Qualidade não se coaduna com compadrios.
O ensino em Macau passa pelo grande desafio de responder aos critérios internacionais, por isso já não se coaduna com compadrios ao nível de ligações ou laços familiares, sustenta o padre Peter Stilwell, em entrevista a’O CLARIM. O reitor da Universidade de São José afirma que há alunos provenientes das escolas secundárias do território que ingressam na vida académica e sentem dificuldades de aprendizagem devido aos métodos de estudo a que estavam habituados e – sobretudo na instituição que dirige – pelo domínio insuficiente da língua inglesa. Garantindo que não há derrapagem orçamental nas obras do novo campus na Ilha Verde, adiantou que parte das actuais instalações no NAPE será destinada para uma creche-modelo com pedagogia própria.
O CLARIM – Acredita que o território está a atravessar uma nova fase no ensino, primeiro com a inauguração do campus da Universidade de Macau na ilha da Montanha, e depois com o moderno campus da Universidade de São José (USJ) na ilha Verde?
PADRE PETER STILWELL – O Ensino Superior é muito recente em Macau, quando comparado com o resto do mundo. Na prática, a Universidade de Macau nasceu, como tal, em 1991. Claro que havia a Universidade da Ásia Oriental, instituição privada pouco virada para o território. O desafio agora é se a RAEM pretende que o Ensino Superior seja simplesmente um complemento da sua rede educativa ou se pretende que a dimensão do Ensino Superior seja um dos espaços que torna o território na plataforma de encontro entre povos e culturas, conforme é sua tradição, por não ter sido apenas um ponto de encontro de comércio, por causa das congregações religiosas que aqui preparavam os seus missionários. Daí ter existido o Colégio de São Paulo, sem esquecer o actual Seminário de São José.
CL – Que relevância atribui às instituições de matriz católica no sistema de ensino local?
P.P.S. – A minha impressão é que a rede das escolas de matriz religiosa do ensino não terciário, contando com as católicas e as não católicas, ainda é muito significativa. Há um salto qualitativo que Macau procura dar há vários anos ao nível do Ensino Primário e Secundário. A minha impressão, estando um pouco de fora, é que algumas escolas se lançaram nesta direcção, umas da rede religiosa e outras da não religiosa. Contudo, noto que um grande número de dirigentes dessas escolas ainda não se apropriou da ideia que o patamar de exigência já não é simplesmente uma questão desta ou daquela direcção pedir mais isto ou aquilo. Macau pretende colocar-se ao nível dos critérios internacionais, que por sua vez já não estão ao abrigo das simpatias, seja das ligações ou dos laços familiares. Devido às exigência desses critérios internacionais e à quebra demográfica nas faixas etárias estudantis mais jovens, as escolas vão ser obrigadas, se já não estão, a mostrar o que valem na qualidade e no desempenho, quer porque têm que se colocar ao nível internacional, quer porque têm que concorrer com um número cada vez mais reduzido de alunos.
CL – Sente que os estudantes do Ensino Secundário estão sobrecarregados nas suas tarefas diárias?
P.P.S. – Não conheço por dentro os currículos. Em Macau cada escola propõe o seu currículo. Os dados estatísticos mostram que os melhores alunos, concluindo o Ensino Secundário, procuram ir para Taiwan ou para outros destinos, tais como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e, de uma forma crescente, também Portugal. Temos depois os da camada seguinte, que por uma ou outra razão lhes convém ficar em Macau. Aqui, temos a proposta da Universidade de Macau, que é aliciante, existindo depois o nosso sector [USJ]. Temos a impressão que estamos a melhorar em termos de imagem e também daqueles que nos procuram. Todavia, os alunos que nos chegam têm grandes dificuldades em acompanhar os estudos do Ensino Superior.
CL – Porquê?
P.P.S. – Refiro-me aos métodos de estudo e, sobretudo no nosso caso, ao domínio da língua inglesa. Estamos a fazer o que podemos a este nível no primeiro e no segundo ano da vida universitária, mas seria bastante melhor para o desempenho das universidades se os alunos chegassem com outras capacidades. É preciso motivá-los a ser criativos e interactivos, porque muitas vezes têm uma atitude um pouco passiva – dizem-me os professores – na maneira de estar diante da leccionação. Penso que faz parte das limitações das escolas em geral aqui em Macau.
CL – São limitações de que ordem?
P.P.S. – Já ouvi em vários sectores de quadros locais, quer chineses, quer portugueses, a indicação que há uma tendência para um ensino que é mais de memorização do que de participação e de diálogo. Quando os alunos chegam aos nossos cursos, gostaríamos que fossem mais interventivos. Há um trabalho a fazer para ganharem confiança. A nossa vantagem é termos alunos de outras nacionalidades, em número bastante razoável, que vêm com outros hábitos pedagógicos e ajudam a animar bastante as turmas. Há uma dinamização que beneficia os estudantes locais.
CL – As novas instalações da USJ que estão a ser finalizadas na ilha Verde incorporam uma escola de Ensino Secundário. Bem perto irá também ser construído o novo campus do Colégio Diocesano de São José nº 5. Localizam-se ambas numa zona carenciada da cidade. Será que vão oferecer novas perspectivas a quem lá vive?
P.P.S. – É essa a nossa convicção, que as infra-estruturas, quer em termos de ensino, quer de espaços, como o auditório, a biblioteca e os equipamentos desportivos, possam contribuir para a melhoria das condições gerais do bairro onde o novo campus [da USJ] se insere. Penso que isso é bom, sendo nós uma instituição católica e sabendo que aquela é uma zona carenciada em termos de infra-estruturas e de matriz social. Julgamos que é um serviço que também prestamos à comunidade local, o que faz parte da nossa vocação e missão.
CL – Quando vão estar concluídas, em definitivo, as obras do novo campus da Universidade de São José?
P.P.S. – A nossa expectativa é que uma parte substancial fique concluída em Dezembro. É possível que os quatro andares superiores da parte residencial ainda estejam por concluir nesta altura, por atrasos relacionados com a mudança e redefinição de planos.
CL – Já há alguma data prevista para a inauguração?
P.P.S. – O nosso desejo é que a inauguração aconteça no ano lectivo de 2016/2017, aproveitando ainda as comemorações dos vinte anos da instituição, que começou como Instituto Inter-Universitário de Macau, e também com os 440 anos da Diocese de Macau. São duas efemérides que seria bom celebrar juntamente com esta inauguração que tem a ver com a rede do ensino católico em Macau.
CL – O orçamento para a construção do campus está a ser cumprido ou houve alguma derrapagem?
P.P.S. – Pelo que sei, temos cumprido. Nestas coisas, até chegar a última conta, nunca se sabe. Temos sido muito rigorosos e apoiados por gente muito competente. Trabalhamos com uma empresa especializada de Hong Kong que faz a avaliação de cada uma das contas, que são escrutinadas por quem vai ao campus e verifica, por exemplo, se o que foi apresentado corresponde ou não ao que de facto está a ser utilizado. Para a construtora é sempre uma dor de cabeça porque há uma espécie de avaliação constante, mas para os donos da obra é uma segurança. Mediante os pagamentos que temos feito até ao momento, estão dentro do que foi estabelecido.
CL – O que fazer às instalações do NAPE?
P.P.S. – Pretendemos contar com o edifício denominado “NAPE 1-A” para a realização de mestrados em horário pós-laboral. O Governo pediu-nos se podíamos libertar o “NAPE 1-B” para estabelecer uma creche. Ponderámos o assunto e apresentámo-lo à Universidade Católica [de Portugal, uma das fundadoras da USJ, juntamente com a Diocese de Macau]. Vimos que era uma necessidade da comunidade local e do Governo. Vamos tentar montar uma creche-modelo com pedagogia própria para as primeiras idades. Será algo benéfico.
CL – Como será gerida?
P.P.S. – Será uma creche sob a égide da Universidade de São José, com uma administração própria e pessoal competente à sua frente. Obviamente não serão os nossos professores…
PEDRO DANIEL OLIVEIRA