PADRE ANDRZEJ BLAZKIEWICZ

PADRE ANDRZEJ BLAZKIEWICZ, MISSIONÁRIO DO CAMINHO NEOCATECUMENTAL

A oração constante a São Roque também nos livrou da pandemia

Nasceu na Polónia, cresceu espiritualmente com João Paulo II, foi durante vinte anos missionário no Brasil, mas foi em Macau que encontrou a resposta mais perfeita à crise de saúde pública resultante do Covid-19. A invocação continuada de São Roque nas igrejas locais, considera o padre Andrzej Blazkiewicz, poupou o território a maiores dissabores. A pandemia deixou Macau quase sem missionários do Caminho Neocatecumenal e as pessoas com mais dúvidas do que certezas, sendo que o sacerdote está convicto que a oração é a chave para a Humanidade colocar as actuais dificuldades para trás das costas.

O CLARIM– O padre Andrzej veio para Macau com o objectivo de prestar apoio espiritual aos missionários leigos do Caminho Neocatecumenal radicados em Macau. Como é que as famílias do Caminho Neocatecumenal estão a viver estes tempos desafiantes no território?

PADRE ANDRZEJ BLAZKIEWICZ – A nossa missão ficou bastante reduzida. Hoje em dia, na verdade, há apenas uma família em missão e uma pessoa leiga. Estes são os que se encontram em Macau em missão. Outros, por exemplo, saíram logo no início e não puderam voltar. Outra família também, por razões de saúde, teve de voltar para o seu país e por enquanto é lá que permanece. Estão a aproveitar este período para descansar. Estamos muito reduzidos, quase reduzidos a um mínimo existencial, mas os que aqui estão têm dado continuidade à sua missão. Esta missão passa principalmente pela vivência com as pessoas, tanto no trabalho, como na escola, nomeadamente através dos seus filhos. É nesta relação quotidiana que esta evangelização se revela: passa por estar com pessoas e por dar um testemunho da sua fé e da sua disponibilidade na realidade do dia-a-dia. É isso que o Senhor espera de nós, como testemunhas.

CL– Essa é, de resto, a mensagem central do Caminho Neocatecumental. A de que a evangelização passa, em grande medida, por actos e gestos do quotidiano…

P.A.B. – É uma evangelização mais de contacto, mais de vivência e não tanto de pregação ou de vocação. A perspectiva de que alguém é chamado para seguir um certo percurso e tem de o colocar em prática não é fundamental para o Caminho Neocatecumenal. O essencial é o exemplo que se adopta na vida, é a presença junto de quem necessita, é o corresponder às necessidades que os outros apresentam no contexto em que as pessoas vivem. Como adultos, essa presença tem de se revelar no trabalho, de forma a encontrar uma maneira de ajudar a superar problemas e dificuldades. É daí que vem esta força, da prática da escuta da palavra, da Eucaristia, da vivência com os irmãos e da partilha desta experiência como Deus age nesta vida. No que diz respeito à pandemia, vivemos – podemos bem dizer – numa realidade que é, aqui em Macau, muito especial, mas que também é pautada pelo contacto e pela comunicação com os nossos, com as pessoas que estão fora, nos países de onde somos oriundos. O que tem sido fora de série em Macau, o que tem sido muito especial e muito marcante em Macau, é uma realidade tão simples que eu não posso senão imaginar como seria se fosse aplicada a outros recursos. Refiro-me a esta oração constante, invocando a intercessão de São Roque. É algo que é feito a cada celebração. No contexto desta realidade da pandemia, viajei em Janeiro do ano passado para participar numa iniciativa da Comunidade a que pertenço. Viajei a 20 de Janeiro e voltei a 20 de Fevereiro e tanto aquando da minha saída, como da minha entrada, havia algumas coisas que me chamaram a atenção, sem saber porquê e sem saber em profundidade o que estava a acontecer. Mas Deus deu-me esta oportunidade para estar aqui, dentro desta realidade e eu apercebi-me como isto é marcante. Sempre que tenho a oportunidade, chamo a atenção para isso: a oração. A experiência do povo daqui, da Igreja em Macau, também é um sinal para os outros, que enfrentam outras situações como estas, de um cenário epidémico. A fé, através desta prática, gera este efeito. Eu posso comparar esta realidade com uma condição parecida, ainda que noutros termos. Quando cheguei a Salvador, a maioria das pessoas que davam corpo ao clero eram pessoas idosas, com idade bastante avançada. E se não eram idosos, eram estrangeiros. Quando lá cheguei, o bispo promoveu uma prática similar: depois de cada Missa, depois da comunhão, a comunidade começou a fazer uma oração, uma invocação bíblica. “Enviai, Senhor, os operários, porque a messe é grande e poucos são os operários”. Esta oração breve, esta invocação do Evangelho, em poucos anos mudou aquilo que era a realidade vocacional. Hoje em dia, a diocese de Salvador tem muitos padres novos e locais. Isto tudo é para mim evidente. Consegue imaginar se mais acções deste tipo forem promovidas? Acções que valorizam, que dão uma maior importância à fé.

CL– Acha então que a oração…

P.A.B. – A oração é um recurso extraordinário, potente. É a palavra, em toda a sua simplicidade, direccionada para Deus. Imagine a Eucaristia, a penitência ou outras práticas que nós temos quando são bem canalizadas…

CL– O padre Andrzej nasceu num país com forte tradição católica. A oração não é só um diálogo com Deus, é um diálogo com nós próprios também…

P.A.B. – É sobretudo a capacidade de escutar o que o senhor fala, porque quando falamos com Ele, Ele responde.

CL– Ainda assim, reza-se pouco hoje? Considera que as pessoas deixaram de saber rezar? Ou, pior ainda, deixaram de acreditar no poder da oração?

P.A.B. – Eu não considero que as pessoas rezam pouco. As pessoas que se definem como católicos rezam, não é? Aquilo que talvez seja necessário é dar mais crédito a esta palavra. Não se trata apenas do número de orações ou do tempo de oração. O que importa verdadeiramente é acreditar que o Senhor nos escuta. E não só nos escuta, mas também responde. É isto que faz a diferença. É acreditar que ocorre comunicação com Deus, que é pai, e que Deus, feito Jesus Cristo nos falou sobre isto: que nos escuta e nos tem como filhos.

CL– O padre Andrzej trabalha directamente com a comunidade de língua portuguesa. Para além dessa capacidade, por parte da Igreja Católica em Macau, de ter sido capaz de incluir essa invocação a São Roque em todas as cerimónias, sente que as pessoas…

P.A.B. –…não se trata apenas da oração. Mais do que a oração é a convicção, a experiência. Neste caso de São Roque, refere-se à realidade de enfrentar a pandemia. Mas em outras circunstâncias as pessoas contam com a protecção da Nossa Senhora de Fátima. Tudo isto constitui uma experiência de fé em diversas dimensões. E é uma experiência que se revela na fé das pessoas, mas também na fé da comunidade. E esta fé da comunidade dos fiéis também é um sinal.

CL– Sente que essa experiência da fé saiu reforçada ou não? Ou estes sinais não são fáceis de perceber?

P.A.B. – Hoje em dia é um pouco complicado. Infelizmente, iludimo-nos com a ideia de que um certo desenvolvimento e uma certa tecnologia podem resolver todos os nossos problemas. Por exemplo, interiorizámos a ideia de que se não podemos ir à Missa, a televisão ou a transmissão via Internet bastam. Há uma série de outros aspectos em que a tecnologia fomenta a ideia de que nos vai preservar do perigo. À margem de toda esta realidade, eu gostaria de partilhar alguns pensamentos. Por exemplo, a questão da máscara. Eu, pessoalmente, não posso aceitar que tenhamos que aceitar a ideia de que, daqui para a frente, a nossa realidade seja vivida com máscara. Não deve ser assim. O nariz e a boca servem para ventilar, para oxigenar o nosso organismo. A máscara é um meio temporário e algo artificial que não faz parte de nós, que nos impede de sermos naturais. Que tipo de influências podem advir do uso da máscara? Que efeitos poderá ter, a curto ou a longo prazo, este uso continuado da máscara? Nós não sabemos. E isto é preocupante. As pessoas, no contexto de toda esta realidade, com o avançar do tempo – e já vamos no segundo ano de pandemia – deixaram de ter certezas. Têm mais dúvidas do que certezas, no contexto de toda esta ameaça. É muito preocupante, dado que no contexto desta realidade global há muita pouca clareza sobre uma solução e as certezas sobre a vacina não são muito maiores. Isto tudo faz com que seja difícil para as pessoas analisar e compreender o que está a acontecer. Se isso não bastasse, ainda surgem todas estas narrativas: precisamos de nos acostumar à máscara, precisamos de nos acostumar à vacina. Agora há a vacina e nós vamos ter de ser vacinados frequentemente para poder derrotar a doença. Não sei se esta direcção é completamente sólida. Há dúvidas constantes, tanto no contacto com pessoas de fora, como no meu próprio pensamento.

CL– Falava na máscara. Apesar de Macau não registar há mais de um ano qualquer infecção local, o uso da máscara continua amplamente difundido…

P.A.B. – Quando celebramos a Eucaristia ou qualquer outra cerimónia religiosa, usamos máscara. A máscara está presente na confissão, está presente em tudo o que esteja relacionado com o nosso trabalho, como definem as regras. Quando trabalhamos, usamos máscara.

CL– A máscara pode dificultar a transmissão da Palavra de Deus?

P.A.B. – Dificulta. É claro que dificulta. Acontece muitas vezes que as pessoas se servem da leitura dos lábios para compreender a mensagem. Aquilo que não conseguem captar, complementam com a leitura dos lábios. E a máscara impede que isso aconteça. Se a sonorização é boa ou mais sensível, é uma nova preocupação que nos advém do uso da máscara e das dificuldades que a máscara nos coloca. A impressão do rosto, a mímica, também importam. Não é só a voz. A maneira como o rosto transmite as expressões e as emoções também é importante.

CL– Que balanço faz destes quatro anos em Macau? Do ponto de vista da vivência da fé, do ponto de vista espiritual, Macau surpreendeu-o? Ou estava à espera de encontrar exactamente estas circunstâncias?

P.A.B. – Foi uma surpresa logo quando cheguei, não sei se por causa de alguma ignorância da minha parte ou de ter pouco interesse por esta realidade, mas surpreendeu-me saber que na Ásia há comunidades que falam Português. Agora, depois de cá estar e de ter tido, ao longo destes últimos anos, a oportunidade de conhecer muito mais, sinto uma surpresa muito maior, porque a diocese de Macau é a mãe de tantas dioceses aqui nesta região da Ásia. A história de Macau é muito marcante e eu agradeço a Deus por poder mergulhar num lugar tão especial. É uma bênção, uma graça que o Senhor me tenha trazido para esta parte do mundo, para esta região, sobretudo através da experiência do povo que fala Português, língua que aprendi a falar no Brasil e que fez com que esta experiência se revestisse de uma maior proximidade. Isto aconteceu também graças ao contacto que tive com os brasileiros, graças às tradições com que contactei no Rio de Janeiro ou depois em São Salvador da Baía. O Brasil é um país extraordinário, mas as realidades são diferentes.

CL– É muito difícil falar com um sacerdote polaco sem falar sobre o legado de Karol Wojtyla, sem falar sobre aquilo que é a Polónia hoje – em grande medida, também o é por causa do Papa João Paulo II. Mais de quinze anos após a sua morte, como é que olha para a morte deste Santo Papa? Na sua Polónia natal, a memória de João Paulo II continua viva? O legado que ele deixou continua a ser um exemplo e uma referência?

P.A.B. – Não é só no meu país, não é? Em qualquer lugar, João Paulo II suscita memórias muito fortes, porque João Paulo II estava presente e visitou muitos lugares. Com a sua presença, deixou alegria e motivação para que as pessoas procurassem seguir o caminho da fé. Agora, é claro que os tempos mudam. E nós já tivemos dois outros Papas: depois de Bento XVI, o Papa Francisco. Cada um deles tem um percurso diferente e Deus, através deles, desperta e acciona novas partes da condição humana. Há potencial e tudo o que João Paulo II deixou – e eu também vivi a minha juventude neste período, primeiro com ele como bispo e depois enquanto Papa – levou-me a perceber que o trabalho dele e toda a história da vida dele, desde 1920 até à morte, servem de exemplo para a Polónia e para o mundo. Gostava de apontar três obras que deixou: “Amor e Responsabilidade”, “Pessoa e Acção” e “Homem e Mulher os Criou”. É como um tríptico. Através destes títulos, destas três obras, é possível ver que se nós não vivermos no amor e não percebermos que este amor nos eleva a uma vida responsável, que nos forma como uma pessoa, que promove uma acção que louva a Deus e nos leva ao entendimento de que somos filhos de Deus, então não vivemos de todo. O resumo desta terceira obra é exactamente o que está no título: Deus criou-nos como homem e mulher, à sua imagem e semelhança. E Deus torna-se visível e presente na forma como nós concretizamos a nossa vocação. E isto é extraordinário.

Marco Carvalho

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