DISCURSO PROFERIDO POR OCASIÃO DO 1.º DE DEZEMBRO

DISCURSO PROFERIDO POR OCASIÃO DO 1.º DE DEZEMBRO, EM MACAU

Caros Conjurados!

Em resposta ao desafio que me foi lançado pelo doutor Jorge Rangel, alinhavei algumas ideias que há muito tenho sobre Portugal, os Portugueses e o regime político pelo qual somos governados.

Neste Primeiro de Dezembro, Dia da Restauração da (nossa) Independência, não vou falar dos Quarenta Conjurados, de Miguel de Vasconcelos, de D. João IV ou dos vários episódios que há precisamente 379 anos libertaram o Império Português das amarras do Reino de Espanha. Vou falar-vos do presente, para que possamos reflectir e projectar o futuro.

Nos meus ainda tenros – ou ternos, talvez – 42 anos, penso muitas vezes sobre o que queremos que seja Portugal; sobre o que nós portugueses queremos ser, enquanto cidadãos no mundo e herdeiros de uma história com 880 anos. E então questiono, invariavelmente: qual o nosso desígnio?

Há 33 anos, era então Mário Soares Primeiro-Ministro, e Portugal aderia à Comunidade Económica Europeia (CEE) – podem não acreditar mas lembro-me como se fosse hoje, pois no dia em questão fui jantar a casa de uns tios em Lisboa e à mesa não se falou de outros temas, tal era a expectativa de que tudo iria melhorar.

Finalmente europeus por tratado, virámo-nos para a Europa, para o Velho Continente, quando o nosso futuro está, sempre esteve e continuará a estar, no Oceano Atlântico. Os discursos versavam três tópicos: aproximarmo-nos dos índices de riqueza e desenvolvimento de Espanha, reforçar a velha aliança com Inglaterra e agradar ao eixo franco-alemão, o mesmo será dizer aos grandes financiadores do projecto europeu.

Com Cavaco Silva na chefia do Governo de Portugal, voltámos a pegar no astrolábio e traçámos novas rotas para o Novo Mundo e para África. No primeiro caso, porque a nossa presença na NATO e uma gratidão de dívida para com os norte-americanos contraída durante o Período Revolucionário em Curso (PREC) eram razões mais do que suficientes para fazermos da Administração Reagan uma parceira privilegiada. No segundo caso, porque teria de caber a Portugal o papel de mediador nas negociações de paz entre os diferentes grupos armados nas ex-colónias ultramarinas, principalmente em Angola e Moçambique.

Pacificadas as hostes revolucionárias – leia-se MPLA e UNITA, em Angola; FRELIMO e RENAMO, em Moçambique –, Cavaco Silva e depois António Guterres lançaram as poucas lanças que ainda nos restavam em África e fizeram deste continente o objectivo prioritário. Portugal Telecom, EDP e GALP, por exemplo, foram algumas das empresas que realizaram fortes investimentos nos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP), chegando em alguns sectores a medir forças com empresas de países bem mais musculados, tanto a nível político como económico. Acontece, porém, que andava Portugal distraído com África e os principais Estados-membros da União Europeia já voavam para o Império do Meio para conhecer o dragão que após Tiananmen nunca mais adormeceu.

A Administração Portuguesa de Macau negociava praticamente sozinha os termos da transferência de soberania com a República Popular da China, dado que Lisboa lá longe não conseguia percepcionar que mais importante do que assegurar o “hoje” era garantir o “amanhã”. E foi o arrear da bandeira – momento nostálgico, sem dúvida, mas com o qual nos devemos orgulhar. E digo-o sem receio, pois basta olhar para o actual estado em que Hong Kong se encontra… – que fez Portugal, o Estado Português, acordar para a China e para a Ásia, embora já fosse tarde. Com os milhares de portugueses que na Taipa embarcaram na TAP rumo à Metrópole, foram também as empresas portuguesas que anos antes construíram ou ajudaram a construir as principais obras que constituem hoje a mais preciosa herança desse tempo. É que no mundo capitalista não são os Estados que investem, mas sim as empresas.

Depois de 1999, não havendo mais mundo para voltar a mudar a agulha da bússola, veio o desnorte. Ainda tentámos o Brasil, mas em vão! Hoje queremos estar em todo o lado, sem saber onde de facto devemos estar. Talvez por isso haja quem como eu, desconsolado e céptico, me apoie na bengala do Quinto Império de Pessoa, criado por meio da Língua Portuguesa e das tradições culturais com que embelezámos os cinco continentes.

Recuando aos Descobrimentos, a época mais gloriosa da História de Portugal, e a outros períodos que a eles se seguiram, temos o dever intelectual de admitir que a Monarquia, com todos os seus altos e baixos, tudo fez para que o Reino conquistasse o seu desígnio: o de se cumprir a si próprio, sob o mandamento de Deus, evangelizando, aculturando, mas sem nunca deixar de se integrar no mundo – algo muito diferente do que fizeram os restantes colonizadores europeus.

Não se comemora criticando; daí que não o faça agora em relação à República. Não sendo monárquico, apenas um simpatizante da Monarquia, vejo nesta o último reduto das nossas tradições e fonte dos valores morais e éticos pelos quais devemos reger a nossa condição de cidadãos, para que possamos ser bons filhos, bons pais, bons avós, enfim, para que sejamos pontes sólidas entre gerações. Os países são as pessoas. Sejamos assim verdadeiros portugueses, para que haja Portugal.

Obrigado a todos!

José Miguel Encarnação

 

 

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