Peregrinos da Esperança: o Chamamento Radical do Discipulado
As leituras deste Domingo convidam-nos a uma meditação profunda sobre a natureza da sabedoria, da liberdade e do custo do discipulado. Desafiam-nos a reorientar as nossas vidas em torno do Evangelho, a ver com clareza espiritual e a caminhar com coragem como peregrinos da esperança.
Sabedoria 9, 13-18: O Dom que Ilumina o Nosso Caminho
Este texto começa com uma verdade humilde: «Quem pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode discernir as intenções do Senhor?». Estas palavras lembram-nos que o raciocínio humano por si só não consegue compreender o plano divino. Os conselhos, intenções e desígnios de Deus estão vedados a nós, a menos que Ele próprio nos conceda sabedoria. Não se trata de uma mera virtude intelectual, mas de um dom espiritual que nos permite ver a vida através dos olhos de Deus.
A sabedoria não é passiva – ela manifesta-se na acção. O texto afirma que Deus endireita os caminhos daqueles que estão na terra. Esta é uma promessa de orientação, de clareza em meio à confusão. Não somos deixados a vaguear sem rumo. Como peregrinos da esperança, percorremos esta vida confiando que Deus, na Sua misericórdia, iluminará os nossos passos se O buscarmos sinceramente.
Salmo 90: Ensina-nos a Contar os Nossos Dias Correctamente
O salmista ecoa este anseio pela perspectiva divina: «Ensina-nos a contar os nossos dias correctamente, para que ganhemos sabedoria de coração». Em todas as épocas, o Senhor tem sido o nosso refúgio. Isto não é apenas um sentimento poético – é uma declaração de confiança. Contar os nossos dias correctamente é viver com consciência, reconhecer a natureza fugaz da vida e o peso eterno das nossas escolhas. É viver com sabedoria, sabendo que cada momento é uma dádiva e cada decisão um passo em direcção ou para longe do Reino.
Filemón 9-17: Liberdade em Cristo
Na segunda leitura, encontramos Paulo a escrever na prisão. Embora fisicamente confinado, Paulo é espiritualmente livre. Ele fala de Onésimo, um escravo que agora se tornou um irmão em Cristo. A interacção entre «escravo» e «livre» é impressionante. Em Cristo, estas categorias dissolvem-se.
É a sabedoria em acção: ver além das aparências, além das definições mundanas de valor e liberdade.
O apelo de Paulo não se baseia na lei, mas no amor. Ele convida Filemón a receber Onésimo não mais como um escravo, mas como mais do que um escravo, um irmão amado. O Evangelho transforma relacionamentos, redefine identidades e liberta-nos das correntes do status, da posse e do orgulho.
Lucas 14:25-33: O Custo do Discipulado
As palavras de Jesus no Evangelho de Lucas são radicais e intransigentes: «Quem não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu discípulo». Ele fala da família, da riqueza e dos planos pessoais — não para condená-los, mas para colocá-los no seu devido contexto. Essas são boas dádivas, mas devem ser entregues ao bem maior do Reino.
O discipulado não é um compromisso a tempo parcial. Exige uma reorientação total. Cristo deve estar no centro, e tudo o resto deve girar em torno dele. Renunciar não é desprezar, mas libertar – reconhecer que tudo o que temos não é nosso para possuir, mas para oferecer. Somos administradores, não proprietários. Os nossos dons, talentos e recursos são-nos confiados para a missão da Igreja e a glória de Deus.
Um Exemplo Vivo: A Alegre Entrega de Marian
Lembro-me da minha amiga Marian, uma jovem filipina brilhante, com um futuro académico promissor. Ela havia passado num exame obrigatório e estava pronta para embarcar numa carreira de sucesso como professora. Mas, naquele exacto momento, o Senhor chamou-a para segui-Lo de forma mais radical.
A sua decisão foi recebida com resistência. A família preocupava-se com os seus pais idosos. Os amigos chamavam-na de “imprudente”. No entanto, o coração de Marian estava decidido por Cristo. Como seu director espiritual, acompanhei-a em visitas a várias comunidades religiosas. Ela escolheu a mais rigorosa: as Clarissas, num mosteiro distante nas montanhas de Mindanao.
Três meses depois, fui visitá-la. Preocupado com o seu bem-estar, perguntei-lhe gentilmente se tinha a certeza da sua escolha. Antes que eu pudesse terminar, interrompeu-me e disse: «– Padre Ed, eu não trocaria esta vida por nada neste mundo». Os seus olhos brilhavam com a alegria de Jesus. Ela tinha encontrado a pérola de grande valor e vendido tudo com alegria para a possuir.
A história de Marian é uma parábola viva do Evangelho de hoje. Ela renunciou não só aos bens materiais, mas também às expectativas, aos confortos e até à aprovação da família. E, ao fazê-lo, descobriu a verdadeira liberdade – aquela que só Cristo pode dar.
Somos peregrinos da esperança, caminhando por um mundo que muitas vezes valoriza a riqueza, o estatuto e o conforto acima de tudo. Mas as leituras de hoje lembram-nos que a verdadeira sabedoria vem de Deus e nos leva à liberdade, ao amor e ao discipulado radical.
Peçamos essa sabedoria. Contemos os nossos dias correctamente. Vejamos com os olhos de Cristo e usemos tudo o que temos – o nosso tempo, os nossos talentos, as nossas relações – para a missão da Igreja e a glória de Deus.
Que nós, tal como Marian, possamos encontrar a alegria de Jesus e dizer com convicção: não trocaria esta vida por nada neste mundo.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ