«É importante pensar teologicamente a realidade que se vive nesta região da Ásia»
A Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus criou uma casa de formação em Macau. O projecto foi há dias oficialmente lançado e trouxe até ao território o superior geral dos Dehonianos, padre Carlos Luis Suárez Codorníu, SCJ. O sacerdote espanhol tirou o véu ao projecto, que tem como propósito fundamental preparar religiosos «para que possam servir em melhores condições a Igreja na China». A nova casa de formação conta actualmente com quatro jovens, três oriundos do Vietname e um da Índia, sendo que o padre Carlos acredita que o número poderá aumentar já em 2026. Em entrevista a’O CLARIM falou sobre este e outros assuntos.
O CLARIM – A comunidade dehoniana em Macau é pequena, mas muito dinâmica. O que o trouxe a Macau? Qual é a razão desta sua visita?
PADRE CARLOS LUIS CODORNIÚ – Estou em Macau, acima de tudo, para visitar os meus companheiros. Estive primeiro em Hong Kong, com os sacerdotes dehonianos de Hong Kong, onde a Congregação tem quatro religiosos. Em Macau o grupo também é pequeno: são nove, mas, como dizia e bem, são sacerdotes muito empenhados em diversas actividades. São missionários muito activos, muito comprometidos. É importante que se mantenham ao serviço da Igreja local, como têm vindo a fazer. Mas a grande novidade – e por isso estou em Macau – é que vim acompanhar o início de uma nova casa de formação. Decidimos iniciar em Macau uma pequena comunidade, na qual jovens religiosos se poderão preparar para, mais lá para a frente, poderem servir em melhores condições a Igreja na China. Estes jovens farão em Macau os estudos de Teologia.
CL – Esta casa de formação junta-se a outras que a vossa Congregação já possui no continente asiático. Há também uma na Índia…
P.C.L.C. – Exacto! Temos casas de formação na Índia, nas Filipinas, na Indonésia e no Vietname. Nestes países já estamos presentes há algum tempo. Estamos na Ásia há mais de cem anos. Iniciámos a nossa missão na Indonésia e pouco depois estabelecemo-nos na Índia. De seguida, fixámo-nos nas Filipinas e no Vietname. Agora, mais recentemente, fizemo-lo em Hong Kong e Macau. Temos pela Ásia outros missionários. Estamos actualmente a fazer alguns contactos no Camboja; queremos continuar com esta dinâmica. Queremos continuar a penetrar no mundo asiático, acompanhando comunidades jovens em países onde também faz falta quem se coloque ao serviço do Evangelho e da Igreja, até porque esse é também o nosso papel. No entanto, por agora, o que me interessa é sobretudo acompanhar o início deste projecto de formação. Neste momento, a nossa atenção esta centrada em quatro jovens, três são do Vietname e um da Índia. Esperamos que no próximo ano possam ser incorporados outros; que possamos acompanhá-los desde os primeiros anos da sua formação. Desta forma vão poder contactar com a cultura de Macau, de Hong Kong e da própria China continental, e prepararem-se para estarem predispostos para a Missão.
CL – O projecto de formação já arrancou? É feito em parceria com que entidades?
P.D.L.C. – O projecto já arrancou formalmente. Nesse dia celebrámos a memória do Beato Juan María de la Cruz, que foi martirizado durante a Guerra Civil de Espanha. Colocámo-nos sob a sua protecção, para que o testemunho de um religioso bom, que sacrificou a sua vida até ao extremo, possa inspirar também a missão dos nossos companheiros em Macau. Os jovens que venham a ser incorporados vão estudar na Universidade e no Seminário de São José. De mãos dadas com a Igreja local, vamos fazer parte desse caminho. Entre nós há também alguns docentes, como é o caso do padre Eduardo [Agüero], que ensina na Universidade de São José. Também nos interessa integrar este mundo académico, porque é um momento que propicia a criação de amizades e de contactos. É importante ter formação, conduzir uma reflexão teológica feita em Macau, até porque acreditamos que é muito importante pensar teologicamente a realidade do mundo, a realidade da Igreja que se vive nesta região da Ásia. O objectivo, dizia, é o de procurar chegar aos católicos chineses.
CL – Os religiosos dehonianos aqui formados vão, numa primeira fase, servir a Igreja em Macau?
P.D.L.C. – Exactamente. Numa primeira fase, o objectivo passa por completarem os estudos, passa por garantir que estes jovens façam uma boa formação teológica, que se dediquem ao estudo das matérias sagradas e, depois disso, por lhes oferecer experiência pastoral. Mas, sim, a ideia é que depois se possam familiarizar com a língua e com a cultura, de maneira a que possam entender – e, sobretudo, que possam querer abraçar – esta realidade tão imensa e tão desafiante que é o mundo e a cultura chinesa.
CL – Cumprem-se cem anos sobre a morte do Padre Jean-Léon Dehon. Um século depois, a jornada espiritual por ele delineada mantém-se mais necessária do que nunca? Com que desafios se deparam os Dehonianos?
P.D.L.C. – O maior desafio é, sobretudo, a fidelidade ao carisma que nos deixou o Padre Déhon. Foi um homem de uma inquietude impressionante: muito envolvido com as questões da sua época, com a vida da Igreja e com as questões que afectavam a sociedade. Era alguém muito envolvido no mundo da política e no mundo dos conflitos sociais, no mundo das missões. Ao olharmos hoje para o exemplo do Padre Déhon, é difícil perceber como tinha tempo para tanto, onde ia buscar tanta inspiração. Mas é um pouco o que acontece na vida dos grandes homens e das grandes mulheres da Igreja. No caso do Padre Déhon, tudo nasceu de uma vida interior muito profunda. Esse é o grande desafio: não cair no activismo e, sobretudo, ter a capacidade para manter um tempo de escuta, de oração, de intimidade com o Senhor. É importante zelar pela nossa vida fraterna. O Padre Déhon fundou uma comunidade religiosa para que possamos agir juntos: nutrir as relações humanas entre nós mesmos é muito importante, para que não fiquemos indiferentes ao que se passa no mundo, ao chamamento da Igreja, que nos convida a sair, a chegar aos lugares onde ninguém quer ir e a mantermo-nos com uma voz que nasce, não dos nossos caprichos, mas do nosso entendimento do Evangelho. Afinal, é sempre o Evangelho que nos diz como podemos fazer um pequeno gesto, como podemos usar a nossa voz para tentar animar ou solucionar, na medida do possível, as questões que afectam uma determinada realidade.
Marco Carvalho