O lado militar de Macau
Alguns classificam-na como ermida, ou até como capela de fortaleza. Assim, optando pela última atribuição, não deixamos de nomear a Ermida de São Tiago da Barra, localizada, precisamente, no interior da Fortaleza de São Tiago, na Barra.
Antes da capela, recordemos o espaço em que se insere, a fortaleza homónima, de São Tiago. Esta, também conhecida como Fortaleza da Barra, situa-se no extremo sul da Península de Macau, no sopé da Colina da Barra. O mar ficava-lhe em frente, mas no Século XX este afastou-se, devido à implantação de um aterro, no qual seria edificado o Centro Modal de Transportes da Barra.
O recinto fortificado conheceu a fundação em 1629, em pleno chamado “século de ouro de Macau”, de grande fulgor comercial do território e vastas conexões no mundo asiático. O terreno onde se erigiu era acidentado, de traçado irregular, consolidado por fortes muros feitos de chunambo. A fortaleza está erigida em três níveis – superior, médio e inferior –, unidos por escadarias e caminhos exteriores. Existia ali, desde 1622, um pequeno forte, que servia de posto de vigia e controlo marítimo sobre a Barra e o Porto Interior, além de defesa da cidade, constituindo um ponto estratégico crucial. A importância media-se no facto de o comandante da fortaleza, o seu “capitão”, ser então nomeado directamente pelo Rei.
Mas, para lá da edificação militar, foi em 1740 construída a ermida, ou capela, para serviço religioso à guarnição, como era costume. O santo padroeiro dos soldados, dos exércitos, enfim, era São Tiago Maior (ou Zebedeu), também conhecido na hispanidade por São Tiago Matamouros, patrono de fortalezas e de lutas contra os infiéis. No local pontificou uma imagem do Santo, de armadura e espada em punho, além de escudo, como era tradição na sua iconografia militar.
A lenda reza que o Santo rondava a cidade de noite, em patrulha, pois todas as manhãs as botas da estátua estavam cobertas de lama. Continua a lenda a referir que havia um soldado de serviço à estátua, para a limpar todas as manhãs. Um dia, o dito militar faltou à incumbência e o castigo divino aplacou-se sobre ele, pois viria a cair sobre a sua cabeça a espada que o Santo brandia na mão direita.
Em 1976, na desmilitarização do território, a Fortaleza de São Tiago da Barra, antes uma zona militar de acesso restrito, foi gradualmente aberta ao público. Em 1978, depois de obras de conservação e restauro, a fortaleza foi transformada numa pousada, de exploração privada. Esta foi inaugurada em 1981, mantendo a capela no seu interior.
Assim, a capela é um templo simples, como a maior parte dos edifícios religiosos no topo de elevações, como acontece com as ermidas localizadas em Portugal continental. A Festa em honra do Santo celebra-se anualmente a 25 de Julho, com romagem de devotos. A capela possui uma estátua do orago, São Tiago Maior, protector militar de Macau, vestido como peregrino, recordando o Caminho de Santiago de Compostela, tão importante na tradição ibérica. As paredes brancas e os detalhes em madeira escura conferem ao espaço uma atmosfera serena e tranquila. Existem ainda azulejos azuis e brancos do Século XX que ilustram Nossa Senhora de Fátima e a Rainha Santa Isabel.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa