corajosamente que a sua missão é a vontade de Deus, e não uma iniciativa própria. Adverte que os líderes do Reino do Norte estão a levar o povo à ruína e ao exílio sob o brutal império assírio.
Amós também desafia os falsos santuários do Reino do Norte. A “Shekhinah” (שְׁכִינָה) – a glória de Deus que habita – permanece apenas no Templo de Jerusalém, não em Betel ou na Samaria, que foram dessacralizados pela adoração idólatra. A presença de Deus não pode ser manipulada ou localizada por instituições corruptas.
As palavras de Amós cumpriram-se. Nem Amazias nem Jeroboão deram ouvidos ao aviso. O Reino do Norte acabou por cair nas mãos da Assíria, em 722 a.C., e o seu povo foi exilado. Estas são as chamadas “Tribos Perdidas de Israel” que nunca retornaram. A voz profética, embora rejeitada, provou ser verdadeira.
«Portanto, assim diz o Senhor: “A tua mulher será prostituta na cidade, e os teus filhos e filhas cairão à espada (…) e Israel certamente irá para o exílio, longe da sua terra”» (Am., 7, 17).
4. Jesus e a tradição profética
Jesus está firmemente inserido na tradição dos profetas hebreus. Tal como Amós, Isaías, Jeremias e outros, Ele foi enviado para proclamar a justiça, a misericórdia e o apelo à conversão de Deus – especialmente àqueles no poder que se tinham acomodado nos seus privilégios religiosos e sociais.
Ao longo do seu ministério, Jesus defendeu os profetas e lamentou a sua perseguição: «Ai de vós! Construíram os túmulos dos profetas, e foram os vossos antepassados que os mataram» (Lc., 11, 47).
Ele expôs a hipocrisia dos líderes religiosos que honravam os profetas na morte, mas rejeitavam a sua mensagem em vida. Esta crítica ecoa a denúncia de Amós às elites sacerdotais e reais que silenciavam a voz de Deus para preservar o seu próprio conforto e controlo.
Mesmo Jesus experimentou esta rejeição, na primeira pessoa. Quando regressou à sua cidade natal, Nazaré, as pessoas ficaram surpreendidas com os seus ensinamentos, mas recusaram-se a aceitá-lo: “‘Não é este o filho do carpinteiro?’ (…) E dele se mostraram escandalizadas. Mas Jesus disse-lhes: ‘Um profeta não é honrado, a não ser na sua terra e na sua casa’” (cf. Mt., 13, 55–57).
Este momento revela uma verdade profunda: a marca de um verdadeiro profeta é a resistência e a hostilidade daqueles que não estão dispostos a sair da sua zona de conforto, confrontar o seu pecado e abraçar a conversão. Os profetas perturbam o status quo. Eles dizem verdades incómodas. Eles clamam por justiça, misericórdia e mudança radical.
Jesus não apenas se insere na tradição profética; todos os profetas apontam-nO como o Messias. É mais do que um profeta – é o Verbo feito carne, o Filho unigénito de Deus. No entanto, o Seu caminho é marcado pelo sofrimento, pela rejeição e pela crucificação. Tal como Amós, Ele é acusado, combatido e, por fim, condenado pelas próprias instituições encarregadas de defender a aliança de Deus.
E, no entanto, assim como a profecia de Amós se cumpriu apesar da rejeição, também a missão de Jesus foi vitoriosa através da Ressurreição. A Sua rejeição torna-se a pedra angular da salvação: “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular” (cf. Sl., 118, 22; Mt., 21, 42).
Rezar com a Palavra de Deus
Uma voz profética pode ser inquietante e desconfortável. No entanto, devemos continuar receptivos a sermos desafiados – a qualquer momento e em qualquer circunstância – para não ficarmos presos em padrões institucionalizados, rígidos e excessivamente ritualizados que nos cegam para o apelo vivo de Deus.
Seguir Cristo é viver no limite, abraçando o paradoxo que define o Evangelho. Como São Paulo expressa de forma tão poderosa: «Quando sou fraco, então sou forte» (2 Coríntios 12, 10).
«Tudo posso naquele que me fortalece» (Filipenses 4, 13).
Algumas sugestões para oração:
. Leia e medite sobre a passagem completa: Am., 7, 10–17.
. Olhe para trás, para a sua história pessoal. Lembre-se dos momentos em que sentiu o chamamento de Deus.
Qual era a sua situação naquela altura?
Que características únicas marcaram esse chamamento?
. Discernir as inconsistências que persistem na sua vida.
Que áreas precisam de ser confrontadas pela voz profética de Amós?
Onde Deus está a convidá-lo para a conversão, coragem e renovação?
Deixe que a Palavra de Deus perturbe o seu conforto, desperte a sua consciência e o conduza a uma comunhão mais profunda com a Sua vontade. A voz profética não tem como objetivo condenar, mas iluminar o caminho da verdade e da transformação.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ

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