Aceitando o silêncio vivo em nós (João 6, 37–40)
Hoje recordamos os mortos e sem nos apercebermos somos levados a confrontar o silêncio vivo que deixam para trás. O Dia de Finados não é apenas uma nostalgia litúrgica. É um acerto de contas espiritual, um momento em que o véu se torna mais fino e somos convidados a contemplar o mistério da morte não como um fim, mas como um limiar. Não chegamos com respostas, mas com dor. Não chegamos com certeza, mas com saudade. E neste anseio sagrado, ouvimos Jesus dizer: «Não rejeitarei ninguém que vier a mim (…) Eu o ressuscitarei no último dia». Isto não é um conforto sentimental. É uma promessa radical. Mas para recebê-la devemos primeiro passar pelo terreno da perda e do luto, e não o contornar.
O luto expõe as nossas ilusões de controlo, despoja-nos da teologia organizada e obriga-nos a perguntar: Em que realmente acredito sobre a ressurreição? Acredito que o amor divino sobrevive à morte? Posso deixar de lado a necessidade de repôr o que foi subtraído na vida daqueles que nos deixaram? Estas não são perguntas abstractas. São perguntas que surgem nos momentos de silêncio – quando observamos uma fotografia, quando ouvimos uma canção familiar, quando nos lembramos de uma palavra dita tarde de mais ou de um perdão negado. No Evangelho, Jesus não oferece um mapa; oferece-se a si mesmo. «Esta é a vontade do meu Pai (…) que todo aquele que vê o Filho e crê tenha a vida eterna». Ver o Filho não é apenas contemplá-Lo em glória. É reconhecê-Lo na dor do nosso luto, nos rostos daqueles que perdemos e na dor que recusa ser anestesiada.
Embora não seja o Evangelho deste Domingo, a parábola do cobrador de impostos encontra aqui uma analogia. O cobrador de impostos está no templo, incapaz de levantar os olhos – não apenas por vergonha, mas porque sabe que a verdadeira transformação começa com a verdade. Da mesma forma, o Dia de Finados convida-nos a entrar no templo da memória e dizer: “Senhor, sinto a falta deles. Falhei-lhes. Amei-os de forma imperfeita. Tem misericórdia de mim”. Isto não é fraqueza. É o início da cura.
O fariseu que há em nós quer organizar o luto, teologizá-lo, torná-lo produtivo. Mas o cobrador de impostos, que também há em nós, sabe que o luto não é um problema a resolver; é um mistério a ser desvendado. Um mistério que não é estéril; é fértil! Dá origem à compaixão. Suaviza o julgamento. Ensina-nos a caminhar gentilmente com aqueles que choram. Quando permitimos que a dor faça o seu trabalho, tornamo-nos mais humanos e não menos. Começamos a compreender que a ressurreição não é uma doutrina a ser memorizada, mas uma relação a ser vivida. Começamos a ver que os mortos não se foram – estão entrelaçados no nosso devir. As suas histórias, as suas feridas, as suas canções inacabadas ecoam nas nossas escolhas, nas nossas orações, na nossa capacidade de amar mais profundamente.
O Dia de Finados não é apenas sobre aqueles que morreram. É sobre o que deve morrer em nós mesmos: o medo de não sermos amados ou de não sermos amáveis, o orgulho que nos impede de nos reconciliarmos, a ilusão de que temos tempo para adiar a ternura. Jesus promete a ressurreição, mas a ressurreição pressupõe a morte. Que apegos, rancores ou auto-enganos devemos enterrar hoje para que possamos ressuscitar? Que máscaras devemos remover? Que verdades devemos finalmente dizer em voz alta?
Talvez este dia seja também um convite para perdoar os mortos. Para libertá-los dos papéis que desempenharam na nossa dor. Para deixar de lado a necessidade de que fossem perfeitos. E, ao fazê-lo, perdoar a nós mesmos – pelas coisas que dissemos, pelas coisas que não dissemos, pelas formas imperfeitas como amámos. O Evangelho não nos pede para fingir. Pede-nos para acreditar. E a crença, no sentido joanino, não é um consentimento intelectual. É rendição. É confiança. É a disposição de deixar o amor ter a palavra final.
Acendamos velas não apenas pelos mortos, mas pelo menos positivo de nós que estamos dispostos a melhorar. Que a chama seja uma oração: “Senhor, levanta o que é verdadeiro em mim. Queima o que não pode entrar na eternidade”. Que a luz fale pelo que as palavras não conseguem. Que ela cintile com os nomes que carregamos em silêncio. Que ela brilhe com a esperança de que a morte não é o fim da história.
E ao sairmos dos cemitérios e dos lugares de memória dos mortos, que possamos carregar a memória dos mortos, não como um peso, mas como o vento. Que as suas vidas nos inspirem a viver mais plenamente, mais honestamente, mais ternamente. Que nos tornemos a ressurreição que ansiamos. Que nos tornemos a misericórdia que procuramos. Que nos tornemos a resposta viva à promessa de Jesus: «Não rejeitarei ninguém que vier a mim».
O Senhor convida-nos hoje a ir até Ele com a nossa dor. Vão com as vossas perguntas. Vão com as vossas histórias inacabadas. Vão com o vosso anseio. E saibam que em Cristo nada se perde. Nem mesmo a morte. Especialmente a morte. Pois n’Ele cada ferida pode tornar-se uma porta. Cada adeus pode tornar-se um começo. E cada alma – a vossa, a minha, a deles – pode encontrar o caminho de casa.
Pe. Jijo Kandamkulathy, CMF

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