Primórdios da Missionação no Sul da China

A diplomacia de Francisco Peres.

Faremos esta semana uma breve análise acerca da pioneira abordagem missionária na região costeira do Sul da China. No centro das nossas atenções está o jesuíta Francisco Peres que, em 1564, viajou para Cantão na companhia dos padres Manuel Penedo e Manuel Teixeira. A carta que dali escreveu para as autoridade eclesiásticas de Goa dá-nos conta de mais esta tentativa em estabelecer contacto com as autoridades chinesas. Como esperado, os poderosos mandarins locais pediram aos emissários um testemunho público dos presentes a incluir numa futura embaixada. Os homens religiosos desculparam-se, dizendo que não estavam habilitados a fornecer esse tipo de informação, eliminando à partida a possibilidade de realização de qualquer embaixada. É importante lembrar que a qualidade e a quantidade dos presentes eram de suma importância para o sucesso de qualquer tipo de embaixada enviada ao imperador da China. E, mesmo com a promessa da maior das riquezas, nada estava garantido. A possibilidade de conseguir uma audição com o Filho Celestial era, de facto, muito reduzida. Extremamente frustrados com as suas diligências, os sacerdotes voltaram para Macau a tempo de assistir à chegada a essa cidade portuária de duas relevantes personagens: Luís de Melo, que vivia na ilha de Sunda (hoje Java, na Indonésia), e João Pereira, capitão-geral da fortaleza da cidade de Malaca, de 1556 a 1557. Ambos eram ricos comerciantes; ambos tinham autorização real para o comércio com o Japão. Para tal, estavam bem guarnecidos com os itens necessários para viver em Macau enquanto aguardavam o chegada da monção, como era prática corrente na época.

Tentados pelas mais do que previsíveis excelentes oportunidades de negócio em Macau, não ocultaram as suas pretensões de algum dia se tornarem capitães-gerais da cidade. Assim, movimentando-se muito rapidamente, criaram facções rivais que logo entraram em conflito. A tensão era tal que, pode-se dizer, a cidade correu o risco de se envolver numa guerra interna. Prevendo problemas futuros, Peres e o vigário João Soares intervieram nessas disputas, conseguindo apaziguar as discórdias. O poder acabaria por ser entregue a João Pereira pelo capitão-geral Diogo Pereira. Apesar de terem o mesmo apelido não havia entre eles qualquer tipo de parentesco.

Nessa época a pirataria nas águas do Mar do Sul da China representava um perigo bastante real, sendo particularmente temidos pela população os aguerridos e cruéis “wakos” japoneses. Falemos aqui de um incidente que a longo prazo viria a favorecer os portugueses e, de certa forma, determinar a sua continuidade em Macau. Aqui vai: dois mil soldados chineses que haviam lutado contra os piratas japoneses, não tendo recebido qualquer salário, decidiram começar a praticar eles mesmos actos de pirataria. E fizeram-no numa tal escala que chegaram a ameaçar os portos de Cantão. Encurralados, os mandarins decidiram pedir ajuda aos portugueses, reputados pela excelência dos seus equipamentos militares e habilidades pessoais. Trezentos portugueses responderam à chamada. Divididos em dois esquadrões, um comandado por Diogo Pereira e o outro por Luís de Melo, tomaram medidas imediatas. Após feroz batalha, com a duração de apenas meia hora, todos os rebeldes foram mortos ou capturados, sem uma única baixa do lado português. Diogo Pereira pediu então ao general chinês que patrocinasse uma embaixada. O militar aquiesceu, e os mercadores portugueses, acompanhados pelo padre Francisco Peres, dirigiram-se para Cantão, onde chegaram a 21 de Novembro de 1565. Enquanto os comerciantes tentavam fechar alguns bons negócios, Francisco Peres discutia a entrada dos missionários na China. Com esse propósito apresentou ao Tesoureiro Geral, que presidia as relações exteriores da corte, dois memoriais: um em Português e o outro em Chinês. Pedia, no fundo, permissão para entrar na China, para ensinar uma doutrina que era “uma oferta de Deus Todo-Poderoso” ao Imperador, aos governantes do seu império e ao seu povo. Um dos assistentes perguntou: «– Você sabe Chinês?» Como a resposta foi negativa, ele acrescentou: «– Bem, então comece por estudar a nossa língua e mais tarde tornar-se-á certamente nosso mestre da sua religião». Quanto à embaixada, foi mais uma vez rejeitada pelo imperador. Aparentemente, devido aos distúrbios provocados pelos portugueses nos anos anteriores. Vendo uma vez mais frustrado seu desejo de entrar na China, Francisco Peres e companheiros fundaram em Macau, em Dezembro desse mesmo ano, junto à capela de Santo António, a primeira residência da Companhia de Jesus, que mais tarde serviria como hospício onde era prestada assistência aos missionários destinados ao Japão. Seria essa a primeira casa permanente da Companhia de Jesus, que sofreria alterações ao longo do tempo, como o evidencia uma série de placas actualmente afixadas na fachada de granito. De certa forma pode-se dizer que a presença dos jesuítas em Macau é quase simultânea à fundação da cidade.

Para concluirmos este capítulo seria injusto esquecermos o padre Baltasar Gago, missionário no Ceilão e no Sul da Índia, onde pregou entre as comunidades cristãs de pescadores. À semelhança de Peres e outros sacerdotes, também Baltasar Gago fora destinado à missão da China, por ordem de São Francisco Xavier. Porém, devido ao insucesso da embaixada, acabaria por rumar ao Japão, onde missionou durante oito anos. Debilitado pela doença deixou esse arquipélago com destino a Macau a bordo de um junco que uma tempestade fez naufragar ao largo da costa da ilha de Hainão. Aí permaneceu, na companhia dos restantes sobreviventes, durante cinco meses. Um deles seria enviado por terra a Cantão para pedir ajuda aos portugueses de Macau. O mensageiro chegou à Cidade do Santo Nome de Deus a 1 de Janeiro de 1561 e logo as autoridades locais enviaram um navio a Hainão com o objectivo de resgatar o padre Baltasar Gago e companheiros. Todos chegaram a Macau, sãos e salvos, poucos dias após a Páscoa desse mesmo ano.

Joaquim Magalhães de Castro

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