Sociedades envelhecidas exigem mudanças sociais e políticas
Vamos durar cada vez mais. Quanto mais? E qual será a nossa qualidade de vida? Em Portugal, o que está a ser feito para acompanhar a mudança? Assistimos a uma conferência sobre o futuro do envelhecimento à procura de respostas para estas perguntas.
Os investigadores de demografia e envelhecimento têm uma certeza: os humanos vão viver cada vez mais anos. Roland Rau, do Instituto Max Planck para Investigação Demográfica, na Alemanha, explica que «em cada dez anos, a esperança de vida aumenta, em média, 2,4 anos: ganhamos seis horas em cada dia». A curva dos gráficos de esperança média de vida tem vindo sempre a aumentar. Mas «as idades que mais contribuem para o envelhecimento são as que têm mais de oitenta e de noventa. Porquê? Porque estamos a adiar o envelhecimento», explica o investigador, na conferência “Ageing Futures”, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Se há quem ultrapasse largamente os cem anos, também é verdade que o número de centenários tem vindo a crescer. De acordo com previsões do Instituto Nacional de Estatística (INE), até 2080, a esperança média de vida em Portugal vai aumentar dez anos: mulheres 92 anos e homens 87. Já há quatro mil 287 pessoas com mais de cem anos. Em cinco anos, o número mais do que duplicou e até 2080 vai aumentar cinco vezes. Serão, nessa altura, quase 22 mil, prevê o INE.
«Estamos a adiar a morte para idades cada vez mais altas. Quanto pode a vida humana ser prolongada? A pessoa que viveu, comprovadamente, mais anos morreu com 122», questiona Roland. Mas será que vamos viver até depois dos cem anos? Uma coisa é o recorde de longevidade que mostra a pessoa que viveu mais anos. Outra bem diferente é a esperança média de vida. Mas há coisas que ajudam a viver mais anos e de forma saudável. «Se tomarmos como exemplo os mórmons, que não bebem álcool nem fumam, eles têm uma esperança média de vida dez anos superior à população geral. Não precisamos de ficção científica para ter mais esperança de vida no futuro. Se há limites, não estamos perto desses limites. Falei só de mortalidade e não de morbilidade», alerta.
Esse é o tema da investigação de Carol Jagger, professora e investigadora de Epidemiologia do envelhecimento na Universidade de Newcastle, no Reino Unido. Participou e acompanha um estudo sobre a classe etária que mais tem crescido: os 85+, chamados “muito velhos”. Carol afirma que «vivemos mais anos, mas com menos independência ou saúde». Ou seja, «não estamos a ser assim tão bem sucedidos no envelhecimento», uma vez que «o aumento da esperança de vida nos mais idosos não está a ser acompanhado de ganhos equivalentes em relação aos anos livres de incapacidades ou dependência». A investigadora usou os dados de uma investigação que, no Reino Unido, comparou pessoas com 65 anos em 1991 e em 2011. Conclusões: nestes vinte anos, os homens ganharam 4,5 anos de vida, dos quais 2,6 livres de incapacidades e 1,5 com incapacidades. Já as mulheres ganharam 3,6 anos de vida. Mas a esmagadora maioria, 3,1, desses anos eram com incapacidades. «A boa notícia para as mulheres é que a maioria das incapacidades são médias e não profundas», afirma. Estes números são explicados por «comportamentos não saudáveis: obesidade, diabetes, falta de actividade física e social e o número de doenças crónicas, que tem tendência a aumentar». As pessoas chegam aos 65 anos já com alguma doença, o que significa que terão sempre mais do que uma. «Entre 2015-2035, duplicará o número de pessoas com mais de 65 anos com quatro doenças e 1/3 terá mais de quatro. A multimorbilidade (mais de duas doenças) é prevalecente. Haverá um aumento de idosos com quatro ou mais doenças, doenças mais complexas e trinta por cento terão doenças demenciais. A maior parte dos anos a mais será com doenças. Isso sobretudo por causa do envelhecimento», prevê Carol Jagger. Mesmo assim há outras notícias: as demências aparecem cada vez mais tarde, graças ao aumento da educação. Não fumar, ter uma vida activa e alimentar-se bem faz ganhar anos saudáveis.
A investigadora britânica apresenta dados sobre esperança média de vida à nascença e aos 65 anos. Comparativamente com a Suécia, o país com melhores resultados, em Portugal, aos 65 anos, as pessoas têm menos dez anos de esperança média de vida.
Manuel José Lopes, coordenador da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, pega nisto e na sua experiência para dizer que «após os 65 anos, temos um grupo populacional com uma grande carga de doença e, ao mesmo tempo, com vários níveis de dependência funcional». São mais de dois milhões de pessoas e «previsivelmente cerca de metade tem algum tipo de dificuldade na execução das tarefas básicas ou instrumentais de vida diária». Os que têm mais dificuldade são três por cento, cerca de 310 mil pessoas.
José Carreira, da associação Alzheimer Portugal, afirma que é preciso olhar para os idosos como um investimento, porque «são eles a riqueza de um país». E está convicto: «Não é um problema ter mais idosos, o problema é a doença. Nós queremos um envelhecimento activo, saudável, mas também feliz».
Manuel José Lopes, enfermeiro de formação e investigador, concorda: «A velhice não é um problema. Dentro das pessoas idosas, há um pequeno grupo, muito pequeno, e normalmente com mais de 75 anos, eu diria até oitenta anos, que tem um alto nível de dependência e que precisa de cuidados mais completos». Para estas pessoas, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, que coordena, tem apoios e cuidados consoante as necessidades. Primeiro os hospitais ou centros de saúde referenciam a pessoa. Depois é definido um projecto em conjunto com o doente e a família. «As pessoas não entram na rede para ficar lá. A maioria esmagadora das pessoas que vai para a rede sai com objectivos terapêuticos alcançados», explica.
As mudanças provocadas pelo envelhecimento abrem desafios aos sistemas de saúde e de segurança social. O coordenador da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados afirma que os centros de saúde e os hospitais «não se adaptaram a esta nova realidade, a pessoas que têm multimorbilidade e, muitas vezes, têm muita dificuldade em procurar os cuidados de que precisam».
Para Manuel José Lopes, os problemas existem e estão identificados: à saída do hospital e à saída da rede. Nos hospitais: «Ainda persiste uma certa cultura da alta de sexta-feira e a pessoa é informada na sexta-feira que tem alta. E isto é um problema. Nestas pessoas, a alta não é alta médica e tem de ser preparada no dia em que a pessoa entra para o hospital». Na saída da Rede de Cuidados Continuados Integrados: «À volta de trinta por cento das pessoas que temos nas unidades de longa duração são pessoas que já poderiam estar noutro tipo de respostas sociais. Poderíamos ter mais vagas, se saíssem».
Que mudanças introduzir? Manuel José Lopes propõe uma organização diferente dos hospitais. «Os serviços estão organizados em função dos órgãos, numa perspectiva biomédica e não em função de multimorbilidade. A título de exemplo, não entra nenhum idoso numa Medicina com uma morbilidade, têm sempre mais. Não haverá uma pessoa com quebra do colo do fémur que tenha só uma morbilidade. Tem sempre mais. Não precisa só de um ortopedista. Esta divisão por órgãos não facilita», explica. Este responsável defende que a visão sobre o idoso deve ser mais holística e integrada, como há em outros países. Mas «não há em Portugal especialidade médica de geriatria». Também os cuidados de saúde primária deveriam ter uma perspectiva preventiva e não reactiva como tem sido feito, defende.
O coordenador da rede diz que «não podemos olhar para as necessidades destas pessoas como cuidados médicos. Estas pessoas têm necessidades de cuidados de saúde e cuidados sociais. O foco da rede é a dependência. A resposta tem de ser em continuidade e integrada». Manuel José Lopes reconhece que a Rede de Cuidados Continuados Integrados ainda «é uma resposta muito curta» porque tem «cerca de cinquenta por cento de capacidade do que foi prometido em 2006». Essa capacidade são oito mil e 400 camas e seis mil respostas domiciliárias. «No conjunto entre respostas sociais e da Rede Nacional de Cuidados Integrados, temos à volta de 288 mil respostas. Temos à volta de 310 mil pessoas com dificuldades», admite. Quem fica de fora nem sempre tem capacidade de procurar o que precisa. «Percebe-se que há um grupo de pessoas, que está em sua casa, extremamente dependente, normalmente a ser cuidado por alguém da mesma idade e que não tem capacidade de procurar respostas além das que aquela pessoa da mesma idade lhe oferece», afirma, apontando para cerca de cinquenta mil pessoas nesta situação. «É um número sobre o qual temos de reflectir, e é uma questão de equidade no acesso. É algo que me preocupa imenso».
José Carreira, presidente da associação Alzheimer Portugal, afirma que «cerca de oitenta por cento dos cuidados são prestados por cuidadores informais». Isso levanta problemas e preocupações. «As famílias portuguesas querem, sempre que seja possível, cuidar dos seus familiares. Mas não é porque se é familiar que se tem todas as condições para cuidar. É preciso formar os familiares. É preciso trabalhar bastante nesta área», defende. José Carreira diz que também é difícil encontrar quem queira trabalhar como cuidador formal, o que coloca problemas no futuro: «Temos e teremos pessoas com mais idade e menos pessoas a viver em Portugal. Quem é que vai cuidar? Quem é que vai pagar os cuidados? Como é que vamos cuidar? Hoje muitos portugueses emigram para outros países e prestam cuidados lá. Será que este movimento vai acontecer ao contrário? Qual vai ser o novo perfil do cuidador?».
Manuel José Lopes, da Rede de Cuidados Continuados Integrados, admite que «os desafios estão sistematicamente à nossa frente e temos de estar sistematicamente a reinventar respostas». Uma das suas preocupações são os cuidados em casa, «porque são muito menos utilizados do que nós gostaríamos e isso resulta em primeiro lugar essencialmente de uma questão cultural e de uma baixa referenciação».
Para tentar dar resposta e aproximar as soluções das necessidades e dos desejos das pessoas, Manuel José Lopes explica que há duas experiências a decorrer. Uma é uma equipa domiciliária composta por pessoas com nove profissões diferentes e que actua todos os dias da semana e em todos os horários. «Tem higiene ao fim de semana, tem o que precisar. Os nove perfis profissionais não vão todos a casa da pessoa. De acordo com o seu nível de dependência, é procurada a resposta mais adequada», explica. Outra experiência em campo acontece em Lisboa, onde, ao contrário do que se poderia pensar, a cobertura de cuidados «é péssima». Estão a ser criadas equipas de cuidados domiciliários com a Câmara Municipal e a Santa Casa da Misericórdia. Admitindo correr atrás da mudança constante, o coordenador e investigador afirma que «não temos muita hipótese de reduzir muito a carga da doença». É porquê se a Medicina tem evoluído tanto? «Tudo quanto nos acontece na vida tem um preço e, de facto, as dificuldades que tivemos têm um impacto. Desde logo termos tido um trabalho mal pago, decorrente de não termos formação, até ao facto de termos profissões muito duras que nos maltrataram… tudo isso se paga na velhice. Obviamente que agora temos outras: o facto de andarmos a comer muito, demasiados doces e a mexermo-nos pouco também se vai pagar. Somos o país com mais prevalência de diabetes. Isto vai pagar-se e de que maneira».
Mudar o sistema de saúde e de segurança social e ter cuidados em continuidade e integrados é a principal proposta destes especialistas e directores associativos. Carol Jagger diz que é «preciso pensar que o envelhecimento é maleável, entre a dádiva de estender a vida e de envelhecer saudavelmente». Estar activo física, social e mentalmente é um passo importante.
CLÁUDIA SEBASTIÃO
Família Cristã