A aldeia em chamas
É conhecida a história de Kierkegaard sobre o palhaço e a aldeia em chamas.
O relato conta-nos que num circo da Dinamarca houve um grande incêndio. O director do circo pediu a um dos palhaços – já vestido como tal – que fosse rapidamente até à aldeia vizinha. O objectivo era pedir ajuda e avisar do perigo de que as chamas chegassem até lá.
O palhaço correu até à aldeia e pediu aos habitantes que fossem com a maior urgência ao circo para apagar o fogo. No entanto, os habitantes pensavam que se tratava de uma brincadeira e aplaudiram até chorar de tanto rir.
O palhaço tentava explicar-lhes que era algo sério e que o circo estava realmente a arder. A sua insistência somente aumentava as gargalhadas. Acreditavam os aldeões que nunca tinham visto um cómico tão bom e que representasse tão bem.
Até que o fogo chegou à aldeia. A ajuda foi demasiado tardia e tanto o circo como a povoação ficaram totalmente destruídos.
Esta história é uma boa comparação com a situação actual de tantos cristãos. Eles comprovam, frequentemente, o seu fracasso na tentativa de explicar aos outros a mensagem cristã de salvação.
“Mas ser salvos de quê?”, perguntam muitos.
E sorriem com um certo ar de troça. Eles já não são ingénuos.
Na sua aparente auto-suficiência não se dão conta – ou não querem reconhecer – que tudo nesta terra (a começar por nós próprios) traz em si o selo da caducidade.
Tudo é passageiro.
Por isso, para entender a mensagem cristã é preciso, em primeiro lugar, sentir a necessidade de sermos salvos.
É preciso darmo-nos conta de que, por muito avanço tecnológico que tenhamos alcançado, por muitos bens materiais que tenhamos adquirido, a miséria humana continua sempre presente à nossa volta e também dentro de nós.
Indigência material, opressões injustas, doenças físicas ou psíquicas, e sobretudo a morte, derradeiro escândalo da vida.
Como ficam sós os mortos, repetia o poeta com versos já gastos. Mas sós de verdade – acrescentava – ficam os vivos quando sofrem sem esperança.
Cegam-se a si próprios aqueles que pretendem não necessitar de salvação. Aqueles que afirmam não ter nada na sua vida de que se arrependam, nada que tenham feito mal.
Chamados à felicidade eterna, mas feridos pelo mal moral – muito mais sério do que o mal físico – todos necessitamos de uma salvação que só pode vir de Deus, a única realidade que não é passageira mas eterna.
Por isso, a fé – e o actuar de acordo com ela – não é um detalhe mais na nossa vida. É algo de enorme importância, com profundas consequências temporais e eternas.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria
Doutor em Teologia