Oteólogo brilhante que mudou a face da Igreja
Tímido, reservado, mas profundamente erudito. Joseph Ratzinger, que ocupou a cátedra de São Pedro durante oito anos com onomeBento XVI, fica para ahistória como um dos teólogos mais influentes dos últimos séculos, defendem os padres Luís Sequeira, José Mario Mandía e o professor Francisco Vizeu Pinheiro. Então Prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé, o cardeal Ratzinger efectuou uma breve visita a Macau,em Março de 1993.
Nos quase oito anos do seu pontificado, a Austrália foi o ponto mais próximo que Bento XVI esteve de Macau, mas doze anos antes de assumir a cadeira de São Pedro, a 19 de Abril de 2005, o então cardeal D. Joseph Ratzinger efectuou uma fugaz visita ao território. À época Prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé presidiu, no início de Março de 1993, na vizinha Hong Kong, à assembleia-geral da Federação das Conferências Episcopais Asiáticas. Durante o encontro, o futuro pontífice instou os bispos da Ásia a olhar para a missão da Igreja nomaior continente do planeta mais em termos de “interculturalidade” do que propriamente de “inculturação”.
O pressuposto da interculturalidade e o papel pioneiro exercido por Macau nesse domínio terá sido, de resto, uma das razões pelas quais o cardeal decidiu realizarumabreve, mas impactante,visita à mais antiga diocese do Extremo Oriente.Esteve reunido,na Sé Catedral,com o então bispo D. Domingos Lam;visitouasRuínas de São Paulo;e percorreu algumas das artérias do centro histórico na companhia de vários membros da hierarquia católica local, entre os quais o padre Luís Sequeira. O antigo Superior da Companhia de Jesus em Macau, que trocou com D. Joseph Ratzinger breves impressões sobre o jesuíta alemão Johann Adam Schall von Bell, recorda um homem discreto e humilde, mas extremamente erudito: «Ele estava em Hong Kong, onde presidiu à Conferência Episcopal, e veio a Macau, o que para mim foi muito significativo, porque indicia alguém que é sensível à história da Igreja na China e, concretamente, a este diálogo entre a China e o mundo ocidental, sobretudo no que diz respeito ao Vaticano», disseo padre Luís Sequeira. «O então cardeal Ratzinger foi à Sé Catedral e protagonizou, depois, uma visitazinha turística e apostólica. Disso recordo-me bem».
O sacerdotedefende que os oito anos de pontificado de Bento XVI confirmaram Ratzinger como um homem «com uma grande intimidade com Deus», perspicaz e profundamente conciente dos desafios que se colocam à Igreja contemporânea e à própria Humanidade: «Estou convencidíssimo que a sua visão teológica da Igreja e da Humanidade é extremamente necessária. Toca uma problemática profundada Humanidade, o facto da Humanidade estar a perder o sentido de Deus, principalmente o mundo ocidental, que se tem vindo a afastar de Deus. Ele parece-me extremamente perspicaz na dor e na forma como compreende isso».
CONSTRUTORDE PONTES
Ometódico, tímido e muito reservado Bento XVI nunca procurou ocupar o lugar do carismático João Paulo II, mas, implacável, a opinião pública nunca poupou o Papa alemão a constantes comparações com o seu antecessor.
Injusta e abusiva, a tendência acaba, no entender de Francisco Vizeu Pinheiro, porretirar ao pontificado de Bento XVI muita da profundidade que lhe é devida.Docente na Universidade de São José, Vizeu Pinheiro sublinha a abordagem racional ao primado da fé que Joseph Ratzinger desde sempre procurou fundamentar e o impulso para promover o diálogo e partir ao encontro dos outros.«Foi sempre uma pessoa que fomentou a hipótese do diálogo através da razão. Eu penso que esse foi o grande contributo dele. Não foi tanto o ser dogmático, mas ser científico, porque a teologia também é uma ciência. Ele procurou sempre aproximar-se dos outros e criar pontes através dessa teologia», atesta o também arquitecto. «O Papa Bento XVI foi sempre muito criticado, mas foi um homem que conseguiu construir pontes. Construiupontes com os anglicanos. Criou pontes com os luteranos, ao estabelecer um entendimento sobre os aspectos em que a Igreja Católica e o Luteranismo estavam de acordo. Deixa também um extraordinário legado no que toca à aproximação às outras religiões, sobretudo ao Judaísmo, na perspectiva de reconhecer que o Catolicismo bebe muitas das coisas do Judaísmo. Este contributo para o ecumenismo e para o diálogo inter-religioso é fundamental», argumenta.
O diálogo entre a razão e a fé é um dos aspectos fundamentais da abordagem teológica de Joseph Ratzinger, domínio em que o legado do Papa emérito se prefigura como inequívoco.Bento XVI é consensualmenteconsiderado como um dos maiores teólogos cristãos e deixa, naperspectivado padre José Mario Mandía, um legado teológico e magisterial de referência para a própria doutrina da Igreja. «OCatecismo da Igreja Católicae oCompêndio do Catecismo[da Igreja Católica], que foram publicados em 1992 e em 2005, respectivamente, durante o pontificado de São João Paulo II são, porventura, o legado mais duradouro de Bento XVI. Ocardeal Ratzinger era o Prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé e foi sob a sua supervisão que estes projectos se materializaram. O Catecismo da Igreja Católica foi o primeiro catecismo católico com um teor oficial publicado em mais de quatrocentosanos e vendeu mais de três milhões de cópias em diferentes línguas; é lido mesmo por pessoas que não são cristãs», notao antigo director d’O CLARIM.
Reunida na sua edição oficial, a obra teológica de Joseph Ratzinger soma 21grossos tomos e coloca o Papa bávaro entre os maiores teólogos da Igreja de todos os tempos. O seu Magistério destaca-se pela clareza, pela profundidade e pela sensibilidade espiritual, alicerçada numa abordagem que coloca Cristo como pedra fundamental da vida da Igreja.«Penso que no coração da visão teológica do Papa Bento XVI está a centralidade de Cristo e esta visão indica a direcção para o futuro. Isto, obviamente, não constituiuma cisão com os anteriores ensinamentos da Igreja, mas é uma ideia que ele repetiu com insistência», salienta o padre José Mário Mandía. «A determinada altura, ao falar com os jovens, ele disse-lhes: “Queridos jovens, a felicidade de que estais à procura, a felicidade que têm o direito de aproveitar,tem um nome e um rosto: é Jesus de Nazaré, escondido na Eucaristia. Apenas ele oferece a plenitude da vida à Humanidade! Com Maria, digam o vosso próprio sim a Deus, porque ele deseja oferecer-se a vós”», recorda o também docente da Universidade de São José.
Marco Carvalho