No Vaticano, em Agosto
Em meados de Agosto, quando a Europa suava em bica, no “Verão mais quente da História”, o Presidente francês François Hollande tomou a iniciativa – inusitada! – de pedir um encontro com o Papa Francisco e rumar ao Vaticano, em vez de se refugiar, em curtas mas merecidas férias, em alguma praia discreta, na orla do Mediterrâneo.
Merecidas férias porque, como se sabe, quer o Presidente quer o Governo de Paris, não têm tido descanso, nos últimos meses, com a França escolhida como um dos alvos europeus do ISIS, e a população do Hexágono cada vez mais crítica, quanto à incapacidade dos políticos de lhe garantir segurança completa. Que aliás nunca existiu – nem existe.
Ainda para mais, tudo isto no contexto de uma quase pré-campanha presidencial, com Hollande o mais penalizado nas sondagens e o PSF na expectativa, por isso, de uma derrota anunciada.
E entretanto Sarkozy está de regresso… anunciando o que já se sabia, a sua recandidatura às presidenciais do próximo ano. Mas, diz-se logo a seguir, primeiro terá de vencer as primárias à direita.
Sarkozy, recorde-se, foi ministro do Interior de Jacques Chirac, antes de ser eleito ele próprio Presidente, e conhece por isso bem a questão muitas vezes delicada do relacionamento com certos sectores da comunidade muçulmana de França.
Um ciclo político quase está pois prestes a encerrar-se na vida política francesa. E Nicolas Sarkozy está de regresso, de novo motivado para afrontar os desafios do seu país nos tempos mais próximos.
O que tal significa em termos de futuro da França e da Europa, esse é ainda capítulo da História por fazer.
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Inquietaram-se as boas almas do establishment gaulês, socialista e laico: será que Hollande decidiu melhorar as relações com a Igreja Católica?
Será que, ao aproximar-se do Papa, não está o chefe de Estado a trair os ideais do ateísmo militante, em que Hollande se reconhece, ateísmo que se insinua nas instituições oficiais francesas para conduzir a batalha de descreditação da Igreja, das igrejas?
Pois é, mas até isto tem os seus limites, nos tempos que correm… E há que privilegiar o combate ao adversário mais imediato – o fanatismo violento – que pode por em causa, esse sim, os fundamentos mesmos da ordem estabelecida, a da democracia representativa.
Mas o que terá ido afinal murmurar o laico François aos ouvidos atentos e acolhedores do seu quase homónimo Francisco, o argentino, há três anos tão só… o líder espiritual da maior comunidade de crentes do mundo?
Pois foi segredar… um agradecimento! Pela persistente, inalterável mensagem de paz e de reconciliação, para com os muçulmanos, da hierarquia católica, com o Papa à frente, e dos católicos franceses em geral – apesar do assassinato bárbaro do padre Hamel de Rouen e das provocações dos radicais islâmicos, na sua gorada estratégia de fomentar uma guerra de religiões.
Mas ao ir com tal propósito à sede da Igreja de Roma, François Hollande fez mais: foi reconhecer o papel fundamental da Igreja Católica, como parceira social necessária e interlocutora imprescindível para o consenso nacional francês, numa França que se tem descristianizado, para gáudio dos mais militante do secularismo – mas que, por isso mesmo, se acha mais vulnerável, perante a ferocidade da mensagem radical.
É que, por menos que os proponentes da pseudo-neutralidade secular e laica acreditem, a batalha que se trava contra o fanatismo não se esgota no esgrimir argumentos políticos, no recinto da Assembleia ou na televisão, e em muito ultrapassa a mera mensagem política (ou dos políticos).
Tal batalha, ou melhor, tal debate, reclama todo o espaço público, onde uma visão intolerante do mundo parece estar a impor-se à fraternidade mais básica e ao mais imperativo respeito do outro.
Que não são “valores só republicanos”,como gosta de acentuar o discurso francês politicamente correcto, mas universais.
Não se trata de uma guerra de religiões, como sublinhou o Papa, mas trata-se seguramente de uma profunda diferença de visões de vida e do mundo, a que o Cristianismo aporta valores incontornáveis de respeito pela pessoa humana.
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Que papel pois o da Igreja, o das igrejas, nesta encruzilhada da História de França e da Europa? O papel passivo de protagonistas históricos de antigas lutas Igreja-Estado que já não fazem sentido? Ou o papel activo de proponentes e motivadoras da visão de uma sociedade plural, reconciliada com as suas diferenças e onde cada um tem o seu lugar?
Para tal desiderato, enquanto em certas mesquitas, autorizadas ou toleradas pelo Governo (o que é rigorosamente a mesma coisa), se foi instilando em todos estes anos o ódio ao “infiel” (que era por acaso o vizinho de andar ou da mercearia ou café mais próximos – isto é, toda a sociedade), nas igrejas e templos cristãos, e em geral nos lugares de culto de outras religiões e certamente na maioria das mesquitas, foi veiculada a mensagem da paz, tolerância e solidariedade para com todos os outros.
O apelo a um Islão moderado torna-se assim imprescindível e urgente. E as vozes, do Papa e de muitos outros líderes políticos e religiosos, surgem nesse sentido, vindas de muitos lados.
Como foi o caso das palavras dirigidas à diáspora dos seus concidadãos – que constituem a maioria dos magrebinos em França, pelo Rei de Marrocos, Mohamed VI, apelo que é também um convite à integração autêntica dos franco-marroquinos na sociedade francesa que os acolhe, onde o reconhecimento do direito à diferença é fundamental.
Sociedade que os acolhe e que tem que os aceitar também, sem reservas.
Neste contexto e embora noutra geografia completamente diferente, não parece deslocado invocar aqui a nova missão do ex-Secretário Geral da ONU Kofi Annan, convidado por Aung San Suu Kyi, a líder de facto da antiga Birmânia, a mediar o conflito entre o Governo e a minoria Rohingya (muçulmana) de Myanmar.
Porque a melhor resposta ao terrorismo é a integração dos que começam por ser vítimas da sua intoxicação – para se converterem novos justiceiros, por uma utopia aceite – sem reserva e sem crítica.
Carlos Frota
Universidade de São José