Rico no que é importante para Deus
A FRAGILIDADE DA VAIDADE E A FIRMEZA DA FÉ – A vida é o dom mais precioso que Deus nos deu. Não podemos desperdiçá-la. Como devemos viver para que a nossa vida faça sentido?
A Palavra de Deus que ouvimos neste Domingo convida-nos a viver em Cristo, a aprender com Ele o que Deus valoriza e a ter cuidado com as escolhas que nos afastam de Deus e de nós mesmos.
O Livro de Eclesiastes, também conhecido como “Qohelet” – significa “mestre” ou “pregador” – começa com uma observação severa e aparentemente pessimista: «Vaidade das vaidades, tudo é vaidade» (Ecl., 1, 2).
Apresenta uma visão sóbria das buscas da vida. Mesmo quando alguém trabalha com sabedoria e habilidade, os frutos desse trabalho são deixados para alguém que não se esforçou por eles. “Qohelet” chama a isto de “vaidade”. A palavra hebraica traduzida como vaidade significa literalmente “ar” ou “vento”, o que transmite a ideia de algo intangível – algo que não podemos compreender, que carece de consistência.
Em contraste, a palavra “Amém” – amplamente compreendida em todas as línguas – significa firmeza e fiabilidade. É aquilo sobre o qual se constrói, tal como São Pedro, chamado de “rocha”, sobre a qual Jesus construiu a Sua Igreja (cf. Mt., 16, 18). Uma vida, como uma casa, que é construída sobre a rocha (cf. Mt., 7, 24).
O texto de Eclesiastes está em consonância com o Salmo 90, 14. O salmo responsorial deste Domingo implora: «Sacia-nos, desde o romper da aurora, com teu amor infinito, e exultaremos de alegria, todos os nossos dias». No entanto, “Qohelet” diz: «Durante todos os seus anos de vida, o trabalho humano é pura dor e tristeza; mesmo durante a noite a sua mente não repousa tranquila». A interpretação bíblica católica convida-nos a manter estas tensões e a ler a Escritura como um todo unificado.
A IDOLATRIA DA GANÂNCIA E O APELO À RENOVAÇÃO – A leitura do Evangelho fornece uma chave interpretativa: a ganância. São Paulo chama-a de uma forma de idolatria (cf. Col., 3, 5), pois ela desvia o nosso compromisso, porque, como disse Jesus, não podemos “servir a dois senhores” (cf. Mt., 6, 24). O objecto do trabalho árduo da pessoa mencionada em Eclesiastes não é a “sabedoria do coração” ou ser “cheio da bondade de Deus” (cf. Sl., 90, 12.14), mas bens e posses.
Paulo usa o mesmo conceito de “vaidade” quando se refere ao cerne da nossa fé: «Se Cristo não ressuscitou, então a nossa pregação é vã e a vossa fé é vã» (1 Coríntios 15, 14). E acrescenta: «Se Cristo não ressuscitou, a vossa fé para nada serve, e continuais a viver em vossos pecados» (versículo 17). Sem Cristo, permanecemos presos na incerteza e na tristeza.
Mas nós ressuscitamos com Cristo, depois de morrer para o pecado. A nossa vida está agora escondida Nele, aguardando a revelação na glória.
Estas reflexões tocam Macau – uma cidade rica onde o ganho financeiro é o foco de muitas vidas. Para milhares de visitantes, “ganhar sem trabalhar” é uma esperança diária nos casinos da cidade. No entanto, a riqueza material não consegue curar o coração. Angústia, depressão, ansiedade e insónia a muitos atormentam. O mais preocupante é o número crescente de suicídios: de acordo com o Corpo de Bombeiros de Macau, o território registou 69 casos suspeitos de suicídio até 30 de Abril de 2025.
No Evangelho, Jesus exorta-nos a “guardar-nos de toda a avareza”, porque a nossa vida «não consiste nos bens que possuímos» (Lc., 12, 15). O que nos deve preocupar e pelo que devemos trabalhar é tornar-nos ricos no que importa a Deus (cf. Lc., 12, 21).
Para ilustrar esse perigo, Jesus apresenta-nos a parábola do homem rico insensato – um homem que acreditava poder garantir o seu futuro acumulando riquezas, vivendo confortavelmente, sem se preocupar com nada além de si mesmo. Jesus chama-o de insensato, não porque ele era bem-sucedido, mas porque não compreendeu o que realmente importa para Deus.
Então, o que nos ocupa ou preocupa? Pelo que lutamos? Qual é o objectivo do nosso esforço?
Jesus adverte-nos para nos guardarmos contra todas as formas de ganância. O objecto da ganância não se limita a bens ou riquezas – inclui também poder, honra, posição e estatuto.
Ele sabe bem como os nossos corações podem ser facilmente seduzidos pelo desejo de ser notados, reconhecidos e atraídos para buscas movidas pelo ego. A ganância desvia o discípulo, redireccionando o foco para um ídolo: conforto, manipulação, controlo e poder. Em última análise, a pessoa gananciosa fecha-se a Deus e torna-se o seu próprio ídolo.
São Paulo diz-nos que, uma vez que “ressuscitámos com Cristo”, devemos «buscar as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus» (Col., 3, 1).
Tal ecoa o apelo de Jesus para nos tornarmos “ricos no que importa a Deus”. E o que importa a Deus? A segunda leitura fornece a resposta: que «despojemos o velho homem das suas práticas» (Col., 3, 9). Paulo identifica essas práticas como «imoralidade, impureza, paixão, maus desejos e ganância» (Col., 3, 5) e exorta-nos a «revestir o novo homem, que se renova no conhecimento à imagem do seu criador» (Col., 3, 10). Somos capacitados pelo Espírito para sermos configurados à imagem de Cristo. Nele, através do Baptismo, tornamo-nos filhos de Deus.
O TESTEMUNHO DOS POBRES E O TESOURO DA MISSÃO – Então, vamos perguntar o que é mais importante: em que consiste realmente a nossa vida? Somos ricos naquilo que é importante para Deus?
Em Julho passado, conduzi um grupo de jovens missionários a Cabo Verde, em África, para uma experiência missionária. Testemunhámos em primeira mão a profunda fé e alegria de muitas famílias pobres. Durante a nossa estadia fizemos amizades íntimas com jovens locais que participaram activamente na missão.
Um dos momentos mais marcantes foi contemplar como estes jovens valorizavam a Eucaristia, servindo como acólitos com profunda reverência e devoção, uma realidade que nos impressionou profundamente.
Acredito que este é o verdadeiro dom da nossa missão. Naquele lugar, o Senhor abriu os nossos olhos para reconhecermos o que realmente Lhe importa: «Que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade» (1 Tim., 2, 4). Os pobres, com a sua simplicidade e fé, ensinam-nos a valorizar as nossas vidas e a oferecê-las Àquele que, sozinho, pode encher-nos com a sua bondade, para que possamos servi-Lo todos os dias das nossas vidas.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ