NEPAL VIVE TENSÃO LATENTE

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O testemunho do padre Silas Bogati

Em declarações à agência noticiosa FIDES, o padre Silas Bogati falou da sua experiência nos recentes tumultos que abalaram a capital do Nepal, Katmandu. Administrador Apostólico do Vicariato do Nepal desde Janeiro de 2025, o padre Bogati viu-se no meio dos protestos porque, assim que aterrou no aeroporto de Katmandu após uma viagem pastoral, devido à falta de transporte, teve que se deslocar a pé até à sua residência, atravessando uma cidade pejada de manifestantes que exigiam o afastamento do Primeiro-Ministro Sharma Oli, que acabaria por apresentar a sua demissão.

Durante o processo em curso, devido à acção policial, morreram dezanove pessoas e mais de trezentas ficaram feridas. O Governo impôs um recolher obrigatório, mas perante a persistência da mobilização a polícia recorreu a medidas repressivas, e a violência irrompeu. Os manifestantes incendiaram depois veículos nas ruas e casas de importantes políticos.

«A questão da proibição das redes sociais, que desencadeou os protestos», explicou o padre Bogati, «foi como uma faísca. Os jovens, sem perspectivas de emprego e face ao crescente nepotismo e clientelismo da classe política, decidiram exigir uma mudança de governo».

A comunidade católica nepalesa, com oito mil fiéis numa população de 33 milhões, uma mera “gota no oceano”, não obstante, é uma parte activa do País e partilha «o desejo de justiça e boa governação». Fazem-no principalmente ao ensinar às crianças e aos jovens os princípios e valores da Doutrina Social da Igreja, como a justiça, a paz, a segurança, a transparência, a solidariedade e o bem comum, através do trabalho educativo e do sector da Educação. E mais: a comunidade católica subscreve inteiramente a ideia de que o protesto pacífico é um «direito dos cidadãos», consciente de que a repressão generalizada, os assassinatos e o uso da violência estão a conduzir a um sistema ditatorial em vez da tão apregoada democracia.

Os protestos começaram “online” após o Governo ter bloqueado as principais plataformas de redes sociais amplamente utilizadas no Nepal (como o “Facebook”, o “X” e o “YouTube”), por não terem cumprido uma nova exigência de se submeterem à supervisão governamental, alegadamente para combater a “desinformação online”. No entanto, as medidas foram duramente criticadas e rotuladas de “censura”.

Presentemente, a situação está relativamente calma, sem manifestantes nas ruas. As escolas reabriram, tanto públicas como católicas, e a vida decorre com bastante tranquilidade. As pessoas depositaram a sua confiança em Sushila Karki, a nova Primeira-Ministra, que vai liderar um Governo de transição durante cerca de seis meses, até às novas eleições do próximo ano.

«É claro que ainda estamos num período de incerteza e tensão latente», sublinhou o padre Bogati. «Nós, enquanto comunidade católica, também confiamos em Sushila Karki, que entre outras coisas, no passado, quando ainda era advogada, defendeu um dos nossos padres e algumas religiosas que estavam a ser injustamente acusados em vários processos judiciais». Os católicos nepaleses têm uma boa opinião de Sushila Karki e confiam no trabalho que irá desenvolver nos próximos meses, «agindo de acordo com o Estado de Direito e os princípios democráticos de justiça e legalidade».

Em relação ao futuro imediato, o Administrador Apostólico observou: «Tudo indica que num futuro próximo os partidos políticos que têm dominado a cena nos últimos anos sairão também à rua para se fazerem ouvir. Esperamos que isto não traga mais violência».

O sacerdote referiu ainda que o movimento juvenil, a designada “Geração Z”, mantém-se activo nas redes sociais e sente-se responsável pelo desenvolvimento e progresso da nação. «Encaram-no como um dever, uma obrigação necessária, e isso é certamente positivo», acrescentou. Todo o movimento assenta «na consciência de dizer: “nós preocupamo-nos com o nosso futuro e com o futuro da nação”, e isso é benéfico para a nação, desde que o movimento se mantenha no caminho da paz e da justiça».

Nesta fase, concluiu o padre Bogati, «a posição da Igreja Católica no Nepal é clara: dizemos “não” a qualquer forma de violência e trabalhamos para um desenvolvimento pacífico da situação, na esperança de uma boa governação capaz de combater eficazmente um dos flagelos que afligem o País: a corrupção».

Entretanto, o Natal celebrou um dia nacional de luto a 17 de Setembro pelas vítimas dos recentes distúrbios. O Governo interino declarou “mártires” aqueles que perderam a vida durante as manifestações e prometeu ajuda e indemnizações às respectivas famílias. Um total de 72 jovens morreram em consequência da repressão policial durante os protestos de rua. Centenas de feridos estão ainda internados em vários hospitais. A Primeira-Ministra visitou muitos deles no hospital de Katmandu, enviando assim um claro sinal da sua posição e abordagem política, que é claramente de solidariedade social.

Joaquim Magalhães de Castro

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