Ética e Ordem Internacional
Duas questões distintas chamaram a minha atenção nos últimos tempos, entre muitas outras e que têm como denominador comum as implicações no plano da ética política e da ética “tout court”.
No primeiro ponto, está a recente declaração conjunta do Secretário Geral das Nações Unidas e do presidente do Comité Internacional da Cruz Vermelha, acusando as grandes potências mundiais de paralisia na resolução dos grandes conflitos que ensombram a nossa época (a Síria acorre imediatamente ao nosso espírito) e de que resulta o sofrimento e a morte para milhares e milhares de seres humanos.
No segundo tópico, coloco ainda as questões do ambiente, e isto a propósito da recente encíclica do Papa Francisco, Laudate Si, do seu conteúdo e das reacções que suscitou em vários quadrantes da opinião pública mundial, ou de certos sectores específicos dela.
O meu entendimento é, naturalmente, o de que há uma leitura ética a fazer nas duas questões. E de que o sistema internacional, tal como está organizado, revela deficiências graves que se repercutem depois na falta de liderança mundial em dossiês-chave, empurrando-se os grandes poderes a responsabilidade política e moral da inacção ou das iniciativas muito tardias.
A Síria é o exemplo que deve ser de novo citado. E as questões ambientais também, embora noutro plano.
Mesmo as guerras têm regras!
É a III Guerra Mundial sem esse nome. Muitos utilizam essa expressão, como por exemplo o próprio Santo Padre, na sua condenação do quadro de insegurança generalizada em que se vive em variadíssimas regiões do mundo.
Sou habitualmente avesso a grandes slogans, ou a comparações chocantes só para obter efeito literário. Mas o que aqui uso é o único que me pareceu corresponder à situação de emergência humanitária em grande escala que caracteriza o momento presente.
Se não, vejamos: sessenta milhões de pessoas vivem actualmente deslocadas das suas terras, das suas casas, como refugiadas, por causa de guerras e violência política, a maior percentagem desde o fim do segundo conflito mundial.
E até este momento, mais de setecentas mil pessoas já fugiram (principalmente) da Síria, procurando refúgio na Europa.
Nas palavras duras de Ban Ki-moon, nunca as populações civis sofreram tanto, fora do contexto dos conflitos globais. E este é um, de outra maneira.
Raramente o mundo viu tanta gente a sofrer – alertou Peter Maurer, o presidente do CICV, o órgão coordenador das organizações da Cruz Vermelha.
Já basta! Mesmo a guerra tem regras!, prosseguiu o Secretário Geral da ONU que denunciou a violação generalizada de normas básicas do Direito Internacional Humanitário.
E o primeiro responsável da organização mundial indicou o seguinte código de conduta mínimo aos Estados para acabar ou minorar a situação que prevalece de instabilidade generalizada:
1– Controlar os grupos armados no interior das suas fronteiras, puni-los pelos seus actos e deixar de utilizar meios letais pesados nos meios urbanos que acabam por fazer vítimas nas populações civis indefesas. Como se vê pelas imagens que nos chegam da Síria, o conflito ali assume muito as características de uma guerra das ou nas cidades.
2– Auxiliar populações deslocadas e concorrer para a solução de realojamentos permanentes.
3– Criar corredores de acesso a equipas médicas e humanitárias nas áreas de combate.
4– Punir severamente quem viola o direito humanitário.
5– Multiplicar esforços para encontrar soluções políticas para os conflitos.
Os avisos do Secretário Geral serão escutados?
Vive-se infelizmente numa época em que o cinismo das opções políticas só tem contrapartida na indiferença perante os múltiplos casos de catástrofe humana.
Cristo e a Ecologia
A recente palestra, no auditório do Seminário de São José, proferida pelo Reverendo Reitor Padre Peter Stilwell sobre “Cristo e a Ecologia”, motivou-me a uma análise mais sistemática do texto da encíclica, da pertinência das questões que levanta e das respectivas respostas.
Não vou comentar a palestra, rica nas suas múltiplas dimensões, nem muito menos analisar aqui exaustivamente o documento pontifício que exigiria estudo muito mais longo e texto incomportável com as dimensões desta crónica.
Três ideias dominam o meu espírito, quando penso nas alternações climáticas e em todas as suas consequências, presentes e futuras.
A primeira ideia é a de que a revolução industrial e o desenvolvimento económico a ela associado, identificados com a gestão (?) desrazoável de recursos e de efeitos lesivos a nível ambiental, são hoje modelos esgotados e que a humanidade tem actualmente as condições tecnológicas para os substituir.
A segunda ideia é a de que foram e são os interesses económicos instalados que retardaram e retardam tal evolução. Associados como estão a um certo estilo de vida nos países ricos, de que Governos e populações urbanas não querem abdicar: os primeiros! pelo custo político e económico da mudança; e as segundas, por não lhes terem sido explicados claramente os perigos do status quo e não lhes terem sido sugeridas alternativas.
Finalmente, a terceira ideia é a de que os representantes da actual civilização dita global, líderes políticos e económicos, são egoístas e falhos de visão estratégica, pois só pensam em si. As futuras gerações os julgarão… se tiverem essa possibilidade!
A denúncia das relações íntimas entre ecologia e economia que o Papa justamente sublinha na Encíclica – e o apontar do dedo a uma atitude egoísta, auto-centrada – suscitaram um coro de críticas, por parte de determinados sectores, mormente dos Estados Unidos e, principalmente, do mundo dos negócios.
Apontar caminhos foi sempre arriscado, porque belisca o conforto dos instalados. O Papa sabe-o e aceita correr esses risco. No fundo, ninguém pode impedir que o Santo Padre coloque as questões ambientais no íntimo da consciência individual e colectiva, no lugar preciso onde se geram as escolhas de cada cidadão, de cada sociedade.
Carlos Frota
Universidade de São José