Em vez de vingança: jejum e oração
O Papa Leão XIV convocou, para 22 de Agosto, um dia de oração e jejum pela paz e justiça na Terra Santa, na Ucrânia e noutras regiões.
Em Portugal, a notícia passou de pessoa em pessoa, ou circulou nas redes sociais, porque os grandes Meios de Comunicação Social não repararam nela. Conclusão: temos de aprender a organizar formas de comunicação e liberdade que ultrapassem o furor pedagógico dos que nos querem impor aquilo que devemos pensar.
Perante a invasão da Ucrânia ou a conquista dos territórios palestinianos, a autoridade internacional teria obrigação de impor a paz, mas tal autoridade tem pouca eficácia, paralisada por jogos de poder, cobardias e interesses mesquinhos. Resta a cada indivíduo passar-palavra e rezar. Em vez de vingança: jejum e oração.
Contrasta a violência e o coração limpo, sem rancor, dos que defendem a justiça e rezam. A santidade da Igreja brilha particularmente neste combate paradoxal, em que a grandeza parece ingenuidade e as baixezas humanas ou diabólicas parecem omnipotentes.
Todos os dias celebramos a memória de testemunhas de um amor que foi mais forte que o ódio. Por mais que revisitemos estes episódios, a sua lição não cansa. Por exemplo, faz agora 89 anos, durante a Guerra Civil Espanhola, cerca de sessenta milicianos irromperam no Seminário claretiano de Barbastro e condenaram todos à morte. Começaram por os meter numa prisão, oferecendo-lhes a liberdade se renegassem Cristo e a Igreja. Nenhum aceitou. Ao fim de três semanas, depois de os tratarem cada vez com mais brutalidade e assediarem com prostitutas, esgotadas todas as tentativas, decidiram fuzilá-los, primeiro os mestres e superiores, para convencer os mais novos. No dia 2 de Agosto mataram todos os superiores, juntamente com o bispo da Diocese. Mas nenhum dos seminaristas cedeu. Assassinaram-nos aos poucos, nos dias 12, 13, 15 e 18 de Agosto, pensando quebrar a resistência dos que eram deixados para mais tarde.
Durante as semanas de prisão, os seminaristas confessaram-se e inclusivamente receberam a Comunhão, que o cozinheiro lhes levou todos os dias, oculta numa cesta da comida. Deixaram mensagens escritas em papéis de embrulho, na parte de baixo de cadeiras, na madeira de um estrado e noutros lugares. Muitas foram encontradas pelos milicianos, que as destruíram, mas muitas outras escaparam às vistorias e podem ler-se (estão expostas no Museu dos Mártires de Barbastro). Por exemplo, num papel de embrulho de um chocolate:
“Agosto, 12 de 1936, em Barbastro. Seis dos nossos companheiros já são mártires. Esperamos sê-lo nós também, em breve. Mas antes queremos que saibais que morremos perdoando aos que nos tiram a vida e oferecendo-a pela configuração cristã do mundo operário, o reinado definitivo da Igreja Católica, pela nossa querida Congregação e pelas nossas queridas famílias”.
Um visitante do Museu resumiu assim as suas impressões:
«– A tónica geral de todas as mensagens era o perdão dos inimigos e a oração por eles. Impressionou-me especialmente um que dizia que, no Céu, iria dedicar-se a rezar especialmente pelos que os assassinaram e pelas famílias deles. Todos abençoavam Deus e confiavam-se a Ele. Muitos ofereciam também a vida pela classe operária, mostrando uma ausência total de rancor e de militância política».
Morreram, em vários dias, 51 claretianos, a maior parte seminaristas entre vinte e 25 anos de idade. Sobreviveram dois estudantes por terem nacionalidade estrangeira e sete irmãos coadjutores, por confusões várias. Até ao fim, os milicianos insistiram para que abandonassem Cristo e a Igreja, mas nenhum cedeu. O povo de Barbastro recordava aqueles rapazes a cantarem a caminho do fuzilamento «…por ti, mi Reina, la sangre dar…».
Aliás, nesta cidade, cerca de dez por cento da população morreu desta forma. Entre eles, Ceferino Jiménez, o primeiro cigano a ser beatificado, muitíssimos leigos e praticamente todos os padres e religiosos da diocese (noventa por cento do clero).
João Paulo II beatificou, em 1992, os 51 mártires claretianos, que recordamos com imensa ternura, pedindo-lhes que intercedam por este nosso mundo enlouquecido, enquanto jejuamos e rezamos.
Provavelmente, há jornalistas que olham atónitos para tudo isto. Alguns talvez pensem: será que nos está a escapar alguma coisa?
José Maria C.S. André
Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa
LEGENDA: Foto de grupo. Pouco tempo depois, seriam todos mortos.