O maior buraco negro de Stephen Hawking
“A religião é inimiga da ciência? (…) Ora, de facto, não é assim, apesar de persistirem alguns equívocos na relação entre essas duas actividades humanas. Elas podem coexistir. Há muitos cientistas que são crentes, estando essa crença distribuída por várias confissões religiosas. E há até alguns ministros de igrejas que não só têm uma sólida formação científica como a colocam em prática fazendo investigação. Ciência e religião são duas visões do mundo muito diferentes e, apesar da má fama criada pelo caso Galileu e pelo caso Darwin, coexistem de facto. No século XVII, Galileu já tinha o assunto muito bem arrumado na sua cabeça: ele era ao mesmo tempo crente e cientista. Acreditava em Deus e pensava que, se Deus tinha dado a razão ao Homem, este a devia exercer no estudo da natureza: ‘Eu não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que me dotou com os sentidos, a razão e o intelecto, pretenda que renunciemos à sua utilização para nos dar por outros meios conhecimentos que podemos alcançar através deles’.
É preciso reconhecer que as atitudes e os métodos da ciência e da religião são fundamentalmente diferentes. Mas, apesar de as duas exercerem magistérios distintos, nada impede que ciência e religião cooperem na procura dos destinos da Humanidade. Por exemplo, grandes questões com que os habitantes da Terra se confrontam, como o aquecimento global em resultado de descontrolada acção humana, apesar de terem sido e continuarem a ser analisadas pela ciência, têm uma resposta que ultrapassa em muito o domínio da política, que rege as decisões colectivas. E, na mobilização da vontade colectiva, as posições de líderes religiosos podem ter um papel importante. Foi muito positivo que o actual Papa, Francisco, tenha em 2015 publicado a encíclica ‘Laudato Si’ (‘Louvado Sejas’), que é um documento baseado na melhor ciência de que dispomos (deve recordar-se que o Papa teve uma formação secundária em Química Técnica e que chegou a realizar profissionalmente análises químicas antes de entrar no seminário). Nesta encíclica, que já foi chamada ‘verde’, são nítidas as preocupações ecológicas, não apenas no que respeita às alterações climáticas, mas também a outros prejuízos que algumas das nossas acções causam à vida no planeta”. In A CIÊNCIA E OS SEUS INIMIGOS, de Carlos Fiolhais e David Marçal, Gradiva.
Stephen Hawking, físico britânico recentemente falecido, era um crente no universo e nas leis da física. Foi um apaixonado pela ciência, pela vida, casou duas vezes, teve filhos, viajou, estudou, comunicou e trabalhou.
Definindo-se como ateu, defendia que “no passado, antes de entendermos a ciência, era lógico acreditar que Deus criou o Universo”, mas “agora a ciência oferece uma explicação mais convincente”. A religião acredita em milagres, mas estes são incompatíveis com a ciência, ipso facto, serem milagres.
Apesar da doença incapacitante, viveu 76 anos quando tudo indicava que viveria pouco. Aos 21 anos foi-lhe diagnosticado Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença que causa a morte dos neurónios responsáveis pelos movimentos voluntários; foram-lhe dados apenas mais alguns anos de vida, mas Stephen Hawking desafiou as probabilidades e viveu mais 55 anos do que era esperado, sem medo nem pressa de morrer – uma lição de vida para o mundo ou a prova de que os milagres existem fora das expectativas e previsões científicas e ele foi um feliz contemplado?
O seu trabalho científico destacou-se na área da relatividade e dos buracos negros, e no decorrer da sua vida, que conseguiu prolongar contra todos os prognósticos médicos iniciais, levaram-no a cruzar-se com a filosofia e, inevitavelmente, o mesmo caminho conduziu-o à religião.
Membro da Pontifícia Academia das Ciências desde 1986, Hawking foi recebido por quatro Papas – Paulo VI, em Abril de 1975; João Paulo II, em Outubro de 1981; Bento XVI, em Outubro de 2008; e Francisco, em Novembro de 2016 – e várias vezes convidado a falar sobre duas áreas que tantas vezes são colocadas em polos opostos: a religião e a ciência.
Em 2010, numa palestra dada na Pontifícia Academia das Ciências, em que falava sobre a origem do universo, Hawking disse que “os cientistas não criaram o mundo, eles estudam-no e tentam imitá-lo”.
Porém, o maior “buraco negro” terá sido a incapacidade, daquele que era apelidado como o mais inteligente do mundo, de não ter reconhecido com o seu cérebro a existência de um verdadeiro milagre no prolongamento da sua vida, que seria curta, breve e sofredora, pelo prognóstico médico que lhe foi feito com todo o rigor e saber científico devido à doença de que padecia, tendo vivido de uma forma tão rica, intensa e produtiva, todos estes anos – exemplo heroico de resiliência e dignidade humana.
Os milagres são fugas divinas ao saber e controlo do rigor científico; existem e não se anulam, antes se completam na consecução do saber da humanidade.
Susana Mexia
Professora