O nosso tempo

Um pontificado breve?

Estão abertas, do ponto de vista institucional, as portas para um papado breve, diz o Papa Francisco. E o homem corajoso que abriu tais portas foi Bento XVI, reconhece ainda o Santo Padre.

«Pode bem acontecer que o meu pontificado dure mais dois ou três anos. E que em vez de um Papa resignatário passe a haver dois…»

Estará Francisco a preparar-nos para qualquer evento, eventualmente o da sua própria resignação, quando entender que é o tempo certo?

Se assim for, confirma-se uma revolução tranquila na Igreja de Roma, mais uma, que a aproxima do mundo concreto em que vivemos, o do nosso tempo.

Um mundo em que as instituições se adaptam e se renovam com o injectar de sangue novo, através de uma sucessão de pontificados relativamente curtos. De modo que a cada ciclo corresponda um novo guia, visionando novos caminhos, num mundo de desafios cada vez mais imprevistos.

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Distante parece estar, e muito, esse modelo do “ficar até ao fim” de João Paulo II, testemunho do sofrimento humano levado ao extremo.

Não me lembro de ter ouvido ninguém interpretar o calvário de João Paulo II de outra maneira que não uma prolongada agonia, onde o homem de acção e de diálogo encetou de forma mais visível o caminho de renúncia pessoal, a mais extrema. Por que não dizê-lo: o caminho de santidade?

Ouso compreender, todavia, no legado espiritual do saudoso Karol Wojtyla, duas mensagens distintas, dirigidas quiçá a dois tipos também distintos de destinatários: a do atleta da oração e da canoagem, dos retiros de jovens e dos passeios na montanha – e, depois, no ocaso da vida, a do homem do silêncio, da contemplação e da dor.

Os jovens terão compreendido melhor a primeira mensagem, a do abraçar da vida em plenitude. E os mais velhos terão integrado melhor, na sua própria experiência vivencial, a derradeira entrega, a que se inicia com as primeiras manifestações de Parkinson.

Ficar até ao fim foi o modo de João Paulo II mostrar ao mundo toda a magnífica paisagem do sentir, do agir, do crer da imensa alma humana.

E então Bento XVI? E então Francisco? Que terão pensado e pensam eles próprios da mensagem de resistência sem limites, da extrema doação, do seu antecessor?

Compreender esta diferença profunda de pontos de vista, entre o pontificado vitalício e o pontificado curto (as palavras são aqui desajeitadas para o que se quer exprimir) é naturalmente um desafio.

E como tudo isto releva da tradição e não do dogma, discernir as razões por detrás de ambas as posições constituirá uma chave mais de interpretação de como a Igreja se perspectiva em cada época.

 

Que liderança?

Que conclusões lógicas retiro, pois, desta alusão do Papa Francisco a propósito do seu próprio tempo, eventualmente curto, na cadeira de Pedro, feita pela segunda vez, em dois anos, aos Órgãos de Comunicação Social?

Começo por dizer que há uma coragem imensa na resistência, no ir até ao fim; como há idêntica coragem na renúncia – quando uma e outra assentam nos mesmos princípios. Porque são formas alternativas, mas paralelas, de doação.

Desde logo, o que a renúncia ao cargo pontifício revela é a consciência do desafio de uma Igreja em mudança, num mundo em mudança. Da fragilidade humana. E do desejo de responder a tais circunstâncias. O que requer a renovação da sua liderança, como em qualquer instituição humana.

Esta frase, estou certo, suscitará a desaprovação de muitos que nela verão uma indesculpável falta de confiança no poder superior que, acreditam os cristãos, acompanha esta caminhada dos sucessores de Pedro, há já mais de dois mil anos.

Mas a mesma frase, convenientemente interpretada, fornece pistas para uma leitura criativa da Mensagem que alie verdade e evolução, termos que não se atraiçoam reciprocamente, se bem compreendidos.

No entendimento que se tem hoje do funcionamento das instituições, sabe-se que muito do que se foi considerando, durante séculos, como expressão das verdades de sempre, não passava afinal de práticas contextualizadas no tempo, respondendo porventura a desafios de cada época.

Na distinção ponderada entre essencial e acessório, também em domínios tão sensíveis como os da prática religiosa, se abrirão cada vez mais (ou não…) portas a evoluções necessárias….

Há duas formas de se ler o modo como a Igreja está na sociedade. Ou é guiada pela sociedade, seguindo-a na sua evolução; ou a Igreja propõe vias alternativas de evolução, na base dos valores que professa.

A intuição sugere que é naturalmente a segunda que se conforma com a sua própria missão de Mãe e Mestra. É nas exigências desse magistério que reside o maior dos desafios.

 

Sinais dos tempos

Desde o Concílio Vaticano II familiarizei-me com a ideia de “sinais dos tempos” – essas chaves de entendimento do nosso mundo que ajudam a interpretar os desígnios de Deus.

Será eventualmente nos sinais dos tempos que poderemos encontrar os indícios de uma nova forma de conceber não só o magistério da Igreja – com mensagem adequada aos desafios de hoje – como o modelo da sua liderança, neste nosso século XXI.

Vivemos num século grande, nas suas tragédias e nas suas oportunidades, nas suas cobardias e nos seus heroísmos.

Poder dizer um pontífice de si mesmo que ninguém, nem ele próprio, é indispensável, constituiu um exercício extraordinário de humildade e de anulação pessoal.

Para mim, constitui uma extraordinária manifestação de coragem e de transparência. Características em que poderão passar a inspirar-se as próprias instituições da sociedade civil.

Carlos Frota

Universidade de São José

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