SONJA XIA, PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO JOSÉ

SONJA XIA, PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO JOSÉ

A sociedade secular quer que as mulheres ajam como homens

Para Sonja Xia, as mulheres podem contribuir de forma decisiva para a vida da Igreja Católica, num processo que não passa necessariamente pela possibilidade de poderem vir a ser ordenadas. Com um doutoramento em Teologia pela Universidade Católica de Louvaina, a docente da Universidade de São José acredita que a Igreja e a sociedade vão continuar a seguir caminhos diferentes enquanto a mulher continuar a ser vista à luz das mesmas expectativas com que se olha para o homem.

O CLARIM– Em Fevereiro, o Papa Francisco nomeou a religiosa francesa Nathalie Becquart para o cargo de subsecretária do Sínodo dos Bispos. Um mês antes, a Santa Sé reconheceu o contributo que as mulheres vinham a dar desde há décadas para a vida da Igreja, como leitoras e ministras da Comunhão. A forma como a mulher é vista no seio da Igreja Católica está a mudar? Até que ponto é que estas mudanças são ou não inevitáveis?

SONJA XIA– Bem, eu sou professora aqui. De certa forma, sou já parte e produto desse movimento de empoderamento da mulher porque, quando era mais jovem, nunca imaginei que uma mulher pudesse ensinar numa Faculdade como esta. No meu entender, estas mudanças estão a ocorrer não necessariamente porque a Igreja está a mudar ou porque houve uma mudança súbita na forma como é entendida a importância da mulher, mas são mais uma consequência da forma como o percurso da Humanidade tem vindo a evoluir. Vivemos num contexto diferente. Se uma mulher pode ser professora numa Faculdade de Teologia e encarar a carreira profissional como uma parte importante da sua vida, é apenas porque houve um movimento da sociedade nesse sentido: para que as mulheres tenham mais independência ou, se preferir, mais igualdade. O aspecto da História da Humanidade que permitiu tudo isto foi a libertação da mulher face ao trabalho doméstico. Não se trata de estimar nem mais, nem menos a mulher, nem de a ter em maior ou menor consideração. Trata-se sobretudo de um melhoramento técnico na sociedade que permitiu que as mulheres se libertassem do trabalho doméstico, tivessem tempo para estudar, para ter uma carreira ou uma vida mais realizada. Este aspecto faz com que a sociedade moderna seja diferente e que mulheres e homens possam ter igualdade de oportunidades. Por outro lado, o que significa ser chamada a exercer estes papéis, ser professora numa Universidade como esta? Significa apenas que as mulheres são capazes de fazer o mesmo trabalho que os homens? Isso, por si só, não quer dizer que as mulheres tenham alcançado a igualdade. Eu tenho uma perspectiva diferente. Para mim, a noção de igualdade radica na própria essência da Santíssima Trindade, de um único Deus que se manifesta através de três pessoas. É óbvio que não sabemos ao certo como é que as três pessoas encaixam nesta perspectiva do Deus único, mas há neste aspecto uma mensagem-chave. E essa mensagem-chave é que a Santíssima Trindade, três pessoas num único Deus, estabelece o protótipo para a nossa relação com o mundo, para o que é viver num mundo que é, ao fim e ao cabo, um mundo diverso. Somos intimados a reconhecer essa diversidade e o carácter único de cada um. Só assim podemos ser unos, connosco próprios e com Deus. A primeira manifestação de diversidade que Deus delegou ao mundo foi o facto de ter criado homem e mulher. O homem e a mulher são diferentes e não é apenas na forma como Deus nos criou. É também devido à razão pela qual Deus nos criou enquanto homens e mulheres, e a resposta é que o homem e a mulher são diferentes; possuem diferentes traços de carácter. Podem contribuir para o mundo, para a sociedade e, eventualmente, para a nossa salvação de forma diferente.

CL– De que forma é que esses diferentes traços de carácter se reflectem na vida da Igreja?

S.X.– Trata-se, antes de mais… Bem, temos de ter em conta quais são os traços prevalecentes no carácter da mulher e que tipo de contributo podemos dar. Não se trata necessariamente do trabalho que podemos ou não fazer. Ensinar numa Faculdade de Teologia não pressupõe de todo que se tenha que ser homem ou que se tenha que ser mulher. Todos ensinamos, todos fazemos investigação. O mais importante é o ter-me sido dada esta oportunidade, em par de igualdade com os homens. Mas igualdade significa que eu, como mulher, ensino de forma diferente, relaciono-me com os alunos de forma diferente. O facto de ser uma mulher, de ser um homem, de ter um carácter diferente, é o que tenho para oferecer. Para mim, a ideia de igualdade prende-se mais com a capacidade de ver reconhecido o carácter único do meu contributo enquanto profissional. Não se trata de obter condições exactamente iguais às condições de que beneficiam os homens, mas de ver reconhecido o meu contributo como mulher. Só estarei a contribuir verdadeiramente se a natureza particular do que tenho para oferecer for valorizada. Se olharmos para a História da Igreja, e ainda que as mulheres não ocupassem posições ditas de relevo, sempre contribuíram tanto para a vida da Igreja, como para a sociedade, vista de forma mais abrangente. Isto é evidente, por exemplo, nos primeiros anos da Igreja, uma época em que as mulheres tinham uma voz bastante activa, não porque integravam os processos de decisão, mas porque eram vistas como mais espirituais; zelavam por extensas comunidades e eram, em certa medida, vistas como líderes. Se olharmos para este fenómeno desta perspectiva, as mulheres sempre foram empoderadas pela Igreja.

CL– A sociedade, no entanto, parece exigir mais…

S.X.– Se olharmos para a sociedade secular, aquilo que está a acontecer é que a discussão sobre a importância da mulher é conformada pelo protótipo daquilo que o homem pode fazer: o homem pode trabalhar no escritório, pode seguir uma carreira militar. Se isto for negado a uma mulher, a conclusão a que se chega é que as mulheres ainda não estão verdadeiramente empoderadas. A meu ver, não tem que ser assim. Uma mulher que tome conta da casa, que crie a sua família, é uma mulher empoderada. Está a dar o seu próprio contributo – um contributo diferente – à sociedade. As mulheres têm que ser vistas como mulheres. Um dos aspectos mais importantes da Igreja, algo que nunca devemos perder de vista, é que Deus criou o homem e a mulher e, mais tarde, quando decidiu encarnar no meio dos homens, não saltou directamente para a terra feito homem. Escolheu revelar-se através de uma mulher. E dessa forma convidou as mulheres para fazer parte do processo-chave de salvação. A sociedade secular, com o propósito de dar mais poder às mulheres, espera que as mulheres possam agir como homens e se possam comportar como homens. Há uma beleza muito particular na diversidade e ao agir desta forma a sociedade está a cancelar essa diversidade. E isso é exactamente o contrário daquilo que a sociedade pede às mulheres, quando as convida a viver de forma diferente. Se a sociedade pede às mulheres que sejam homens, em troca de importância ou de poder, e insiste neste caminho, parece-me que é lícito que a Igreja não siga na mesma direcção. Se me perguntar de que outra se forma se pode empoderar a mulher, dir-lhe-ei que é algo que me preocupa, mas também que o empoderamento das mulheres começa, antes de mais, por reconhecer que são exactamente isso: mulheres!

CL– Diz que as mulheres podem contribuir para a vida da Igreja com uma sensibilidade diferente. Esta sensibilidade exclui o Sacerdócio? Acredita que as mulheres podem vir a ser ordenadas?

S.X.– Se olharmos para a História da Igreja, desde o início até hoje, é muito claro que a questão-chave nesta problemática do Sacerdócio não é se as mulheres são ou não capazes, mas está relacionada com a questão da sucessão apostólica. Uma das preocupações da Igreja radica na forma como Deus optou por se revelar à Humanidade. Revelou-se através de Cristo feito Homem; Cristo escolheu alguns apóstolos e os apóstolos elegeram o seu próprio sucessor. No âmbito da História da Igreja, a sucessão apostólica é um dos aspectos mais importantes. Todos os Doutores da Igreja enfatizaram esse aspecto: é uma Igreja que brota de Jesus, que é guiada pelo Espírito Santo, mas é uma Igreja que também tem uma dimensão apostólica, que tem por base a sucessão apostólica. E quem é que encontramos no centro deste processo? Encontramos os Apóstolos e os Apóstolos eram homens. Não é que não nos possamos interrogar “Mas porque não mulheres?”, mas se Deus optou por esta forma, foi exactamente para demonstrar que homens e mulheres desempenham diferentes papéis na sociedade e estes papéis são igualmente importantes. Voltando à questão de Deus feito homem e ao plano de Deus para a salvação, as mulheres têm um papel a desempenhar e não é na qualidade de Jesus ou do seu sucessor. As mulheres podem ter o exemplo de Maria como referência. Maria não é Deus, Jesus encarnou como Homem, mas ela tem um papel central na vida da Igreja e esse papel continua a ser acarinhado pela própria Igreja. Nunca é demais sublinhar a sua importância. Se as mulheres continuarem a agir como agem agora, o trabalho que fazem é tão importante como o trabalho de um padre. A falta de sacerdotes, a crise de vocações tem na sua origem muitos, muitos factores. É um problema que não se resolve apenas convocando as mulheres ou introduzindo estas inovações. E isso é o que faz com que este problema das vocações seja um problema tão difícil. Tenho as minhas próprias ideias em relação a isto, mas não me parece que esta questão se resolva pura e simplesmente mudando a tradição. Quando falamos de tradição não é apenas porque é necessário mantê-la porque sempre assim foi desde o início. A tradição é importante porque foi assim que Deus se revelou. Deus revelou-se através daqueles doze apóstolos e foram eles que elegeram o seu sucessor.

Marco Carvalho

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