46 anos é uma vida

É engraçado como damos mais importância às coisas à medida que vamos envelhecendo, ou como diz um amigo, à medida que vamos madurando e aumentando a nossa experiência. Esta viagem de descoberta de nós mesmos e de regresso ao passado glorioso que foi o das nossas Descobertas tem servido também para ver a vida de outra perspectiva.

O que tínhamos em Macau era dado como adquirido e pouca importância, ou mesmo nenhuma, era dispensada para parar e pensar de onde tudo isso vinha. A água saía das torneiras a toda a hora e pronta a ser bebida, mas não nos passava pela cabeça que apenas dois por cento da população mundial tem acesso a água potável em casa. O frigorífico estava sempre ali pronto a ser aberto a qualquer altura do dia ou da noite, sempre com algo dentro para nos saciar a fome ou a sede, ou mesmo só para nos saciar a gula. Essa gula que nos vai engordando e fazendo cada vez menos saudáveis. Não nos passa pela cabeça que nem um por cento da população mundial tem acesso a refrigeração para conservar alimentos e que o consumo de energia eléctrica aumenta em cerca de 25% cada vez que abrimos o frigorífico.

A verdade é que passados oito meses de termos enveredado por esta via e de vivermos a tempo inteiro no nosso veleiro, a que chamamos casa e não barco, estamos mais cientes da importância de ter água potável. O consumo médio diário no mundo civilizado por pessoa é superior a 1000 litros. Nós vivemos com cerca de 25 litros por dia e fazemos tudo o que fazíamos no apartamento em Macau. Bebemos água dos nossos tanques, usamo-la para lavar a roupa e a louça, para tomar banho e para cozinhar. No entanto, também usamos água do mar porque felizmente, aqui como em grande parte do mundo, ainda é limpa e pode ser usada para lavar roupa, tomar banho e lavar louça, além de ser também usada para lavar o barco e outras coisas. E, claro, depois de lavarmos com água do mar, utilizamos água doce para a última passagem, para que não haja resíduos de sal e tudo fique fresco.

Em Macau, com tanto acesso a água do mar em toda a costa, não seria de todo descabido exigir que a Macao Water passasse a usar água salgada para que todos a tivessem em casa para, por exemplo, encher o autoclismo. Só aí poupávamos cerca de 30 litros por descarga! Mas podia ser também usada para lavar a louça, coexistindo com o sistema de água doce, como fazemos na nossa cozinha, onde temos uma torneira de água doce e outra de água salgada.

O Governo deveria dar o exemplo. Se optasse por ter água salgada nas casas de banho públicas e nas dos serviços ajudariam imenso na poupança de um recurso bastante importante e no corte de despesas, em vez de andarem a pedir aos funcionários que reciclem papel e usem os dois lados do mesmo ou a policiar quem desliga o computador ou o ar condicionado sempre que sai do gabinete.

Estes pequenos detalhes só são passíveis de ser vistos por quem tem a sorte de conseguir isolar-se da sociedade em que vive e olhar para ela de fora. Quem vive em cidades desenvolvidas como Macau não se apercebe do desperdício que se faz a todos os níveis. Não quer dizer que as pessoas sejam as responsáveis. A culpa é mesmo do sistema porque não oferece outras opções. Acredito que se fosse oferecido escolher a maior parte da população optava por poupar em vez de desperdiçar. Afinal de contas no final do mês ficavam com mais dinheiro nas carteiras e teriam um melhor ambiente para viver.

Mas esta viagem tem servido também para que olhemos para pormenores da nossa vida com outros olhos, dando importância ao que realmente é importante. Quando vivíamos em Macau e tínhamos acesso a tudo o que queríamos não nos preocupávamos muito com acontecimentos e datas simbólicas, tanto das nossas vidas como das pessoas que nos rodeiam. Pareciam sem importância ou de somenos importância. Datas de aniversário que o calendário do telefone nos ia lembrando com dias de antecedência para que não nos esquecêssemos de enviar uma mensagem, mas que mesmo assim passavam sem ser assinaladas. E outras efemérides que pareciam insignificantes, no final de contas davam significado à vida em sociedade e em família.

Até há bem pouco tempo pouca importância tinha atribuído à data de casamento dos meus pais, mas este ano, quando assinalaram 46 anos de casados no passado dia 9 de Agosto, fiz questão de não deixar passar a data em branco; por um lado, são os meus pais e a razão de eu estar neste mundo; por outro, porque o casamento é algo que deve ser enaltecido e quando se trata de um enlace que tem durado todos estes anos merece ainda mais.

João Santos Gomes

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