Rui Flores, Gestor Executivo do Programa Académico da União Europeia para Macau

Eleições condicionam discurso europeu

Numa altura em que a solidariedade está aquém do desejado na Europa é preciso que os líderes governativos ouçam os respectivos povos, em vez de olharem essencialmente para os interesses partidários nas eleições que se avizinham, sustenta Rui Flores, em entrevista a’O CLARIM. O gestor executivo do Programa Académico da União Europeia para Macau aborda a reforma humanista defendida pelo Papa Francisco, a posição da Grécia, o conflito na Ucrânia, o fundamentalismo islâmico na zona euro e a situação política em Timor-Leste.

O CLARIMA posição de força da Grécia sobre o programa de resgate financeiro está a dar grandes dores de cabeça à União Europeia. Será um ponto de cisão? Irá a Grécia sair da zona euro?

RUI FLORES – Estamos num processo negocial entre a Grécia e a União Europeia, sendo o principal interlocutor a Alemanha, e não a Comissão Europeia. É um momento da construção europeia em que a solidariedade está algo ausente. É curioso que tenha sido o Papa Francisco, quando foi ao Parlamento Europeu em Novembro último, e quando recentemente se encontrou com a chanceler alemã, a lembrar aos dirigentes europeus quanto à importância da solidariedade e, sobretudo, de uma reforma humanista da União Europeia. É um discurso necessário.

CLQue análise faz?

R.F. – A União Europeia tem sido construída um bocado contra a vontade das populações, porque tem sido mais o impulso dos líderes do que o das populações. É preciso ouvir mais os diferentes povos que constituem esta Europa a 28, do que seguir a linha de pensamento dos principais líderes europeus. Também é um facto que dois ou três países da União Europeia controlam a instituição. Devido ao papel da Alemanha nas questões económicas e no resgate financeiro à Grécia, e no apoio da União Europeia à Grécia, é a voz alemã que tem falado mais alto. Se a Grécia vai sair da zona euro, ou não, é difícil fazer uma previsão. No entanto, já estivemos mais longe de isso acontecer.

CLO Primeiro-Ministro grego, Alexis Tsipras, criticou Portugal e a Espanha por levantarem obstáculos nas negociações do Eurogrupo. Estamos perante dois blocos? O dos alinhados e o dos não-alinhados com a Alemanha?

R.F. – A grande questão, neste momento, sobre a dificuldade de haver solidariedade entre os diferentes povos e diferentes Governos da Europa deve-se ao facto de vários países terem eleições este ano. São países que ao longo dos últimos anos têm defendido uma visão política voltada para a necessidade da austeridade, dos cortes, da contenção dos custos e da diminuição dos défices. Sob pena de correrem o risco de perderem votos nestas eleições [os partidos no poder] pensam que não podem de um momento para o outro deixar cair esta narrativa, sobretudo quando alguns países estão a dar a volta ao problema, porque já estiveram em pior situação económica. O discurso no interior da União Europeia está francamente formatado pela realidade de haver eleições este ano.

CLA Rússia tem endurecido o seu discurso em relação à Ucrânia. O conflito armado está à porta da União Europeia. É perigoso?

R.F. – Sim, mas tem havido grande preocupação da União Europeia que, ao lado dos Estados Unidos, tem apostado em sanções económicas à Rússia e em tentar mediar o conflito, nomeadamente através do Presidente [francês] Hollande e da Chanceler Merkel. O acordo de Minsk teve um grande impulso destes dois líderes. Contudo, em termos de política externa, a União Europeia tem problemas muito sérios, porque é extremamente difícil conciliar a opinião de 28 Estados membros numa única mensagem externa.

CLFalamos de uma União Europeia que sempre se bateu pela integração de diferentes etnias, mas que é hoje uma fonte para o extremismo islâmico…

R.F. – Sem querer generalizar, apesar de ter havido um discurso de tolerância em muitos países europeus, é um facto que essas minorias têm vivido ao longo dos anos em “guetos” sem terem a capacidade de vingar socialmente nos países onde vivem. A sociedade actual, a passar por uma crise de valores, bem como social e financeira, leva a que alguns – poucos – cidadãos vejam nos extremismos alguma oportunidade para se fazerem notar. Vemos isso em Londres, em Paris, em Bruxelas e um pouco por toda a parte. Parece-me que a crise económica, sobretudo o desemprego jovem, terá contribuído para o problema. No entanto, também me parece ser uma generalização perigosa por ser um elemento de todo um quadro mais complexo.

CL – O que é o Programa Académico da União Europeia para Macau, que decorre na UMAC?

R.F. – É uma parceria entre a União Europeia, a Universidade de Macau [UMAC] e o Instituto de Estudos Europeus de Macau. Existe desde 2012 e tem como grande preocupação fazer do território um centro de investigação sobre questões relacionadas com a União Europeia. Actuamos na investigação académica, no intercâmbio entre alunos e professores e nas actividades do “outreach”, ou seja, na comunicação e informação ao público sobre questões relacionadas com a União Europeia, ou visões [desta] sobre determinados temas.

CLEm Timor-Leste deu formação a jornalistas locais, foi assessor de Mari Alkatiri, e depois de Ramos Horta, quando ambos foram chefes de Governo, e trabalhou ainda como assessor do presidente do Parlamento timorense. Que análise faz à remodelação governativa no País?

R.F. – Há uma grande preocupação do novo Governo [de Rui Araújo, Fretilin] em ser transparente e combater a corrupção. E por que é que a Fretilin aceitou ter elementos principais neste Governo [não tinha nenhum e passou a ter quatro, incluindo o Primeiro-Ministro]? É também uma incógnita muito grande saber qual será o verdadeiro papel de Xanana Gusmão [ex-Primeiro-Ministro demissionário, do CNRT]. Parece-me que houve uma preocupação em deixar de resolver as questões diárias inerentes a um Primeiro-Ministro, porque tem agora uma pasta muito importante, como ministro do Planeamento e do Investimento Estratégico.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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