Africa é ainda uma Missão
Foi apenas em 1895 que os primeiros missionários da Sociedade das Missões Africanas (SMA) chegaram à Costa do Marfim (Côte d’Ivoire, em Francês). Ou seja, a Igreja Católica, enquanto entidade organizada (não esqueçamos as primeiras tentativas de evangelização levadas a cabo pelos padres que seguiam nas caravelas portuguesas, a partir do Século XIV em diante) é aí relativamente jovem. Assim, a Costa do Marfim é ainda “terra de missão”, no caso com uma inteira hierarquia constituída por bispos originários do clérigo diocesano daquele país. Mas como declarou D. Marcellin Yao Kouadio, bispo de Daloa e presidente da Conferência Episcopal da Costa do Marfim, à agência noticiosa FIDES, «estamos sempre de braços aberto e prontos a receber missionários estrangeiros provenientes de congregações religiosas (especialmente mulheres) e institutos de vida apostólica».
O problema é como passar da condição de “terra de missão” à de uma “verdadeira Igreja missionária” e qual o melhor processo para facilitar tal transição. No entender do prelado costa-marfinense, há que ter em conta aquilo que denomina de «tripla autonomia». Em primeiro lugar, a autonomia do pessoal envolvido no trabalho apostólico, através de uma pastoral vocacional bem organizada, dirigida sobretudo às gerações mais jovens. Depois, há que conseguir a autonomia cultural, através da inculturação da fé: como seja a promoção da cultura local, «que tem os seus próprios valores», na dinâmica do anúncio do Evangelho. Factores como a crença em Deus, o Ser Supremo, o reconhecimento do erro e do pecado, a crença na vida após a morte e o sentido de vida comunitária encontram-se bem impregnados na cultura tradicional do povo costa-marfinense. Por fim, a autonomia financeira de todas as dioceses do País. «A nível nacional, criámos um fundo católico que está a ser um enorme sucesso», garante D. Marcellin. «Estamos a concluir a construção de uma cidade financiada por esse fundo. Trata-se de uma cidade com uma grande variedade de habitações que serão alugadas para gerar fundos para a Igreja».
Mas, como dialogam os católicos com os membros das comunidades de outras crenças? Num contexto, como o da Costa do Marfim, urge falar de diálogo inter-religioso, pois ainda existem aí imensos «seguidores de religiões tradicionais animistas e muçulmanos». Mas o principal diálogo ecuménico, porém, diz respeito às relações que a Igreja Católica mantém com as Igrejas Protestantes. «Na Costa do Marfim, criou-se uma espécie de aliança entre comunidades de fiéis pela paz, que nos une, acima de tudo, aos nossos irmãos protestantes e muçulmanos», especifica D. Marcellin. «De momento, como Conferência Episcopal, estamos presentes como observadores».
A Igreja Católica está presente ainda no Fórum Nacional das Confissões Religiosas, entidade que promove “iniciativas pela paz e pela coesão social”, sobretudo durante o período crítico das eleições.
Em 2023, os costa-marfinenses – com quase oito mil pessoas – constituíam o principal contingente de migrantes africanos a chegar à costa italiana. O fenómeno da emigração é uma realidade lamentável, na medida em que os países africanos, como a Costa do Marfim, são imensamente ricos; não obstante, os seus habitantes não podem beneficiar dessas riquezas. A Costa do Marfim é o maior produtor mundial de cacau, mas aqueles que o cultivam não têm condições para comprar o “chocolate de excelência” que tanto se publicita na Europa e no resto do mundo. A Costa do Marfim é também o terceiro maior produtor de café do mundo, para não falar do ouro que possui, dos diamantes, etc. «O mesmo acontece noutros países africanos», comenta a propósito D. Marcellin, acrescentando: «Os filhos de África, despossados das suas riquezas naturais, são obrigados a morrer no cemitério em que o Mediterrâneo se tornou. É uma tragédia! Dizem que vivemos num mundo globalizado. Dizem que o mundo é uma grande aldeia, mas a mobilidade de que tanto falamos é muitas vezes de sentido único. Alguns podem ir para todo o lado, mesmo sem visto, mas a imensa maioria não pode sequer viajar». A Igreja local tenta sensibilizar os jovens para os riscos associados à partida, mas sem grande sucesso. «Na Quaresma passada», exemplifica D. Marcellin, «organizei um retiro com doze mil jovens, durante o qual abordámos essa questão».
A saúde é outra matéria sensível. E garanti-la a todos os habitantes é uma forma de combater a pobreza. Partindo desse princípio, o padre Ysmael Herbin Gbagoué, missionário em Daloa, fala da necessidade de reestruturar um dispensário gerido pela Sociedade das Missões Africanas em Zakoua, pequena aldeia situada a poucos quilómetros de Daloa, no centro-oeste do País. Nesse subúrbio, assim como nos demais, a população não tem centros de saúde estatais e tem de percorrer muitos quilómetros para encontrar um médico ou até uma simples enfermeira. Entre as doenças mais disseminadas, predominam a tuberculose e a SIDA, mas a malária continua a ser a principal causa de mortalidade em Daloa. «Precisamos de instrumentos médicos de qualidade», alerta este padre da Sociedade das Missões Africanas. Abrir uma maternidade e uma farmácia está também ente os seus objectivos. «Temos já várias enfermeiras a dar cursos às mulheres, para que possam colaborar na prevenção de doenças nos seus filhos», diz.
Joaquim Magalhães de Castro