«Há sede de poder e de autoridade».
Um candidato ideal para o padre Luís Sequeira é aquele que pensa genuinamente nas pessoas, em vez de querer alcançar posição social, mesmo tocando nos problemas mais graves que afectam a sociedade. A’O CLARIM, o jesuíta critica as plataformas ligadas aos casinos e a falta de seriedade da classe política e dos governantes.
O CLARIM – Estamos a poucos dias das eleições legislativas. Sendo a Igreja Católica uma instituição influente na sociedade civil, continua a fazer sentido que se mantenha distante da política?
PE. LUÍS SEQUEIRA – Penso que todo o cristão tem de ter responsabilidades na sociedade onde está inserido. Para mim, entendo que todo o bom cristão deve participar neste acto político como maneira de ajudar à transformação da sociedade, porque cada lista traz os seus valores e as suas características. Traz o seu projecto e os projectos variam. Há projectos políticos que são definitivamente para a transformação da sociedade, para o bem da sociedade, como inclusivamente haverá projectos sem grandes preocupações nesse sentido.
CL – Pode concretizar?
P.L.S. – Sou bastante crítico, por exemplo, com a problemática da economia. Quando estamos a aprender que a economia está a actuar num sistema bastante corrupto…
CL – Corrupto?
P.L.S. – Corrupto, sim senhor. É dito por cientistas, e não por economistas sérios… Neste desenvolvimento anda tudo à procura do lucro, quando em princípio devia ser o material a ajudar as pessoas.
CL – Passa-se o mesmo em Macau?
P.L.S. – Há uma preocupação forte da economia com uma certa influência de uma ideologia marxista-comunista, em que a economia é o motor. E aqui – diria mesmo – se é mais capitalista também a preocupação é o dinheiro. Sou bastante crítico, não que seja chamado a administrar bem os dinheiros. A questão é o corte com a pessoa e com o bem de Macau. E em Macau não escapamos a que por vezes haja decisões, ou orientações, em que a preocupação é a economia, mas nem sempre a valorização da pessoa, nem a nossa maneira de viver para que seja mais rica em termos do desenvolvimento humano.
CL – Pode exemplificar?
P.L.S. – Sou crítico quanto aos casinos. Os casinos exploram a fragilidade humana. Exploram vícios e pessoas obsessivas que não têm controlo sobre si. Além disso, o que vemos? Comer, beber e vestir. São coisas fundamentais. No entanto, vejo que a gastronomia, e coisas do género, desenvolvem apetites de maneira excessiva; e com a superabundância nos hotéis há um grande desperdício de comida. Depois, há que vestir bem sem olhar a meios. Há uma sucessão obsessiva, assente no consumismo. É digno de uma sociedade?
CL – Tem mais críticas a fazer?
P.L.S. – Há por outro lado a sede de poder e de autoridade. Esses jogos de poder, seja de famílias, seja de pessoas, seja nas responsabilidades que tenham, inclusivamente na [Assembleia] Legislativa, assenta mais uma vez no dinheiro e no poder. Os debates em geral [realizados na Assembleia Legislativa] são muito pobres em termos de reflexão sobre as problemáticas de Macau.
CL – Tendo em conta os preceitos da Doutrina Social da Igreja, sem nomear candidatos, há listas que defendem esses valores?
P.L.S. – Haverá uma ou outra, sim. Mas também vejo muito um certo populismo. Há vários [candidatos] que falam sobre questões sociais, inclusivamente aqueles que estão muito ligados aos casinos. Para mim é um bocado falacioso, porque dão apoio aos empregados, mas se a estrutura [da indústria do Jogo], como tal, é de exploração humana… Outros falam da educação e da cultura, mas nitidamente é um populismo à procura de votos. São candidatos a querer posição política, em vez de estarem genuinamente preocupados com o desenvolvimento social. É ambíguo, porque as questões que põem têm valor, mas por vezes exageram ou fazem de tal maneira, a atacar o Governo em proveito próprio. Há falta de transparência da classe política. E não é só em Macau…
CL – Para si qual é o perfil do candidato ideal?
P.L.S. – Acima de tudo, uma pessoa honesta, de princípios e de verdade. Há muita mentirita por ali. E eu, na minha experiência, vi algumas. Não tenho muita [experiência], mas às vezes lidando com os políticos… Há muito jogo! [O candidato ideal] deve ter uma genuína preocupação pelas pessoas.
CL – Encontra diferenças significativas entre estas eleições e outras que tiveram lugar num passado recente?
P.L.S. – Não diria que haja muita diferença. Desejaria que as preocupações dos deputados não fossem tão levadas pelos seus próprios negócios. Mais uma vez, a preocupação pela população: ainda há muito empresário, muita gente ligada aos negócios do imobiliário. E veja-se agora o que aconteceu com o tufão [Hato]. Onde está o sistema de árvores? E o sistema dos esgotos e da electricidade? Tudo isso ficou a nu. Não digo que seja fácil…
CL – Que leitura faz da passagem do tufão?
P.L.S. – Por um lado temos a beleza da cidade. Por outro lado temos as infra-estruturas, que são a raiz. O tufão pôs tudo isso a nu. A beleza dos pátios e dos jardins foi toda ao ar. E as raízes, que são as infra-estruturas, ficaram todas à mostra. Isto para dizer que defendo a beleza do ambiente, mas se não temos as estruturas, que são as grandes raízes, não há tufão que resista. Estamos a falar há dezenas de anos de infra-estruturas, e para que se faça algo mais sério, com base e com profundidade.
CL – É ponto assente que a preocupação da classe política e dos governantes é manifestamente outra?
P.L.S. – É aqui que vejo, mais uma vez, a falta de planos de fundo e de programação a médio e a longo prazo. Eu até dizia: agora, com este tufão, se todos fizessem um debate sério sobre a visão da cidade, sobre o território… Fazem-no? Ou são só comichões ou comissões [governamentais]? Mas isso dos debates seria muito válido, pôr gente a sério a pensar sobre o que aconteceu, desde a beleza externa destruída, até à revelação da pobreza das infra-estruturas.
CL – Voltando um pouco atrás, é evidente a corrupção ao mais alto nível?
P.L.S. – Não me atrevo a dizer isso. Agora, falta de seriedade sobre as realidades sociais, particularmente das pessoas com poder, penso que sim.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA