Santo Atanásio de Alexandria

A luta pelo Verbo

Santo Atanásio de Alexandria é uma das grandes figuras da Igreja do séc. IV, a par de São Basílio, São Gregório Nazianzeno ou São Gregório de Nisa, para falarmos do Oriente, aos quais juntamos São Hilário e São Ambrósio de Milão. Foi um incansável defensor do símbolo da fé promulgando o Concílio de Niceia em 325, sendo então ainda um jovem teólogo, mas de grande envergadura. Por isso é denominado como Padre da Ortodoxia e Coluna da Fé.

Nasceu em Alexandria, no Egipto, por volta de 295-96, cidade onde recebeu formação filosófica e teológica. Dos primeiros anos da sua vida pouco se sabe, apenas que nasceu num ambiente cosmopolita, ainda que pagão, de culto greco-egípcio, onde pontuavam também, do ponto de vista cristão, os maniqueístas e os gnósticos, grupos fora da ortodoxia cristã coeva. Com 24 anos sabe-se que terá sido ordenado diácono, além de que tinha um irmão, de seu nome Pedro, também dentro da vida eclesial da altura. A infância destes irmãos decorreu sob o clima de perseguições de Diocleciano, das piores que a história regista. Só terminaram em 305, com a morte do despótico imperador.

Atanásio tudo indica era um homem de estatura baixa, débil no aspecto, mas porém firme e astuto. Lutador, de espírito indómito, desperto, entre a tradição cristã e o presente, atento ao sinais dos tempos, dos homens e aos acontecimentos, mas afável, ainda que indomável nas lutas e disputas teológicas, em conferências e debates. Membro do clero de Alexandria, durante pelo menos dez anos, falava várias línguas, como Copta, Grego koiné (corrente) e Grego clássico. A erudição tinha nele um expoente importante naquela cidade de sábios que era Alexandria, sábios tanto pagãos como cristãos, refira-se.

 

A obra

Por volta do ano de 320, o jovem teólogo plasma os seus conhecimentos, já profundos, na sua primeira obra, “Contra os Pagãos e a Incarnação do Verbo”, fundamental na afirmação da sua teologia e caminho a traçar. Elege como temas fundamentais o refutar do Helenismo, a afirmação da transcendência do único Deus verdadeiro e a exaltação do carácter redentor da Incarnação. O eixo central da obra é a Morte e Ressurreição de Jesus. É por muitos apelidado como o “Doutor da Incarnação”. A sua escrita era fluente, atingindo o brilho, a exposição teológica clarividente, principalmente na defesa da ortodoxia contra as heresias que surgiam, nomeadamente na sua Alexandria natal. O seu estribo assentava na Tradição e nas Escrituras, que estudava intensamente, determinantes na fé verdadeira na Santíssima Trindade. Em 323 com efeito atingia o clímax a controvérsia ariana, fundada por Árrio (c. 250-335 d.C.), uma crença não trinitária que afirmava que Jesus, o Filho, não existiu sempre, mas foi antes criado por Deus Pai e a Ele se subordina.

Naquele ano, Atanásio, secretário do bispo, diácono havia três anos, não deixou a polémica ariana passar ao lado, defendendo o seu prelado contra Árrio, que era sacerdote alexandrino, apontando-lhe os diversos erros doutrinários e teológicos. Árrio foi condenado pelos seus erros e exilado em Cesareia da Palestina. Dois anos depois, em 325, Constantino convoca o 1º Concílio universal, o primeiro dos Ecuménicos, com o “objectivo de restaurar a unidade ameaçada”. Niceia, na actual Turquia, é o palco escolhido. Apesar de só os 250 bispos poderem falar, dois diáconos intervieram: Alexandre de Constantinopla e Atanásio de Alexandria. Este último teria intervenções de elevada eloquência e força de persuasão, sendo temido pelos adversários arianos e os alinhados com Militão de Licópolis (295-373).

 

O Credo de Niceia, símbolo da Fé

“Se o Verbo foi criado, como é que Deus que o criou não podia criar o mundo? Se o mundo não foi criado pelo Verbo, porque é que não podia ter sido criado por Deus?” estas foram muitas das questões fundamentais com que desmontou a teoria de Árrio, mas também seriam algumas das que se somariam ao pensamento doutrinário de Atanásio que serviria de âncora ao Concílio de Niceia para proclamar que “o Verbo é consubstancial ao Pai”, base da fórmula do Credo. Ou “Símbolo de Niceia”, redigido em 19 de Junho de 325 e então aprovado pela assembleia.

Atanásio será depois ordenado sacerdote, atingindo o sólio episcopal em 328, com 35 anos, na cadeira de Alexandria, para gáudio da comunidade cristã da cidade. Foi o vigésimo (20º) Patriarca de Alexandria, então anda em fidelidade a Roma, o que só mudou em 451, quando o patriarcado desalinhou no cisma de Calcedónia. A sua vida foi de luta intensa, principalmente contra os arianos, por vezes apoiados pelo Império, o que fez com que tivesse sido detido cinco vezes, entre 335 e 365, com exílios forçados noutras regiões. Em 45 anos de episcopado, passou dezoito fora da sua sede episcopal. A sua tenacidade e capacidades, verticalidade e fé incondicional, tinham este sabor amargo, do desterro, acompanhado pelo abandono de muitos companheiros nas suas horas difíceis. Atanásio nunca soçobrou, entre Alexandria e a Tebaida, no deserto ou na sua cidade, resistiu inquebrantável, passou suplícios, escondeu-se até no túmulo do seu pai, mas nunca deixou de amar a sua devoção trinitária e a defesa da divindade do Verbo, por mais difícil que fosse a luta.

Ao seu episcopado se deve a cristianização do sul do Egipto, que estendeu até à Etiópia. Num dos seus desterros, no deserto egípcio, ganhou especial afeição pela vida monacal, sendo determinante no processo de clericalização dos monges e tendo até sido o biógrafo de Santo Antão (ou António) Abade, de quem escreveu uma “Vida”. A meditação monástica ajudou-o a apaixonar-se sempre mais por Cristo, como se vê na sua obra “A Incarnação do Verbo”: “O Verbo fez-se homem para que nós, os outros homens, a o votar a adquirir a imagem do Verbo, pudéssemos ser divinizados e salvar-nos!”

Ainda hoje o Credo encerra palavras de Atanásio, bispo, asceta, teólogo, orador, uma figura de um cristocentrismo irrepetível, um dos maiores sábios do Cristianismo, a quem devemos e a quem devemos considerar pelo exemplo, pelas capacidades, pela defesa intransigente da fé no Verbo, na humanidade e na salvação. Não foi apenas especulativo, foi pragmático, como bispo, como líder, como lutador de causas. Autor, erudito, foi um dos primeiros adversários do cesaropapismo, defendendo a Igreja e a sua doutrina de Niceia. Contra seitas, contra pagãos, contra heresias, Atanásio lutou até ao último dos seus dias, 2 de Maio de 373, oito anos antes do 2º Concílio de Constantinopla, reafirmação do Credo de Niceia e vitória sobre o Arianismo anti-trinitário. Duas lutas de Atanásio…

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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