À conversa com ex-residentes de Macau

Água do Lilau.

Dando jus ao velho ditado macaense “quem bebe a água da fonte de Lilau não mais deixará Macau”, O CLARIM ouviu três antigos residentes do território que nos deram conta dos seus projectos actuais e da relação que mantêm com a RAEM.

O artista plástico Jorge Fialho viveu em Macau muito tempo e, «apesar de travessias no deserto», guarda muitas boas memórias, considerando produtiva a sua actividade em terras asiáticas. «A pintura absorveu muita da minha vivência em Macau e na China», diz.

Fialho conseguiu, «com o grande apoio do padre Luís Sequeira, da Companhia de Jesus», concluir uma exposição na qual retratou em telas o seu percurso em Macau. Muito se orgulha de alguns trabalhos realizados e o ter estado associado às primeiras fases de produção das esculturas do mestre Lagoa Henriques e da arquitecta Cristina Leiria.

Deixou aqui amigos, «sem dúvida aquilo de que mais sinto falta». Dos amigos e da facilidade do acesso às coisas, «esse intimismo que caracteriza o correr dos dias em Macau». Fialho encontra explicação para o fenómeno na exiguidade do espaço do território e o facto de estarmos «longe da Mãe-Pátria» e dos entes queridos. «Tudo isso ajuda a criar laços de amizade», sintetiza. Apesar de não ter voltado a visitar Macau, Jorge Fialho tem consciência das profundas mudanças operadas. Seria rever «os sítios e as pessoas que mais me marcaram», pois deixaram saudades. Porém, «viagem e estadia a essas paragens» estão, de momento, fora das suas possibilidades. «A voltar um dia gostaria de o fazer para apresentar alguns dos meus trabalhos, pois, afinal foi aí que iniciei a minha carreira profissional», conclui o artista plástico.

O jurista Nuno Lima Bastos nasceu no Funchal em 1968, tendo vivido em Macau entre 1995 e 2010, exercendo diversas actividades, «nomeadamente nos Correios e Telecomunicações de Macau». Tem mantido contacto com a cidade, ainda que de modo intermitente, podendo-se, neste caso, afirmar que custa a «digerir» a água do Lilau. Diversas razões levam-no a manter esta ligação. Nas palavras do próprio: «fui residente do território durante quinze anos, trabalhei em projectos profissionais importantes durante esse período, estive envolvido na vida associativa local de matriz portuguesa, estive ligado a diversos projectos na área da Comunicação Social e sou titular de bilhete de identidade de residente permanente. Logo, entendo que não me devo alhear completamente da vida e da evolução do território». Além disso, muitos dos seus amigos, incluindo alguns dos mais chegados, continuam a viver em Macau, pelo que o contacto que faz questão de manter com eles acaba por passar, inevitavelmente, por falar do que vai acontecendo na RAEM.

Finalmente, mas não menos importante, há a questão emotiva. Confessa ter um carinho muito especial por Macau, que considera a sua terra adoptiva, ou não tivesse aí passado uma fase tão importante da sua vida. Chegou com 26 anos e saiu com 41. Foram, pois, quinze anos nucleares no seu crescimento como homem e cidadão, quinze anos vividos muito intensamente a todos os níveis. Como cortar a ligação umbilical? «Julgo que é impossível», atira.

Para o editor discográfico José Moças, outro antigo residente de Macau, os últimos tempos têm sido frutíferos em iniciativas, «apesar da crise». Esteve envolvido num projecto com Júlio Pereira e, mais recentemente, com a Brigada Victor Jara, dois dos expoentes máximos da música tradicional portuguesa. Em Abril publicou a discografia “Ó Brigada” (a discografia completa dos Brigada Victor Jara), uma caixa com dez CD’s e um livro com vários testemunhos de personalidades bem conhecidas como Carlos do Carmo, Manuel Freire, Vitorino, Júlio Isidro, Janita Salomé, Sérgio Godinho, Júlio Pereira, entre outros. O livro vai ter ainda um CD com músicas inéditas dos Brigada Victor Jara.

O ano passado editou um CD/livro intitulado “Cavaquinho.pt”, que teve um enorme sucesso, «porque trouxe de volta o grande instrumentista Júlio Pereira ao convívio com o instrumento que o tornou célebre como músico e intérprete». A edição do “Cavaquinho.pt” gerou uma série de sinergias, levadas a cabo pela Associação Cultural e Museu Cavaquinho, culminando na exposição “70 cavaquinhos, 70 artistas”, inaugurada no Mosteiro dos Jerónimos em Novembro de 2014. «Foi um sucesso estrondoso com mais de 50 mil visitantes em pouco mais de um mês e meio». O livro da exposição é uma peça de arte lindíssima, pois reúne fotografias dos 70 cavaquinhos em exposição. Depois do Mosteiro dos Jerónimos esteve em Braga, no Theatro Circo, e continuou a circular por várias cidades do continente e ilhas. «Seria uma enorme satisfação levar esta mostra a Macau, certamente que a população local iria adorar, até porque a comunidade chinesa tem uma ligação umbilical aos instrumentos de corda», diz Moças. Além disso, os custos são pequenos. Claro que a culminar esta iniciativa «faria todo o sentido agendar um concerto de Júlio Pereira e o seu quarteto actual», que tanto êxito alcançou na sua última apresentação no Centro Cultural de Belém.

«Quem sabe voltarei a Macau para o Festival de Artes? Confesso que iria adorar. Aguardo o convite», conclui, optimista, o editor, que assim teria oportunidade de rever os inúmeros amigos que por cá deixou.

Joaquim Magalhães de Castro

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