Na cruz também encontramos a vitória do amor
1. A cruz na nossa fragilidade
Há momentos na vida em que o peso da responsabilidade parece esmagador – quando as tarefas se acumulam, os prazos se aproximam e os conflitos internos agitam-se incessantemente. Já senti isso: a pressão para ter um bom desempenho, a frustração da procrastinação, a tentação de fechar os olhos à realidade e fugir para a distracção. Nesses momentos, a negatividade instala-se. As queixas aumentam. Dou por mim a culpar os outros – líderes, entes queridos, até mesmo Deus. E quando rezo, muitas vezes espero em silêncio, por uma resposta que não vem tão rapidamente ou claramente como eu gostaria.
É só quando as “serpentes” começam a morder – quando as consequências da minha evasão e amargura começam a envenenar o meu espírito – que percebo que fui longe demais. O veneno espiritual do ressentimento, do orgulho e do desespero começa a tomar conta de mim. Quem sou eu para questionar o Senhor? E, no entanto, é precisamente nesse momento de quebra que a Cruz começa a brilhar – não como uma condenação, mas como um farol de misericórdia.
As leituras da Festa da Exaltação da Santa Cruz falam directamente sobre esta experiência. Em Números 21, 4-9, os israelitas, cansados e impacientes, queixam-se contra Deus e Moisés. As suas queixas levam ao sofrimento – serpentes venenosas lhes mordem, e eles clamam por misericórdia. Mas Deus não remove as serpentes. Em vez disso, Ele instrui Moisés a erguer uma serpente de bronze numa haste, para que qualquer um que a olhasse pudesse viver. A cura não vem evitando a dor, mas enfrentando-a – olhando directamente para o que os feriu e confiando na misericórdia de Deus.
Esta história é mais do que história antiga; é um espelho para a nossa própria jornada espiritual. Nós também somos chamados a enfrentar o que nos fere – não a fugir, mas a olhar para isso com fé. A cruz convida-nos a parar de nos esconder e a começar a curar.
2. O paradoxo do amor divino
Este é o paradoxo da cruz. Em João 3, 13-17, Jesus traça um paralelo directo: «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado». A cruz não é um desvio em torno do sofrimento – é o caminho através dele. É o lugar onde o amor encontra a dor, onde a misericórdia vence o pecado, onde a morte dá lugar à vida.
Em Filipenses 2,6-11, São Paulo oferece um hino à humildade de Cristo: «Embora fosse na forma de Deus (…) esvaziou-se a si mesmo, assumindo a forma de escravo (…) tornando-se obediente até à morte, mesmo à morte na cruz». Isto não é apenas teologia – é a lógica do amor divino. Cristo não escapou ao sofrimento; Ele abraçou-o. Ele não evitou a vergonha; Ele transformou-a. E Ele fez isso por mim e por ti.
A cruz não é apenas um símbolo – é uma realidade que toca todas as partes das nossas vidas. Quando sou honesto sobre a minha fragilidade – quando deixo de fingir que tenho tudo sob controlo – a cruz começa a falar. Só quando admito a minha fraqueza é que ouço o sussurro da graça. Como São Paulo nos lembra noutro lugar: «A minha graça te basta, pois o poder se aperfeiçoa na fraqueza». (2 Cor., 12, 9).
Esta verdade foi vivida profundamente por Santo Agostinho, cuja juventude foi marcada pela confusão, pela indulgência e por uma busca incansável por sentido. Ele procurou a realização no prazer, na ambição e na filosofia, mas o seu coração permaneceu insatisfeito. Quando finalmente encontrou Cristo, escreveu: “Tarde te amei, ó Beleza sempre antiga, sempre nova. (…) Tu estavas dentro de mim, mas eu estava fora”.
A conversão de Agostinho não foi um triunfo do intelecto – foi uma rendição do coração. Ele olhou para a cruz e não viu condenação, mas misericórdia. Não viu derrota, mas amor. A sua história lembra-nos que a transformação não começa com a força, mas com a rendição.
3. Ergam bem alto a cruz
A cruz ensina-me que estar em contacto com a minha vulnerabilidade não é uma fraqueza – é a porta de entrada para a força. Quando reconheço as minhas limitações, abro-me à graça. Torno-me capaz de amar como Cristo me amou. E assim como Jesus foi enviado pelo Pai, também eu sou enviado – para viver o paradoxo do Evangelho: é morrendo que vivemos. Ao oferecer as nossas vidas em serviço, encontramos a verdadeira paz e alegria.
Por isso, hoje, ao erguer a cruz, lembremo-nos de que a cruz não é um fardo – é uma ponte. Não é um símbolo de morte – é o caminho para a vida. Não é um escândalo – é a sabedoria de Deus. A cruz é onde o céu toca a terra, onde o amor divino encontra o sofrimento humano e onde nasce a redenção.
Permitamos que a nossa vulnerabilidade se torne o lugar onde Cristo nos encontra. Ofereçamos as nossas vidas em serviço, confiando que ao morrer para nós mesmos ressuscitaremos com Ele. E sigamos em frente, como Agostinho, transformados pelo amor, prontos para partilhar o paradoxo do Evangelho com um mundo que precisa desesperadamente dele.
O mundo de hoje está sedento de autenticidade – de pessoas que não tenham medo de admitir a sua fragilidade e proclamar o poder curativo da graça. A Cruz dá-nos essa coragem. Ela lembra-nos que o amor de Deus não é distante ou abstracto – é encarnado, crucificado e ressuscitado. Ele encontra-nos na nossa hora mais sombria e eleva-nos à luz.
Portanto, não nos afastemos da cruz. Abracemo-la, exaltemo-la e vivamos segundo a sua verdade. Pois, na cruz encontramos não só o sofrimento de Cristo, mas também a vitória do amor.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ