Jesus diz-nos: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Mc., 12, 31). Amar-se a si mesmo refere-se, acima de tudo, à nossa alma – agraciada por Deus – e inclui o ódio ao mal e ao pecado. No Novo Testamento somos convidados a amar os outros como nos amamos a nós mesmos. Jesus deu-nos um “novo mandamento”: «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei» (Jo., 12, 34). Frei Luís de Granada comenta: “Se este mandamento fosse cumprido no mundo, os homens viveriam no paraíso”.
São Tomás de Aquino refere na “Suma Teológica” que a caridade, como verdadeira amizade com Deus, estende-se também a todos os vizinhos, incluindo os nossos perseguidores (como Jesus, primeira palavra da cruz) e inimigos, “a quem amamos por caridade em relação a Deus, a quem a amizade da caridade está principalmente ligada”. É-nos pedido que odiemos o pecado e amemos o pecador por amor a Deus. “É impossível amar todos os vizinhos com caridade da mesma forma e no mesmo grau”. Existe uma ordem de amor ao próximo, uma classificação entre os nossos amores. Em primeiro lugar, amamos aqueles que estão próximos de nós e próximos de Deus. São Tomás admite que “a caridade considera aqueles que estão mais próximos de nós antes daqueles que são melhores”. Com os nossos parentes e amigos, amamos os necessitados.
Um comentário maravilhoso que li na página “online” da Ordem Carmelita Lectio Divina (27 de Dezembro de 2017): “As características de Jesus que João mais apreciava eram o amor e a generosidade do Mestre. Estas características impressionaram-no tanto que toda a sua vida subsequente ficou dominada pelo sentimento de amor e devoção fraterna. Ele falava sobre o amor e escrevia sobre o amor. Este ‘filho do trovão’ tornou-se o ‘apóstolo do amor’; e em Éfeso, quando ele – um bispo já idoso – não conseguia ficar de pé no púlpito e pregar, mas tinha de ser levado à igreja numa cadeira, e no final da Missa lhe pediam para dizer algumas palavras aos fiéis, durante anos a sua única frase foi: ‘Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros’”.
Nós, cristãos, consideramo-nos irmãos e irmãs. A vida é vivida em fraternidade/sororidade. A vida fraterna é “uma vida partilhada no amor”. “Ecce quam bonum et quam iucundum habitare fratres in unum” – “é bom… que os irmãos vivam em união”. Lemos sobre os primeiros discípulos: “Os corações e as mentes de todos os crentes eram um só”. Santo Hilário de Poitiers complementa: “Portanto, é apropriado que o povo de Deus seja irmão sob um só Pai, esteja unido sob um só Espírito, viva em harmonia sob um só tecto, seja membro de um só corpo”.
O Senhor afirma: «Por este amor que tendes uns pelos outros, todos saberão que sois meus discípulos» (Jo., 13, 35). Quem odeia o seu irmão anda nas trevas (cf. 1 Jo., 2, 11) e não conhece a Deus (cf. 1 Jo., 4, 8). São João Crisóstomo sublinha: “Odiando os outros, castigamos a nós mesmos; amando-os, fazemos o bem a nós mesmos”.
São Pedro aconselha: «Mantenham o amor mútuo, pois o amor cobre uma multidão de pecados» (1 Pd., 4, 8). A comunidade cristã é uma comunidade de discípulos que escuta a Palavra de Deus, reúne-se em torno da Mesa do Senhor e proclama o Reino de Deus à Humanidade. Além disso, «o amor se deleita na verdade» (1 Cor., 13, 6): “Na alegria da fraternidade, busquem a verdade” (“In dulcedine societatis, quaerere veritatem”, São Alberto Magno).
Frei Luís de Granada escreveu que devemos ter três corações: para Deus, o coração de filhos e filhas; para os homens e mulheres, o coração de uma mãe; para nós mesmos, o coração de um juiz. “Na prática, os nossos três corações podem estar em lugares diferentes. Para Deus, podemos ter um coração de escravo; para os outros, um coração de juiz; e para nós mesmos, um coração de grande mãe” (Martin Dezcalzo).
Tenho que amar o outro, não apenas como amo a mim mesmo, mas como Cristo ama o outro, como uma mãe ama a sua filha ou filho. E tenho que permitir que o outro me ame. Como me lembrei numa palestra que dei a Dominicanos: o amor não é apenas activo, mas também passivo: amar e ser amado. São Tomás defende: “Nada move mais ao amor do que sentir-se amado”. Morrie – do famoso livro “Tuesdays with Morrie”, de Mitch Albom – aponta: “A coisa mais importante na vida é aprender a dar amor e a deixá-lo entrar; deixá-lo entrar”. Papa Bento XVI: “O homem não pode viver apenas de amor oblativo e descendente. Ele não pode dar sempre; ele também deve receber. Quem deseja dar amor também deve receber amor como um dom”.
Amar é mais importante do que ser amado. Na verdade, o acto de amar é amar. São Tomás partilha: “É mais próprio da caridade desejar amar do que desejar ser amado”. E dá um exemplo: “As mães, que são as que mais amam, procuram amar mais do que ser amadas”. Lembro-me das palavras de Albert Camus: “Não amar é uma desgraça; não ser amado é azar”.
Na nossa perspectiva, a teoria clássica da caridade parece mais preocupada com a pessoa individual – como “outro eu…”. O outro, para nós, além disso, não é apenas uma pessoa, mas também um povo, um grupo étnico, os pobres, os refugiados, os excluídos do banquete da vida. O ensinamento de São Tomás sobre a caridade tem sido criticado por alguns por não enfatizar suficientemente a dimensão social e global da caridade e da misericórdia. Talvez seja verdade, mas temos de acrescentar que o ensinamento de São Tomás sobre a justiça, a propriedade e os pobres continua a ser verdadeiramente revolucionário ainda hoje.
Ao ensinamento clássico sobre a caridade e a misericórdia, temos de acrescentar a necessidade da justiça para viver a caridade. Nos nossos dias, a Doutrina Social da Igreja e a ética social sublinham também a dimensão social da caridade e da misericórdia.
E para concluir, lembramo-nos: Deus é amor e nós somos seres amorosos, seres apaixonados: “Ser é amar”, e
SER HUMANO É SER IRMÃO
Pe. Fausto Gomez, OP