Revolução… pela positiva

Xi Jinping parece estar a conseguir hoje o que Deng Xiaoping não conseguiu nos anos 80 do século passado: retirar peso institucional à Associação Patriótica dos Católicos Chineses.

De facto, a abertura económica e social levada a cabo por Deng Xiaoping também poderia ter sido religiosa, não tivesse esta sido travada pela Associação Patriótica que, sendo mais papista que o Papa, até o Sumo Pontífice deixou de reconhecer, rompendo o laço de comunhão entre a Igreja Católica na China e a Santa Sé. Consequentemente, foram-se agravando as relações entre a República Popular da China e o Vaticano.

Para a aparente perda de influência da Associação Patriótica estarão a contribuir dois factores: a aproximação do Papa Francisco ao Presidente chinês – foram eleitos com um dia de diferença, passando a trocar correspondência desde então – e o combate à corrupção na RPC.

Se o primeiro factor é fácil de deslindar, uma vez que se trata de um ganho de confiança mútua, o segundo factor pode não ser tão entendível para os menos familiarizados com a história recente da Igreja Católica na China, mas é simples de explicar.

Aquando da Revolução Cultural todo o espólio da Igreja Católica foi nacionalizado e entregue a quem viria pouco tempo depois a fundar a Associação Patriótica, sob a alçada do Governo Central mas sempre com elevada autonomia. Resultado: surgiu um novo núcleo de influência e poder na “Cidade Proibida” que foi progressivamente ditando as regras a seu bel-prazer, sem uma voz de comando externa nem qualquer tipo de contestação a nível interno.

Com tanta autonomia, poder e dinheiro, e nenhum controlo, rapidamente a burguesia religiosa foi corrompendo e deixando-se corromper, por forma a manter-se no pedestal. Daí a incapacidade de Pequim em cumprir os acordos que aqui e ali foi “assinando” com o Vaticano. E a verdade é que sempre que um canal de diálogo entre as duas partes se abre, logo surgem novas barreiras a dificultar a troca de ideias com vista à resolução dos problemas.

No combate à corrupção travado por Xi Jinping não há filhos e enteados, pelo que a Associação Patriótica não está imune à acção do poder judicial….

Um claro exemplo de que também na esfera religiosa algo está a mudar na RPC são as declarações do bispo de Fenyang ao site Vatican Insider (ver página 2), que nas entrelinhas desvaloriza a importância da Associação Patriótica, criticando mesmo aqueles que vivem afastados do Papa.

Prelado reconhecido pela Sé Santa e pelo Colégio dos Bispos da China, D. Johannes Huo Cheng fala sem medo da acção pastoral desenvolvida pelos padres e leigos da sua diocese, cuja acção evangelizadora começa a dar os primeiros frutos junto de comunidades onde até há bem pouco tempo a Religião Católica era totalmente desconhecida.

A manter-se este quadro é de prever que mais sacerdotes se libertem das amarras da Associação Patriótica e vivam em comunhão com o Papa… com o consentimento do Governo Central.

A terminar, duas notas finais sobre o que está para acontecer em Hong Kong e sobre o apoio que a ATFPM tem vindo a dar ao Consulado Geral de Portugal.

A Revolução Guarda-Chuva teve o seu início, atingiu o apogeu e morreu na praia, contestada pela mesma população que inicialmente se colocou ao lado dos jovens rebeldes.

A incógnita está em saber se as ruas voltarão a ser palco de novas contestações, ou se a paz social reinará nos próximos tempos.

O CLARIM está em condições de avançar que, infelizmente, são esperadas novas movimentações estudantis, estando já as autoridades de Hong Kong a preparar-se para o pior.

Perguntei a um amigo bem informado por que razão Pequim não dá um murro na mesa. Respondeu que a estratégia é deixar o barco andar até que o combustível acabe. Uma vez à deriva, a tripulação e os passageiros terão de se agarrar à única bóia de salvação disponível: o Governo Central.

A história é uma e não pode ser alterada nem escamoteada: Hong Kong sempre viveu à sombra da China. Sem ela não sobrevive!

Por mais que os avós e os pais dos estudantes tenham razões de sobra para não gostar da terra que abandonaram um dia em busca de melhores condições de vida, a verdade é que são chineses e foi devido a esse factor que ganharam muitos milhões servindo de intermediários entre o mundo e a China, mais não fosse na simples qualidade de intérpretes. Continuassem eles com os bolsos vazios e com certeza não gritariam de papo cheio.

Quanto à Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, independentemente dos interesses que possam estar por detrás da ajuda que tem vindo a dar ao Consulado Geral de Portugal, tem de ser louvada a iniciativa de recensear o máximo número de portugueses residentes em Macau, para que estes possam exercer o direito cívico de escolher os seus representantes nos órgãos da Nação.

Houvesse uma ATFPM junto de cada comunidade portuguesa no estrangeiro e outro galo cantaria na hora de eleger, por exemplo, os deputados pelos círculos da Europa e fora da Europa. Até, quem sabe, a Assembleia da República não viesse a permitir a eleição de mais deputados pelos referidos círculos. Na realidade, quatro deputados para quase seis milhões de portugueses é muito pouco, quando, em Portugal, cerca de dez milhões elegem 226.

Mais do que criticar o voluntarismo da ATFPM há que criticar o Estado português pela situação em que vivem as missões diplomáticas, onde escasseiam recursos humanos e financeiros. E não há nada mais nobre do que representar bem Portugal. Vítor Sereno tem-no conseguido, sabe Deus como….

José Miguel Encarnação

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