Quem fiscaliza o Chefe do Executivo?
Chui Sai On parece não ter a vida facilitada no segundo mandato à frente dos destinos da RAEM, devido a alegados conflito de interesses envolvendo a atribuição de dinheiros públicos. Quem fiscaliza realmente a acção governativa do Chefe do Executivo? O CLARIM procurou resposta junto do sector jurídico e deparou-se com duas posições contrárias.
O Chefe do Executivo, Chui Sai On, está a ser criticado por vários quadrantes da sociedade por não se resguardar de alegados conflito de interesses na tomada de decisões a envolver dinheiros públicos.
Em concreto, está a polémica relacionada com a assinatura do despacho, autorizando uma adjudicação directa no valor de 5,9 milhões de patacas, efectuada à Associação Promotora das Ciências e Tecnologias de Macau, dirigida pelo primo Chui Sai Peng.
Ganhou também controvérsia a doação de cem milhões de renminbis (cerca de 123 milhões de patacas) à Universidade de Jinan, sendo que Chui Sai On é vice-presidente do Conselho Geral desta instituição de Ensino Superior e presidente do Conselho de Curadores da Fundação Macau, entidade que aprovou o donativo.
Se no primeiro caso o montante em questão foi canalizado para a prestação de serviços ao Governo, através da elaboração de materiais didácticos para conhecimentos gerais do Ensino Primário, no segundo caso a justificação teve como base a construção de infra-estruturas que também irão beneficiar os estudantes provenientes de Macau. Chui Sai On já negou haver conflito de interesses nas duas situações.
O Comissariado contra a Corrupção (CCAC), a Polícia Judiciária e o Ministério Público (MP) têm mostrado trabalho durante os dezasseis anos de vigência da RAEM, não tendo poupado inclusivamente Ao Man Long, ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, e Ho Chio Meng, ex-procurador do MP.
Quem fiscaliza realmente a acção governativa do Chefe do Executivo? O CCAC? A Assembleia Legislativa? Outras entidades? O CLARIM procurou encontrar resposta junto do sector jurídico. Entre doze profissionais, apenas Rui Cunha e António Katchi mostraram disponibilidade para falar abertamente sobre o assunto.
«Nestes dezasseis anos de experiência não vejo que tenha havido casos tão flagrantes. Não sei se o CCAC estará a funcionar bem a 100%, mas até ao momento não vi sinais de inconveniência», salienta Rui Cunha, aludindo a possíveis condicionantes do organismo, por ser o Chefe do Executivo a submeter ao Governo Popular Central, para efeitos de nomeação, a indigitação, entre outros, do Comissário contra a Corrupção, que no exercício das suas funções responde perante o Chefe do Executivo.
E porque o CCAC «tem funcionado com a eficiência possível», o experiente advogado entende que «não há necessidades de haver modificações», por ser «um bocado avesso a muitas mexidas, consoante o vento sopra de norte ou de sul», porque «nunca se sabe se será para melhor ou para pior». Nesse sentido, atira: «É difícil [o CCAC] deixar a tutela do Chefe do Executivo… e ir para a Assembleia Legislativa!? Não seria a melhor solução».
Para Rui Cunha não há dúvida que o Governo Central «tem naturalmente os olhos em Macau», razão pela qual «se algum desvio ou falta flagrante» acontecer por parte do Chefe do Executivo, «a própria Assembleia [Legislativa], ou o Governo que o nomeou, pode tomar uma atitude de censura, como já aconteceu em Hong Kong», também regido por uma Lei Básica.
«Não vejo que haja agora a necessidade de criar uma forma de fiscalização diferente e especial para o Chefe do Executivo. Quem o nomeou tem natural “poder” para dizer se está bem ou mal», frisa.
Numa análise ao desempenho da AL, diz que «faz o que pode», acrescentando ser normal existir «um período de aprendizagem» após a transferência de poderes, algo que para ele «é mais notório em uns do que noutros» deputados. «Já estão a fazer um trabalho mais ou menos válido. Podiam fazer melhor. Poderá melhorar com o tempo», vinca Rui Cunha.
Lacunas
O jurista António Katchi adopta uma posição contrária: «Do meu ponto de vista, não deveria haver sequer um organismo como o CCAC, que deveria ser extinto, mediante a necessária revisão da Lei Básica. A investigação criminal deveria estar inteiramente confiada ao Ministério Público, coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal».
No seu entender, «a provedoria de justiça deveria ser confiada a um órgão específico, de tipo “Ombudsman” – ou seja, a um Provedor de Justiça – e este, para ser realmente independente do Chefe do Executivo e do Governo, quer local, quer central, poderia ser eleito pela Assembleia Legislativa».
Quanto ao controlo da legalidade administrativa, «continuaria a ser exercido pelas diversas vias que já hoje existem para além do CCAC, tais como o controlo administrativo hierárquico, a tutela inspectiva, o contencioso administrativo (controlo judicial sobre a Administração) e a fiscalização política parlamentar».
Além disso, «há a importantíssima fiscalização social, não oficial, nomeadamente por parte de associações e dos Meios de Comunicação Social», sem esquecer «os próprios trabalhadores da Administração Pública, em geral».
O trabalho de fiscalização exercido pela AL merece reparos do jurista: «Vários deputados eleitos por sufrágio directo fazem-no individualmente, através de interpelações escritas ao Governo, e procuram levar a Assembleia Legislativa, como órgão colegial, a fazê-lo também, propondo a realização de debates e a formação de comissões de inquéritos».
Contudo, «a maioria pró-oligárquica da Assembleia Legislativa tem impedido sempre a formação de comissões de inquérito e quase sempre a realização de debates sobre assuntos da competência administrativa do Governo».
De igual forma, «para justificar esta obstrução e este conluio com o Governo, tem essa maioria alegado o princípio da separação de poderes – curiosamente, um princípio que os dirigentes do PCC negam estar consagrado na Lei Básica, mas que felizmente é reconhecido (pelo menos, quando dá jeito) pela oligarquia local».
«E assim, diz ela, tratando-se de matéria da competência do Governo, e enquadrada na função administrativa, a Assembleia Legislativa não se pode imiscuir, nem mesmo através de debates ou de inquéritos parlamentares», analisa, criticando: «não vejo que isso faça sentido, pois debater, decidir e fiscalizar são coisas diferentes» porque «competindo a decisão a um órgão da Administração Pública, tal não impede que a Assembleia Legislativa debata e fiscalize».
As posições de Rui Cunha e António Katchi, embora contrárias, reflectem o que pensam alguns profissionais do ramo, auscultados pel’O CLARIM mediante a condição de não haver qualquer registo das suas declarações.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA