Identidade e outras crises.
Numa das entrevistas que concedeu à Imprensa portuguesa, neste caso no rescaldo da publicação do seu livro “A Exortação aos Crocodilos”, António Lobo Antunes exagerou alarvemente ao declarar que em Portugal «não temos romancistas», que «o Eugénio, o Vasco Graça Moura, o Pedro Tamen são poetas e outros quase todos não», e que todos os «novos prosadores que vou ler… aquilo é tudo tão mau», embora haja uma rapariga «que parece ter muito talento, Ana Teresa Pereira; há um rapaz de que vi o manuscrito, não sei se está publicado, Alexandre Andrade, que me parece muito bom; há uma rapariga, Margarida Vale do Gato, que me parece ter muito talento… Mas de uma forma geral desiludo-me». Pelos vistos o escritor – que não será romancista, pois na sua opinião não há romancistas em Portugal (mas para quê então andaram a queimar pestanas o Camilo, o Eça, o Brandão, o Aquilino…) – só se ilude com Hawthornes, Jane Austen e Emily Bronte. Tudo muito “british”, pois então.
Apesar destas suas declarações, Lobo Antunes aceitou sem pestanejar estar presente no salão do livro da capital francesa a representar o que de melhor há no romance português. Se não temos romancistas em Portugal, que foi então fazer Lobo Antunes a Paris?
Como se não bastasse, o escritor mete-se ainda com o aspecto físico dos portugueses, que também é o dele. Perguntam-lhe se vai continuar a viver em Portugal. E ele responde que não sabe, mas «é difícil escrever sem estar aqui. Por causa da língua. E gosto do clima. E das pessoas do meu país. Porque somos feios, pequeninos, mas ao mesmo tempo… fiquei com uma grande admiração pelos rapazes que estavam comigo na tropa, nunca vi ninguém recusar-se a ir para o mato». Mas quem foi o parvo que inventou o “small is beautiful”?
Resumindo e concluindo: António Lobo Antunes, um dos nossos escritores mais lidos no estrangeiro – e sem dúvida que o merece, pois é das penas mais valiosas que o País conhece – para além do azedume, parece andar com alguns problemas de identidade. Fica, porém, tudo esclarecido quando o próprio confessa ter tido «uma péssima relação» com a sua imagem, «quando era novo, com a minha cara, com o meu corpo». Pois é. Acontece a muito bom português, ó Antunes!, mas não é com crises de falta de estima que deixaremos de ser quem somos.
Acresce o facto de António Lobo Antunes provavelmente nunca ter chegado a digerir por completo o facto de não ter sido o Nobel português no lugar do Nobel português. E por isso apontou várias vezes as baterias a José Saramago, de uma forma nada simpática. Vejam-me lá o que Antunes afirmou numa entrevista ao Magazine Litteraire: “Tal como não acredito em bons romances escritos antes do 30, também não acredito em bons romances escritos depois dos 70 (…) Com a idade, o sentido crítico diminui e dois tipos de hipertrofia surgem: a hipertrofia do ego e a hipertrofia da próstata, e mija-se pior e escreve-se pior. Talvez isso me aconteça também e tornar-me-ei um velho gagá a escrever patetices”.
Verónica
Foi das exposições de fotografia de que mais se falou em Portugal. “Veronica’s Revenge” (A Vingança da Verónica) foi-nos apresentada como uma “perspectiva da fotografia contemporânea”. E nela não houve espaço para nenhum dos fotógrafos do universo lusófono. Nem mesmo para o brasileiro Sebastião Salgado, com créditos mais do que provados. Da lista dos cinquenta e dois fotógrafos representados nessa mostra, o nome com o qual mais nos podíamos familiarizar era o do mexicano Gabriel Orozco. Escusado será dizer que na “Veronica’s Revenge” – cujas obras fazem parte da colecção Lac, da Suíça – predominavam os nomes anglo-saxónicos, com algumas francesices, e um Keita, um Araki e um Sugimoto de premeio.
Apesar de não estar representado qualquer fotógrafo com apelido português (o que leva o visitante mais distraído a concluir que não existe fotógrafo contemporâneo do mundo lusófono que mereça ser exposto) a amostra, que esteve presente na Cadeia da Relação – essa mesmo onde esteve encarcerado o Camilo Castelo Branco e é hoje espaço cultural do Porto – foi organizada pelo Centro Português de Fotografia e contou com o apoio do Ministério da Cultura.
Não dá para entender como é que instituições públicas, numa atitude servil, continuem sistematicamente a apadrinhar trabalhos e artistas estrangeiros sem exigirem quaisquer contrapartidas.
Cada vez mais me convenço que, em Portugal – país com uma ínfima projecção cultural no estrangeiro – se deveria exigir sempre uma participação portuguesa em manifestações artísticas colectivas de estrangeiros. A assunção de uma tal política funcionaria assim como uma espécie de “imposto cultural” do qual estamos necessitados como do pão para a boca. E se ela não fosse aceite deveria ser exigida, quando muito, uma contrapartida. Por cada apresentação de trabalhos de artistas estrangeiros em Portugal, uma apresentação de trabalhos de artistas portugueses no estrangeiro. Pois a cultura, por muitos rodriguinhos que se lhe teçam, funciona hoje como mais uma moeda de troca neste mundo saturado de mercantilismo.
Joaquim Magalhães de Castro