Padre Domingos Soares, “o pai espiritual” dos timorenses
A igreja da Sé Catedral acolheu ontem, ao final da tarde, a Missa de Sétimo Dia em memória do padre Domingos da Silva Soares. O sacerdote timorense, que prestou serviço pastoral em Macau durante quase uma década, faleceu na passada sexta-feira, 16 de Maio, no Hospital Nacional Guido Valadares, em Díli, vítima de doença prolongada.
Nascido na aldeia de Letefoho, na região de Ermera, a 12 de Maio de 1952, o padre Domingos Soares era o actual responsável pela paróquia do Sagrado Coração de Jesus de Becora, nos arredores da capital timorense, mas a sua morte foi chorada um pouco por todo Timor-Leste.
Ordenado sacerdote a 16 de Julho de 1978, em Braga, pelo então arcebispo D. Eurico Dias Nogueira, o padre Domingos era visto na mais jovem nação do continente asiático não apenas como um sacerdote, mas sobretudo como alguém que lutou pela liberdade e que sempre ergueu a voz em prol da Justiça e dos Direitos Humanos. Durante a ocupação indonésia, o ainda jovem sacerdote – popularmente conhecido como “Padre Maubere” ou “Amu Du” – foi uma voz activa na denúncia das violações dos Direitos Humanos que ocorriam em Timor, atitude que lhe valeu a atribuição, em 1997, do Prémio Internacional Pax Christi. O padre Domingos dividiu as honras do galardão com Maria de Lourdes Cruz, em reconhecimento pelo trabalho conduzido em prol das comunidades menos favorecidas de Timor-Leste.
A proximidade aos pobres e a defesa da dignidade humana e da justiça social, antes e depois da restauração da independência, valeram-lhe o respeito e a admiração de todos os timorenses. «Era um pai espiritual para toda a gente. Os timorenses viam o padre Domingos Soares como um ancião, como alguém que não é habitual encontrar no mundo de hoje: um homem ungido, que não trabalhou para si próprio e, ao invés, trabalhou para o País e para todos», disse Agostinho Martins, católico timorense radicado em Macau há mais de duas décadas, que privou com o padre Domingos durante os quase nove anos em que este esteve ao serviço da diocese de Macau.
Nos anos que se seguiram ao restabelecimento da independência de Timor-Leste, o sacerdote continuou a ser uma voz activa na denúncia de problemas como a corrupção, o abuso de poder, a violência contras as mulheres e a desigualdade social. Em 2008 trocou Díli por Macau, com o objectivo de concluir um mestrado em Estudos Cristãos na Universidade de São José.
Durante os sete anos em que permaneceu no território, exerceu funções pastorais junto da comunidade católica de língua portuguesa na paróquia da Sé Catedral e ajudou a reactivar o Grupo Macau Rai Timor, fundado pelo padre Francisco Fernandes em 1996. Em Fevereiro de 2015 foi chamado pelo então bispo de Díli, D. Alberto Ricardo da Silva, para exercer as funções de vigário-geral da diocese da capital timorense, cargo que exerceu durante pouco mais de um ano. No entanto, o adeus a Macau acabaria por não ser definitivo.
Com o Doutoramento em Estudos Cristãos por concluir, regressou à RAEM em 2016 para completar os estudos de pós-graduação, tarefa que concluiu com sucesso em 2017, com a defesa de uma dissertação intitulada “A Diocese de Macau no alvorecer da Diocese de Díli”. Em Julho de 2017 despediu-se uma segunda vez da “Cidade do Nome de Deus”, mas não se afastou totalmente de Macau, visto ter continuado ligado ao grupo de apoio aos seminaristas timorenses que estudam na Universidade de São José.
«Depois da independência de Timor, continuou a desempenhar um papel importante, ao trazer para Macau jovens timorenses para que pudessem estudar e aqui se pudessem formar como sacerdotes. A morte do padre Domingos Soares é uma grande perda para Timor-Leste. Espero que os jovens que receberam essa formação mantenham o espírito de solidariedade pelo qual o padre Domingos se notabilizou e que trabalhem para o bem do País e se empenhem em todas as circunstâncias, neste momento de crescimento para Timor», advertiu Agostinho Martins.
Marco Carvalho