“Como eu vos amei”: Caridade na verdade

5º DOMINGO DE PÁSCOA – Ano C – 15 de Abril

“Como eu vos amei”: Caridade na verdade

Às vezes gosto de assistir a documentários sobre o Espaço. Provavelmente, a minha mente precisa de vaguear um pouco na vastidão do Universo para relativizar os pequenos problemas pessoais que costumo exacerbar. Sou fascinado por fenómenos astronómicos como o “big bang”, a expansão do Universo, a matéria negra e, claro, os buracos negros. Os buracos negros estão entre as forças mais poderosas do Universo. Nada pode escapar à sua atracção gravitacional quando um certo ponto sem retorno (chamado de “horizonte de eventos”) é ultrapassado – nem mesmo a luz: é por isso que eles parecem ser “negros”.

O Evangelho deste Domingo (João 13,31-33a, 34-35) descreve as palavras de Jesus durante a Última Ceia, quando as trevas do mal lentamente envolveram tudo ao seu redor. A passagem do Evangelho começa por dizer que Jesus pronunciou estas palavras “depois de Judas ter saído”: sabemos que “era noite”.

Não sabemos descrever a escuridão que engoliu a alma de Judas: ganância, desilusão, cegueira moral, ambição, ou uma mistura de todas elas. Mas quando Judas deixou Jesus e os outros discípulos, ele entrou no “horizonte de eventos do mal”, cuja atracção acabaria por destruir a sua vida. Um bom lembrete de que não é bom para nenhum de nós ir muito longe do único lugar, a Igreja, onde os nossos “pés sujos”, a nossa verdade, podem ser expostos e lavados com misericórdia.

No meio desse poder abrangente das trevas, Jesus fala inesperadamente de glória, não de derrota; de amor, não de ódio. Ele é projectado para um futuro de luz, não para um passado visto como um fracasso. Hoje em dia, ouvimos muitas vezes diferentes grupos de pessoas a gritar “Glória a isto, glória àquilo!”, como significado da sua vitória sobre o inimigo. A glória de Jesus não virá da humilhação dos seus inimigos, mas de revelar plenamente o seu Coração, onde o mal, o ódio e a violência nunca criaram raízes, nem mesmo na Cruz. O amor do Seu Coração, e não outras armas, venceu a batalha final contra o mal e a morte.

Durante estes últimos anos, sentimos como que se a Humanidade se estivesse a aproximar lentamente de um ponto sem retorno para o futuro da civilização. Primeiro a crise climática, depois a pandemia, depois a guerra. A tecnologia e a globalização não produziram sociedades justas. As opiniões estão-se a tornar cada vez mais violentamente polarizadas. É realmente uma idade das trevas. Como na Última Ceia, no meio de tanta escuridão, neste Domingo Jesus repete o seu testamento final: «Dou-vos um novo mandamento, que vos ameis uns aos outros».

Como? Podemos argumentar que num mundo como este devemo-nos defender dos outros e não nos abrirmos para eles! Se estamos literalmente em guerra com aqueles que nos cercam, sejam soldados inimigos, pessoas com opiniões políticas opostas ou até mesmo o nosso cônjuge sem amor, então podemos sentir que é melhor lutar, não amar. Mas Jesus insiste que é o amor, e não o poder, que definirá a nossa identidade como cristãos e nos manterá na luz. O ódio e a violência, por outro lado, mesmo que por uma “boa causa”, podem-nos colocar perigosamente sob a influência de forças das trevas. Cuidado com isso!

O amor que Jesus exige de nós é um amor maduro, um amor em acção, não uma exibição superficial de emoções. Por isso, Jesus pediu aos seus discípulos que se amassem “como ele nos amou”: com a mesma modalidade “Pasqual” que inclui o mútuo “lava-pés”, o perdão e, certamente, a cruz. É a “Caritas in veritate”, a “Caridade na verdade”, que devemos experimentar primeiro em nós mesmos e na Igreja, e só então poderemos oferecê-la aos outros. Esse tipo de amor é sempre possível, mesmo nas circunstâncias mais desesperantes.

Recentemente ouvi notícias de um casal, com uma dolorosa história de conflitos, que quase dissolveram o casamento. Depois de mais de uma década de separação, decidiram não se divorciar, mas começar de novo e unirem-se lentamente como marido e mulher. Esta notícia alegrou realmente o meu coração. É um exemplo simples de como colocar humildemente em prática os mandamentos de Jesus dentro das realidades complexas das nossas vidas. Isto mostra que realmente existem pessoas que se tentam amar umas às outras como Jesus.

Apesar da guerra, da pandemia, da política e das nossas questões de relacionamento, é possível, portanto, escolher esse “amor maduro”, mesmo para si e também para mim, de um modo que só os nossos corações conhecem. Não vamos desistir de tentar.

PS: Um facto interessante: parece que a muito longo prazo e sob certas condições, até os buracos negros acabarão por evaporar.

Padre Paolo Consonni, MCCJ

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *