Quando as estrelas se apagam…
Em duas crónicas consecutivas, para o nosso O CLARIM– verifico eu, ao pensar no tema desta semana – que “falo” de estrelas. Mas não no mesmo sentido.
Há as estrelas do céu, que nos inspiram, nos guiam (a estrela da manhã, a estrela de Belém…) e iluminam as nossas noites, real ou simbolicamente.
Há as estrelas luminosas que são como que uma preciosa renda, confeccionada com o carinho das devotas, onde de súbito se pressente Deus. A Face de Deus está para além das estrelas, perscrutarão teólogos, filósofos e literatos.
Em noites estreladas, os poetas e os namorados tentam contar as estrelas do céu, uns para projectar a sua poesia no mais alto e no mais longe que o seu olhar vislumbra; e os outros, para escreverem as letras do seu amor com tintas de eternidade!
E há as estrelas da terra. Aquelas que surgem nos firmamentos artificiais da cultura, da moda, da literatura, do teatro, do cinema, da música, da dança, de outras artes… e da política e do desporto. E que iluminam multidões, cegam mesmo pelo seu brilho fátuo. E que, inexoravelmente, empalidecem, pelo decurso inexorável do tempo, pela doença, pelo esquecimento dos outros.
Há dias faleceu em Paris um celebérrimo costureiro, famoso pelas suas criações e pelo modo originalíssimo com que trajava. Tinha criado toda uma liturgia em torno da sua pessoa. Erigira um altar ao seu Ego. Ele era a sua religião. E os seguidores, imensos…
Respeitando aquela pessoa concreta como ser humano, pensei o quão transitória é a arte a que o recém-desaparecido dedicou a sua vida. A arte da extravagância. A vida como um eterno carnaval, com as máscaras de Veneza a transformarem os modelos em mecânicos robots, personagens estranhas de uma estranha aventura espacial.
(Sempre observei com comiseração, de facto, o espectáculo das modelos, pobres raparigas subnutridas, numa marcha sacudida e o olhar perdido em lugar nenhum, a mostrar ao mundo fatiotas que só poucos/as ousarão vestir!).
O quão fútil era (crítica esta de lesa-majestade?) o pseudo-universo das criações desse falecido soberano de um reino de fantasia, nos antípodas de uma normalidade e de um quotidiano, partilhados por milhões de pessoas, onde as reais capacidades de cada um se podem, se pudessem exprimir! E esse mundo de fantasia gerou “valores”. De extravagância e de futilidade, que mais têm alimentado iguais inclinações da sociedade em geral.
Estou aqui a advogar uma sociedade com as mulheres vestidas com as cores sombrias das multidões da República Islâmica, onde são os ayatollahs a impôr o código vestimental? Como diz o povo, nem tanto ao mar, nem tanto à terra!
O DESTINO TRÁGICO DA FAMA
Sempre me fascinou – vá lá eu saber porquê!… – o tema do destino, muitas vezes trágico, de todas as grandes estrelas, desse céu precário, fugidio, fabricado pelos homens.
É a cantora lírica que perde a voz, no apogeu da sua carreira. É o futebolista muito jovem, fulminado no decurso de um jogo, por fatídico ataque cardíaco. Ou que, entre dois capítulos de um percurso brilhante, desaparece subitamente e para sempre no seu pequeno avião, como aconteceu recentemente, sepultado doravante nas águas fundas do Canal da Mancha.
Lembro neste momento o famoso corredor brasileiro Ayrton Senna, cuja vida acabou de repente, numa má curva da sua última corrida.
É a artista de cinema, ídolo das multidões durante décadas, a quem o destino prepara uma velhice triste, porque desaparecida a beleza física e a corte dos admiradores.
É a sedução, a histeria mesmo, para mim revoltante, inexplicável, do mundo do futebol e suas estrelas (não do jogo em si, repare-se); e do seu submundo, com os contratos multimilionários que nenhuma sensatez explica, senão a ganância dos intermediários e negócios conexos; e o endeusamento dos jogadores, até à mitificação a mais absurda, deuses provisórios que são, até a geração seguinte os esquecer. Mas, no seu apogeu, pontificam pela exibição atlética dentro do campo, e pela extravagância de vida fora dele, fazendo sonhar multidões pela colecção de carros de luxo, pelo tamanho do iate ou do avião privado, pela sumptuosidade das mansões em mais do que uma capital do mundo ou em resort famoso. Que sentido há nisso tudo?
O supérfluo dos muito ricos, considerei sempre, é um teste sério à sua inteligência das coisas humanas. Daí que Bill e Melinda Gates, com a sua Fundação, estão no lado oposto de uma escala, em que os colegas de fortuna estão quase exclusivamente no outro lado.
Dizia-se há duas ou três décadas atrás que a cantora egípcia Dalida foi definhando, como artista e como pessoa, quando as palmas foram-se tornando mais raras, de concerto para concerto. Situações destas, de perda gradual da fama, podem levar mesmo ao suicídio, porque vai desaparecendo a droga simbólica que sustenta o corpo, mas envenena a alma.
A SOLIDÃO DOS EX-POLÍTICOS
Contava-se em França, na década em que lá vivi (anos oitenta e noventa do século passado), que dois ex-Presidentes franceses se reuniam regularmente com dois ex-Chanceleres alemães, seus contemporâneos e portanto homólogos, no exercício das mais altas funções executivas, nos dois países aliados. E do que conversavam eles, nesses almoços ou jantares de ameno convívio, sem agendas políticas à sobremesa? Pois da solidão de se ser ex: ex-Presidente, ex-Chanceler…, e de se ser post, nesse exercício penoso de ter que viver depois disso, voltando-se ao anonimato e portanto à irrelevância, mesmo se relativa.
O desapossado do poder vê-se então limitado, quase só, ao lugar protocolar de uma qualquer lista oficial, quando não ignorado de todo. Tendo direito ao cumprimento já distante, já ninguém olha para ele com a reverência do passado, onde o seu olhar, o seu sorriso, um pequeno gesto, transformavam carreiras e mudavam o percurso de vida de centenas, senão de milhares de pessoas.
Fama, poder, glória, perfumes intoxicantes, venenos letais do espírito humano!
NOS JARDINS DO VATICANO…
…vive recolhido o Papa Emérito, protagonista de facto inusitado, a renúncia de um Papa e a ascensão à cadeira de São Pedro de um sucessor.
À gestão muito particular desse momento quase único da História do Catolicismo, esteve atento o meu olhar, sempre curioso para as realidades do poder.
Porque a Igreja Católica, como qualquer instituição humana, organiza-se em torno de um poder, se não de vários… não raro em conflito…
Como geriria Bento XVI o período subsequente ao seu Papado? Como seria tratado pela Igreja ? E pelo seu sucessor?
Lição exemplar para tudo o que antecede, exigirá uma outra crónica o tema das relações fraternas e respeitosas entre os dois Papas!
Carlos Frota