Velho Continente é mais do que Futebol…
São Bento de Núrsia, fundador da Ordem Beneditina, abade de Montecassino (onde faleceu em 547), difusor da Santa Regra que leva o seu nome, Patriarca do monaquismo católico ocidental, Pai da Europa e Patrono do mesmo continente, é celebrado no próximo dia 11 de Julho.
Nestes tempos de fragmentação, tensão entre as nações, divisões acerbas e polémicas, de tensões políticas no Velho Continente, urge reflectir um pouco neste pai dos monges beneditinos, construtores da ideia de Europa, de civilização e de coesão continental.
Quando a civilização romana, centrada no seu Império, ruiu em 476, quando o mundo clássico definhou e submergiu na senda da guerra, das invasões, da destruição e da barbárie, Bento, natural de Núrsia, na Úmbria, actual Itália (onde nasceu cerca de 480), desaferrolhava o futuro do Continente a partir da sua ideia de estabilidade monástica, de disciplina e de ordem, transformando mosteiros isolados e em fuga do mundo, em oásis e luminárias de civilização e renovação, conferindo futuro a um mundo esgotado pela guerra, pelas divisões e pela morte que galgava fronteiras e se sobrepunha à vida.
Com Bento, abade e organizador da vida monástica, vemos os valores espirituais serem a pedra angular sobre a qual se fundará a civilização medieval, não apenas material, mas também imaterial, cultural, como o alvorecer de uma nova era, em que a luz vencia as trevas da destruição e do fim da Pax Romana, da estabilidade imperial. Ficava o Latim, ao lado da Cruz, irradiando pela Europa com o enxamear das fundações beneditinas, na pauta de uma Regra que é como um texto fundador, uma constituição ou carta magna da civilização.
Embrenhados no Campeonato Europeu de Futebol, não nos lembraremos que a conquista dessa mesma Europa do futebol radica também na ideia saudável de competição desportiva entre nações, com base em valores e padrões culturais que se pretendem de civilidade e cordialidade. Nestes tempos de eleições europeias e do seu rescaldo, das ameaças de tensões políticas, quando os tambores da guerra rufam na velha Europa ou dela se acercam, quando a política divide e a ideologia acicata, seria bom recordarmos Bento de Núrsia e os seus discípulos, Mauro e Plácido, como todos os monges e monjas que desde há mil e 500 anos, na Europa como no resto do mundo, procuram a paz de Deus e a estabilidade, o trabalho e a contemplação, a edificação e a cultura, como marcos de vida e exemplo. Porque dos mosteiros se fez a civilização, se criaram técnicas agrícolas, de exploração económica, se organizou o dia a partir do exemplo do tempo litúrgico do ofício divino que ressoava nos sinos e campanas nos vales e ecoava nas florestas. Assim, criou-se a ideia de Cristandade como intento de reorganizar regiões e de se construir uma nova concepção de Europa.
Os Beneditinos construíram nações, como Portugal ou os reinos hispânicos, animaram peregrinações como a de Compostela, revitalizaram centros cristãos destruídos nos Séculos V e VI, evangelizaram desde a França, Alemanha, Ilhas Britânicas, Escandinávia, Polónia, o Mediterrâneo, até outras tantas terras da Europa. Foram guardiães de textos antigos, códices e manuscritos, sementes de conhecimento que copiaram e preservaram para a posterioridade. Em silêncio, em ordem, em disciplina, com fé, em obediência fraterna e na hierarquia monástica. O primado da lectio divina, do culto, da oração litúrgica e ritual, que trouxeram ou devolveram beleza às celebrações, atraindo a fé das gentes, convertendo e dinamizando a Cristandade.
Com São Bento e o seu legado consolidou-se a unidade espiritual da Europa, em virtude da qual povos divididos no campo linguístico, étnico e cultural, se aperceberam de que constituíam um único povo de Deus, uma unidade que acabou com a confusão de acontecimentos históricos, graças aos monges beneditinos. Também com o livro, isto é, com a cultura, que o próprio São Bento e os seus mosteiros salvaram com cuidado providencial, numa época em que se dispersava a herança humanista, ou seja, a tradição clássica dos antigos. Foram eles que a transmitiram, quase intacta. Com a pena, com a oração, com o arado, com a forja, transformaram baldios, pântanos e charnecas em oásis de fertilidade e jardins graciosos, como dizia o Papa Paulo VI, quando declarou São Bento como Padroeiro da Europa e das instituições europeias.
No seu cuidado amoroso conferido à ordem e à disciplina, São Bento, padroeiro da União Europeia por extensão, do ideal da unidade transnacional, merece servir de exemplo na recuperação da matriz que moldou o devir do Continente, e dele partiu para o mundo. Logo, não esqueçamos São Bento!
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa