QUARTO DOMINGO DA QUARESMA – Ano B – 10 de Março

QUARTO DOMINGO DA QUARESMA – Ano B – 10 de Março

O antídoto do amor incondicional contra o veneno da desconfiança

O Quarto Domingo da Quaresma é chamado de “Domingo Laetare”. O termo “Laetare” tem origem no Latim e significa “Alegrai-vos!”. À medida que continuamos a jornada quaresmal de penitência (oração, jejum e esmola), às vezes tal pode prejudicar a nossa força espiritual. No Domingo de Laetare, a Igreja permite-nos olhar com alegria para a próxima celebração da Páscoa, recordando o amor infinito de Deus por nós.

No Evangelho deste Domingo (João 3, 14-21), Jesus faz referência a uma famosa passagem do Antigo Testamento: «Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, desse mesmo modo é necessário que o Filho do homem seja levantado» (Jo., 3, 14).

Jesus refere-se a um episódio narrado no livro dos Números. Os israelitas, cansados da longa jornada no deserto, reclamaram da falta temporária de comida e água: «Por que nos fizestes subir do Egipto para morrermos neste deserto? Pois não há nem pão, nem água! Estamos enfastiados deste alimento miserável!» (Núm., 21, 5). A história continua com Deus a puni-los: enviou-lhes cobras venenosas; e depois de mordidos muitos acabaram por morrer.

Como acontece frequentemente no Antigo Testamento, o castigo de Deus é descrito como resultado concreto da nossa pecaminosidade, como um espelho que nos ajuda a reconhecer o efeito das nossas escolhas erradas. Neste caso específico, a Bíblia compara as queixas do povo de Israel com um veneno que destruiu a confiança básica em Deus, necessária para sobreviver no deserto. Cegos pelas dificuldades, esqueceram-se de que Deus os libertou da escravidão e que, até então, Ele lhes fornecia constantemente as necessidades básicas.

Há poucos dias participei numa actividade para “solteiros”, nomeadamente católicos, que não são chamados ao matrimónio nem à vida consagrada. Muitos documentos recentes da Igreja reconhecem o seu papel na comunidade cristã e encorajam-na a testemunhar a vocação comum ao amor e ao serviço que todos recebemos no Baptismo. Embora o estado de solteiro ofereça uma liberdade não desfrutada pelos casados ou consagrados, a solidão pode tornar a vida dos solteiros uma jornada no deserto, sendo que às vezes culpam Deus pela falta de um companheiro ou de uma comunidade para se inserirem.

Na minha apresentação, compartilhei algumas palavras do Papa Francisco sobre uma dificuldade que muitas vezes experimentamos em relação à necessidade de discernimento espiritual. Disse o Santo Padre: «Muitas pessoas, inclusive cristãos, pensam a mesma coisa: que Jesus pode até ser o Filho de Deus, mas duvidam que Ele quer a nossa felicidade; aliás, alguns temem que levar a sério a sua proposta, o que Jesus nos propõe, signifique arruinar a vida, mortificar os nossos desejos, as nossas aspirações mais fortes. Às vezes surgem dentro de nós estes pensamentos: que Deus nos pede demasiado, temos medo de que Deus nos peça demasiado, que não nos ame verdadeiramente» (Audiência Geral de 28 de Setembro de 2022). O Papa Francisco insistiu que «o medo ou a dúvida de que a sua vontade não é para o nosso bem, uma tentação que às vezes atravessa os nossos pensamentos, tornando o coração inquieto e incerto ou até amargo».

Não apenas os solteiros, mas todos nós experimentamos esse sentimento negativo como um veneno que torna o nosso relacionamento com Deus prejudicial, até mesmo tóxico. O Papa concluiu dizendo que somente aprofundando a nossa familiaridade com Deus na oração poderemos reconhecer a Sua presença e cuidado, e então fazer as nossas escolhas com serenidade e confiança.

A história continua com Deus a ordenar aos israelitas que fizessem uma serpente de bronze e a colocassem num poste (Núm., 21, 8). Aqueles que fossem mordidos, ao olhar para ela, viveriam. O ponto principal da história é que o primeiro passo para ser curado é reconhecer esse veneno espiritual e encarar a imagem errada de Deus com clareza.

À medida que nos aproximamos da Semana Santa, o Evangelho deste Domingo é um convite a “desintoxicar-nos” do veneno da dúvida e da desconfiança, fixando o olhar em Jesus na Cruz, manifestação suprema da bondade e da misericórdia de Deus: «Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Portanto, Deus enviou o seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por meio dele» (Jo., 3, 16-17).

Só então a nossa oração poderá tornar-se um acto de confiança filial no Deus misericordioso que cuida de nós, no meio de circunstâncias difíceis. O amor incondicional que Ele demonstrou ao morrer por nós na Cruz é o único antídoto que pode curar a nossa solidão e desconfiança. Unindo-nos a Ele, podemos receber a coragem e a força para continuar o nosso caminho de vida com esperança e, apesar da dor da Cruz, até com alegria.

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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