SÃO BARTOLOMEU DE COIMBRA

SÃO BARTOLOMEU DE COIMBRA

A igreja dos magarefes

A Coimbra dos anos 90 não é a mesma cidade de hoje em dia, e quem por lá passou ou ali teve a oportunidade de viver, certamente lembrar-se-á das noitadas na Baixa. Especialmente se em Coimbra viveu os anos de estudante, nas tascas das ruas da Baixa, onde se organizavam grandes jantaradas entre estudantes, que – regra geral – acabavam a altas horas da noite.

Tive eu a oportunidade de viver alguns anos em Coimbra. Na Baixa só vivi um ano, mas deu para conhecer muito bem toda aquela zona, tanto de dia como de noite.

Vivi também um ano no Beco de Montarroio, mesmo ao lado do Pátio da Inquisição, onde durante muitos anos esteve estacionada uma chaimite desactivada, que a altas horas servia de poiso para umas últimas palavras antes de rumar à cama.

Da Baixa, assim como da Alta de Coimbra, guardo memórias inesquecíveis, que me colocam um sorriso na cara ao lembrar das conversas tidas com os colegas de então. Foram dois anos que me prepararam para a vida e criaram amizades que o tempo não apaga.

Além das memórias gastronómicas e boémias que esta zona traz ao pensamento, outras lembranças ficaram guardadas. Entre a miríade de imagens, cheiros e ruídos, há um edifício, por coincidência religioso, que ficou igualmente marcado na minha memória, pois ali passei alguns momentos de introspecção. Embora esteja “entalada” entre prédios e ruelas, mesmo no centro nevrálgico da cidade (hoje considerado Património da UNESCO), a igreja de São Bartolomeu sempre foi um porto de abrigo para muitos que faziam da Baixa o final da sua deambulação nocturna pela zona escura da Luso Atenas. A relação que íamos fomentando com os “futricas” (termo pelo qual os conimbricenses eram conhecidos pelos estudantes vindos de fora), fossem eles limpadores de rua, vendedores de petiscos ou proprietários de um qualquer boteco ou tasca, era também na igreja de São Bartolomeu reforçada, uma vez que para estes o templo era local de passagem diária.

Os antigos moradores da “Aeminium”, que populavam a Baixa e a Alta de Coimbra, de uma forma subtil faziam os forasteiros sentirem-se bem-vindos, o que tornava estes “bairros” muito apetecíveis. Quanto à religiosidade, quando se abordava este tema duas paixões vinham ao de cima: eram elas, a Rainha Santa (Isabel), padroeira da cidade, e São Bartolomeu. Tal dedicação perde-se no tempo, como se pode ler numa nota descritiva sobre o Património Cultural de Coimbra: “Um dos locais religiosos mais antigos da cidade de Coimbra. Com efeito, e embora se desconheça a data de primitiva edificação desta igreja, há notícia que em 957 tenha sido doada ao Mosteiro de Lorvão”. Logo, depreendemos que é bem mais antiga do que a igreja dedicada à própria padroeira da cidade, que data do Século XIII.

A igreja de São Bartolomeu localiza-se no Largo de São Bartolomeu, junto à Praça do Comércio. Não muito longe, no Terreiro da Erva, havia um bar, o “1910”, em que o Fado de Coimbra acompanhava a cerveja e o chouriço assado. Mas podemos falar também da pensão/taberna “Carmina de Matos”, na Praça 8 de Maio, local onde íamos no início do mês quando a mesada ainda estava gorda… Apenas uma breve nota: o “Carmina de Matos” reabriu agora como restaurante, totalmente remodelado, mas perdeu todo o apelo antigo.

A igreja de São Bartolomeu, que chegou a dar nome à praça (actualmente Praça do Comércio), data do Século X. Há alguns anos, aquando dos últimos trabalhos de restauro, foi descoberto espólio que remonta ao período da primeira fundação. No interior, uma grande tela alude ao martírio de São Bartolomeu e num retábulo destacam-se as pinturas alusivas à morte e ressurreição de Cristo.

Apesar de ser pouco conhecida, a importância desta igreja é facilmente aferida ao olharmos para a sua envolvência. O traçado dos arruamentos não deixa de ser curioso, dado que as casas do lado da Praça Velha localizam-se em linha perpendicular à igreja românica. A Rua dos Esteireiros acompanha a fachada norte da igreja e segue uma antiga vala que escoava, até ao rio, as águas de um grande esgoto de origem romana, o qual na toponímia da cidade era chamado de “Sota” – daí a existência do Largo da Sota e de uma rua com o mesmo nome, situados nas imediações da igreja de São Bartolomeu. Esta vala foi entretanto coberta e não se conhecem vestígios da mesma, somente algumas referências em registos históricos mais antigos.

O interior do templo é sóbrio, destacando-se as cantarias dos púlpitos, portas, janelas e os arcos das capelas. O arco da capela-mor é em asa de cesto. O retábulo-mor domina todo o espaço, captando a atenção dos visitantes. Foi executado pelo notável entalhador de Coimbra, João Ferreira Quaresma, contratado em 20 de Dezembro de 1760 para o efeito.

Apesar de toda a sua simplicidade, a igreja é parte indissociável da praça onde se insere, outrora denominada Praça de São Bartolomeu, como já referi. Nesta praça realizou-se durante séculos, até 1867, o mercado da cidade e até se correram touros. Foi também sede do Paço dos Tabeliães (notários) e funcionou a Junta dos Vinte e Quatro dos Mesteres e o Paço do Concelho.

São Bartolomeu é o patrono dos açougueiros e magarefes (carniceiros), cujos talhos estavam na praça e ruas confinantes, isto é, junto da igreja do seu santo padroeiro, sendo esta a principal justificação para a sua edificação neste local.

João Santos Gomes

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