Jorge Morbey, Historiador

Revisão das fronteiras é a solução para Macau.

A propósito do 16º aniversário da transferência de poderes, o historiador Jorge Morbey sustenta que o mérito sobre o êxito de Macau se deve mais à China do que a Portugal. Em relação ao futuro, prevê que a única solução para a economia do território não passa pela construção de mais aterros, mas sim pela revisão das suas fronteiras. Nesse âmbito, considera «exorbitante» o valor pago pelo arrendamento do terreno da Universidade de Macau.

O CLARIMHá 25 anos publicou o livro “Macau 1999 – O Desafio da Transição”. De que trata essa obra?

JORGE MORBEY – É um estudo sobre Macau. A partir de uma pesquisa de dados muito importantes sobre a História do território propus um sistema político de base completamente democrática. No fundo, era recuperar a tradição de Macau, como um município livre governado pelos próprios residentes, os chamados homens-bons.

CLComo assim?

J.M. – Pegando naquela ideia de Churchill que “a democracia é a pior de todas as formas de Governo, exceptuando as demais”, preconizei isto mesmo para Macau. A ideia era que a Administração Portuguesa, a quem a China deu bastante tempo para preparar o futuro de Macau, fizesse o trabalho de estruturar politicamente o território, e não só, para quando chegasse a transferência de soberania fosse como que o desatrelar de uma carruagem locomotiva, chamada Portugal, para atrelá-la a uma outra, chamada China.

CLQue Macau encontra após dezasseis anos da transferência de poderes?

J.M. – A transferência realizou-se com grande elevação. Penso que a China assumiu Macau de forma muito responsável. A contribuição das autoridades portuguesas, que negociaram a Declaração Conjunta e mantiveram o exercício da soberania portuguesa até 1999, podia ter sido melhor. Julgo que o mérito sobre o êxito de Macau se deve, na sua maioria, mais à parte chinesa do que a qualquer outra parte. Macau é hoje um “brinquinho” em vários aspectos.

CLComo por exemplo?

J.M. – Se bem que a proliferação de hotéis-casinos tenha desfigurado um pouco a paisagem urbana, apesar de tudo, aquilo que a UNESCO classificou como Centro Histórico de Macau está bem preservado. E mesmo as zonas fora do Centro Histórico estão com uma limpeza, estima e cuidado de manutenção como nunca sucedeu no tempo da Administração Portuguesa.

CLQual o futuro de Macau?

J.M. – Não sou futurologista, mas julgo que o problema sobre o futuro de Macau está intimamente ligado à sua economia. Uma economia que tem o Jogo como principal motor – senão o único – é como um avião quando voa. Se o avião tiver quatro motores e um deles avariar continua mesmo assim a voar. Se tiver dois motores ainda se consegue aguentar no ar. Agora, se tiver apenas um motor e ficar avariado o avião despenha-se. É este o perigo que corre a economia de Macau se continuar a ter apenas um motor, chamado Jogo. É preciso diversificar, mas há esta impossibilidade que decorre da pequenez territorial de Macau.

CLVê alguma solução?

J.M. – Para expandir Macau e para acolher cada vez mais chineses, basicamente das províncias de Cantão e de Fujian, no tempo da Administração Portuguesa era natural construírem-se aterros. Fazia sentido que assim fosse, mas a solução não faz agora qualquer sentido porque os aterros são maus ecologicamente, além de dispendiosos. O que vai resolver todos os problemas de Macau é a revisão das suas fronteiras…

CLTal como aconteceu com a ilha da Montanha?

J.M. – Não. Sendo [a China] um país, embora com dois sistemas, não me parece que o primeiro sistema tenha que explorar o segundo sistema. Na ilha da Montanha, que em tempos longínquos da Administração Portuguesa chegou a depender do Governo de Macau, não é próprio de um país, com áreas ou ilhas despovoadas nas redondezas, que enverede pelo arrendamento do terreno onde Macau construiu a sua universidade por valores perfeitamente exorbitantes.

CLComo se deve rever as fronteiras?

J.M. – Na base de um entendimento político. No meu ponto de vista, o Poder Central é quem tem a solução nas mãos, juntamente com o Governo da Província de Cantão e o Município de Zhuhai.

CLHaverá mesmo solução?

J.M. – É preciso grande coragem. Não vejo o Governo da RAEM com essa coragem, e provavelmente o Governo Central ainda não se lembrou desta solução. A viabilização de Macau não passa pela construção de mais aterros, um método tradicional para o qual a Administração Portuguesa foi empurrada, porque não havia alternativas. Agora, como o País é o mesmo, embora o sistema económico seja diferente, não há razão para que as fronteiras possam tolher o desenvolvimento de Macau.

CLO Direito também é diferente…

J.M. – É óbvio que o sistema legal chinês é muito diferente do que vigora em Hong Kong. Em Macau também há grandes diferenças. Contudo, já existe uma harmonização na ilha da Montanha e há sempre acordos transfronteiriços, seja com a China continental, seja com Hong Kong. Não estamos a flutuar em matéria de sistema legal, porque sabemos com o que contamos.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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