Como planeado, deixámos Bonaire à noite, cerca das quatro da manhã, para rumar a Curaçao. Chegámos ao ancoradouro de Spanish Waters, na ilha de Curaçao, pelas onze da manhã do mesmo dia. Foram sete horas de vela com muito vento, visto que toda esta área é fustigada, dia sim, dia sim, pelos ventos alísios. A aproximação a Curaçao, assim como a Bonaire, é sempre recomendável que seja feita com boa visibilidade, pois a ilha e as zonas mais baixas só são visíveis a pouco mais de quatro ou cinco milhas. A costa é tão confusa e o mar tão alteroso que passámos a entrada para a lagoa sem nos termos apercebido.
A solução foi dar meia-volta e corrigir a rota, encontrando um bom ângulo para entrar na estreita passagem que dá acesso ao canal de navegação que conduz ao interior da lagoa. Desde a entrada até ao local onde ancorámos foi um serpentear de pequenos canais de navegação, sempre com vento forte, ora de proa ora de bordo, que dificultou as manobras. Para complicar ainda mais, o GPS, a certa altura, deixou de funcionar em pleno.
Ancorámos assim que vimos ser possível, mas passados dois dias, na intenção de encontrar um sítio com menos ondulação e mais protegido, levantámos âncora e mudámos de vizinhança. No segundo local, passado um dia, começamos a arrastar âncora, pelo que tivemos voltar a ancorar praticamente no mesmo ponto.
No dia seguinte à chegada tivemos de ir à capital de Curaçao (Willemstad), para tratar dos procedimentos de entrada na imigração e na alfândega. Ao contrário do que estávamos habituados, em Curaçao estes serviços estão em áreas diferentes da cidade. A imigração está dentro do complexo da refinaria de petróleo, em Otrobanda, e a alfândega está na parte velha da cidade (Punda). Por sorte, tivemos a ajuda de um amigo que nos levou no seu carro. Se tivéssemos de fazer tudo sozinhos teríamos, certamente, que alugar um carro ou ir de táxi, o que demoraria um dia inteiro. O procedimento não é nada prático, levando muitos velejadores privados a se afastarem de Curaçao.
Paul, um natural da ilha que nos foi apresentado por um amigo português que aqui vive há várias dezenas de anos, tem um veleiro e perante tanta burocracia decidiu registá-lo em Bonaire, vendo-se obrigado a ir à ilha vizinha duas vezes por ano para evitar que tenha de o importar para Curaçao. Era proprietário de uma pequena marina em Spanish Waters, que ardeu recentemente não tendo as autoridades renovado a licença. Segundo Paul, o facto de não facilitarem a vida aos velejadores, nomeadamente com os procedimentos de entrada, está a tirar receitas à ilha. Conhece bem a economia ligada à vela nas Caraíbas e não entende como é que Curaçao, ao contrário de todas as outras ilhas do Caribe, está a regredir na simplificação dos procedimentos, em vez de os simplificar como têm feito as outras ilhas.
Nas possessões francesas é tudo feito por nós, num terminal de computador, em locais escolhidos pelas autoridades. Em Dominica o procedimento é realizado no terminal de ferries da capital e demora menos de cinco minutos. Em Santa Lúcia registámos a entrada na marina, onde as autoridades têm um escritório que processa os documentos em menos de dez minutos. É triste ver que Curaçao – bem conhecido dos velejadores – esteja a andar para trás. Em Bonaire, que também faz parte das Antilhas Holandesas, o processo demorou apenas dez minutos.
Na ida à capital tivemos a oportunidade de passear um pouco no centro histórico, que é Património Cultural da UNESCO. Ao contrário de Macau, foi aproveitado na totalidade para desenvolver actividades económicas. Um dos fortes foi transformado em centro comercial e alberga um hotel de cinco estrelas e um dos terminais de navios de cruzeiro. Outro dos fortes foi transformado em casino e todo o centro da cidade (ruas e ruelas) está apinhado de lojas de retalho de produtos de luxo, livres de imposto. Há também muitos cafés, jardins e outros locais que podem ser visitados. Há restaurantes de quase todo o mundo, incluindo de Hong Kong (o Kowloon Restaurant, numa das vielas) e do Porto (propriedade de portugueses) num dos edifícios classificados pela UNESCO.
É interessante ver como algum património pode ser utilizado em benefício da economia local, sem ferir os requisitos que a UNESCO estabelece. Em Macau, pelo que sei, todo o património cultural continua, teimosamente, a ser apenas visitado e não utilizado para determinados fins. Percebe-se a opção da RAEM, visto haver dinheiro suficiente. Mas se no futuro deixar de haver tanto dinheiro? Não será prudente arranjar soluções que permitam diversificar a economia e tornar o património auto-suficiente no que respeita à sua conservação?
Entretanto, fomos às compras para reabastecer o frigorífico, tendo o nosso amigo Paul feito o favor de nos levar a um grande supermercado holandês. Ficou prometido que nos irá levar ao maior supermercado da ilha, propriedade de portugueses, que fica localizado no maior centro comercial de Curaçao. Para o regresso reservou-nos uma surpresa, tendo parado, já quase perto da sua casa, numa vivenda com um contentor à beira da estrada para venda de legumes e fruta. Para nossa alegria apresentou-nos a família proprietária, uma filha de madeirenses, nascida em Curaçao, e um senhor imigrante da Madeira. A conversa foi regada com sangria e uma sandes de bacalhau guisado, à sombra das árvores da casa do casal.
Antes de regressarmos para o veleiro prometemos que no próximo fim-de-semana iremos – a pé – visitá-los e ver o contentor que só abrem ao sábado e ao Domingo.
Afinal, não foram precisos muitos dias para começarmos a conhecer a comunidade portuguesa de Curaçao.
JOÃO SANTOS GOMES