IGREJA DO SEMINÁRIO DE SÃO JOSÉ

IGREJA DO SEMINÁRIO DE SÃO JOSÉ

Guardiã da Relíquia de São Francisco Xavier

A igreja do Seminário de São José é um dos mais notáveis exemplares do património religioso e cultural de Macau. Construída no Século XVIII, mais precisamente em 1758, a igreja faz parte do Seminário de São José, como o próprio nome indica, uma instituição fundada pelos jesuítas para a formação de missionários. A arquitectura barroca, com influências europeias e adaptações locais, evidencia a fusão de estilos que caracteriza muitos dos edifícios históricos de Macau.

Uma das relíquias mais importantes da igreja do Seminário de São José é um osso do braço de São Francisco Xavier, missionário jesuíta no Oriente. A relíquia, guardada num relicário elaborado, atrai peregrinos e devotos, reforçando o papel da igreja como local de peregrinação e espiritualidade.

A igreja é particularmente conhecida pela sua imponente fachada e pelo magnífico altar-mor. O interior, ricamente decorado, é um testemunho da devoção e do esplendor artístico da época, com elementos que combinam a tradição europeia com toques orientais, simbolizando o diálogo cultural que Macau sempre encarnou. Trata-se de um verdadeiro tesouro artístico e arquitectónico, que combina influências barrocas europeias com adaptações locais, demonstrando a singularidade cultural da região. A fachada, embora sóbria em comparação com outras igrejas barrocas, apresenta uma elegância discreta, com linhas simples e uma torre central que domina o conjunto. O uso de tons claros e a simetria da construção conferem-lhe uma harmonia visual que se integra perfeitamente no contexto urbano de Macau.

No interior, a igreja revela toda a riqueza artística e espiritual. O espaço é marcado por uma nave central ampla, ladeada por colunas que sustentam arcos ornamentados, criando um sentido de verticalidade e grandiosidade. O tecto, em abóbada de berço, é decorado com motivos geométricos e florais, típicos do estilo barroco, mas com nuances que denotam a influência asiática, como o uso de cores suaves e padrões que evocam a arte chinesa. O altar-mor é, sem dúvida, o ponto focal do interior da igreja. Talhado em madeira e dourado a ouro, é uma obra-prima do barroco, com detalhes intricados que incluem volutas, folhas de acanto e figuras de anjos. No centro, destaca-se a imagem de São José, padroeiro da igreja, ladeada por esculturas de outros santos e figuras bíblicas. A iconografia do altar reflecte a devoção cristã, mas também incorpora elementos simbólicos que ressoam com a cultura local, como a representação de flores e motivos naturais que são comuns na arte chinesa.

As paredes laterais da nave são adornadas com pinturas e painéis que retratam cenas da vida de Jesus Cristo e dos santos, numa mistura de estilos europeus e asiáticos. Estas obras, de inspiração claramente cristã, mostram influências da arte chinesa na representação de rostos e trajes, evidenciando o diálogo cultural que caracteriza Macau. Os vitrais, menos exuberantes do que os encontrados em igrejas europeias, filtram a luz natural de forma suave, criando uma atmosfera serena e contemplativa.

A sacristia, localizada ao lado do altar-mor, guarda um acervo de objectos litúrgicos, paramentos e peças de arte-sacra de grande valor histórico e artístico. Entre eles, destacam-se cálices, cruzes e missais antigos, muitos dos quais foram trazidos pelos jesuítas durante a sua missão em Macau. Estes objectos não só serviam ao culto religioso, mas também eram utilizados no ensino e na formação dos seminaristas, reforçando o papel educativo do Seminário de São José.

A arquitectura da igreja e do Seminário adjacente remete para a funcionalidade e a simplicidade características das construções jesuítas, mas sem abdicar da beleza e da grandiosidade. O claustro do Seminário, com pátio central e arcadas, é um exemplo notável de como os jesuítas adaptaram os modelos europeus ao clima e às tradições locais, criando espaços que promoviam a reflexão e o estudo.

Para a comunidade chinesa, a arte e a arquitectura da igreja do Seminário de São José são vistas com um misto de curiosidade e respeito. Embora muitos dos símbolos e iconografias sejam estranhos à tradição chinesa, a destreza artística e o cuidado com que a igreja foi construída são amplamente apreciados. A presença de elementos locais na decoração e na construção é vista como um sinal de respeito pela cultura chinesa, reforçando a ideia de que a igreja é parte integrante do património de Macau. Há divergências entre os investigadores sobre a data da fundação do Seminário de São José, ao qual a igreja estava ligada. Há quem refira que foi fundado como (novo) Colégio de São Paulo, pelos jesuítas, sabendo-se que já existia em 1749. Pode-se datar o seu começo no segundo quartel do Século XVIII. Existia então no sítio, onde se levanta o actual edifício, conhecido durante muito tempo como Monte do Mato Mofino, um grupo de três casitas pertencentes a um homem rico, Miguel Cordeiro, que as ofereceu aos missionários jesuítas. Nelas se instalou o primitivo Seminário e delas se foi erguendo, ano após ano e gradualmente, o grandioso maciço que ainda é conhecido entre os chineses como “Sam Pá Tchai” ou “São Paulo menor”. Com a expulsão dos jesuítas, em 1762, registou-se um período de abandono, até 1784, ano em que o Seminário foi confiado aos lazaristas ou Padres da Missão, vindos do Seminário de Chorão (Goa).

Ao longo dos tempos, a igreja do Seminário de São José desempenhou um papel crucial não apenas como local de culto, mas também como centro de educação e formação religiosa. O Seminário adjacente foi um dos primeiros institutos de Ensino Superior na região. Durante o período em que os jesuítas foram expulsos de Macau (1762-1783), a igreja e o Seminário enfrentaram dificuldades.

A tolerância religiosa e o espírito de coexistência que caracterizam Macau são evidentes na forma como a igreja do Seminário é percebida pela comunidade chinesa. Apesar de não ser um local de prática religiosa para a maioria dos chineses, a igreja é valorizada como um símbolo de harmonia e como um marco histórico do passado de Macau.

Vítor Teixeira

Universidade Fernando Pessoa

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