LUMEN FIDEI, A PRIMEIRA ENCÍCLICA DO PAPA FRANCISCO

LUMEN FIDEI, A PRIMEIRA ENCÍCLICA DO PAPA FRANCISCO

A Fé ilumina toda a existência humana

Lumen fidei é a primeira encíclica assinada pelo Papa Francisco, menos de quatro meses depois da sua eleição. Trata-se de um texto que o Pontífice elaborou a partir das extensas anotações que Bento XVI lhe entregou pessoalmente e que, no Ano da Fé, completou a trilogia das encíclicas, após “Deus caritas est” e “Spe salvi”, dedicada às três virtudes teologais.

A introdução indica as razões deste documento: antes de mais, recuperar o carácter de luz, própria da fé, capaz de iluminar toda a existência humana, ajudando a distinguir o bem do mal, especialmente numa época, como a actual, na qual a fé é vista como uma ilusão, “um salto no vazio” que impede a liberdade humana. Em segundo lugar, a encíclica quer “reavivar a percepção da amplitude de horizontes que a fé descerra, para a confessar na sua unidade e integridade”.

No primeiro capítulo, o Papa fala do caminho da fé, desde Abraão até Jesus, mediador que nos introduz numa verdade maior do que nós, uma manifestação do amor de Deus que é o fundamento da fé. Cristo ressuscitado é “testemunha confiável”, “digno de fé”. Mas há um “aspecto decisivo” da fé em Jesus: “Participação no seu modo de ver”. Usando uma analogia, o Papa explica que, como na vida quotidiana, contamos com “pessoas que conhecem as coisas melhor do que nós” – o arquitecto, o farmacêutico, o advogado – na fé, também precisamos “de alguém que seja fiável e perito nas coisas de Deus”. E Jesus é “Aquele que nos explica Deus”. A fé, então, “não é um facto privado”, mas está destinada a tornar-se “um anúncio”.

No segundo capítulo, intitulado “Se não acreditardes, não compreendereis”, o Papa escreve: “Sem verdade, a fé não salva, não torna seguros os nossos passos. Seria uma linda fábula, a projecção dos nossos desejos de felicidade, algo que nos satisfaz só na medida em que nos quisermos iludir; ou então reduzir-se-ia a um sentimento bom que consola e afaga, mas permanece sujeito às nossas mudanças de ânimo, à variação dos tempos, incapaz de sustentar um caminho constante na vida”. E hoje, dada a “crise de verdade em que vivemos”, é mais necessário do que nunca relembrar esse elo, porque a cultura contemporânea tende a aceitar apenas a verdade da tecnologia: “É verdadeiro aquilo que o homem consegue construir e medir com a sua ciência; é verdadeiro porque funciona, e assim torna a vida mais cómoda e aprazível”. No entanto, isso leva ao grande esquecimento do mundo contemporâneo que, em benefício do relativismo, esquece a questão da verdade, a origem de tudo, a questão de Deus. Por isso, Lumen fidei sublinha, então, o vínculo entre fé e amor, entendido como o grande amor de Deus que nos transforma internamente e nos dá novos olhos para ver a realidade. Neste ponto, o Papa abre uma ampla reflexão sobre o “diálogo entre fé e razão”. A fé não é intransigente, o crente não é arrogante. Pelo contrário, a verdade torna-o humilde e leva-o à convivência e ao respeito pelo outro. Por conseguinte, a fé leva ao diálogo com todos os saberes.

O terceiro capítulo, “Eu transmito-vos aquilo que recebi”, sublinha a importância da evangelização: “Quem se abriu ao amor de Deus, acolheu a sua voz e recebeu a sua luz, não pode guardar este dom para si mesmo. Uma vez que é escuta e visão, a fé transmite-se também como palavra e como luz”, escreve o Papa, lembrando a “cadeia ininterrupta de testemunhos” de fé. Isso implica o vínculo entre fé e memória, porque o amor de Deus mantém todos os tempos unidos e torna-nos contemporâneos de Jesus. Além disso, “é impossível crer sozinhos”, porque a fé “abre-se ao ‘nós’ e verifica-se sempre dentro da comunhão da Igreja”. Por esse motivo, “quem crê nunca está sozinho”. E os sacramentos são um meio especial pela qual a fé pode ser transmitida, sem esquecer que também a oração e os Dez Mandamentos o são.

O quarto capítulo, “Deus prepara para eles uma cidade”, explica o elo entre a fé e o bem comum. A fé, de facto, fortalece os laços entre os homens e “coloca-se ao serviço concreto da justiça, do direito e da paz”. É por isso que ela não se afasta do mundo e é “capaz de valorizar a riqueza das relações humanas”. A este ponto a encíclica foca as principais áreas iluminadas pela fé: a família fundada no casamento, os jovens, as relações sociais, a natureza, o sofrimento e a morte. Ao homem que sofre, Deus oferece a sua presença e companhia, que abre uma passagem de luz nas trevas. Nesse sentido, a fé une-se à esperança.

No final da Lumen fidei, o Papa convida-nos a olhar para Maria, o “ícone perfeito” da fé, porque nela “se cumpre aquilo em que insisti anteriormente, isto é, que o crente se envolve todo na sua confissão de fé”.

Embora seja um texto para dentro da Igreja, a primeira encíclica do Papa Francisco pode ser mais valorizada também pelos não-crentes que estão à procura da verdade, uma vez que o confronto com sujeitos de carne e osso é feito a partir da vida humana contemporânea. Jesus encontrou muitos homens e mulheres ao longo do seu caminho e nunca deixou de dialogar com todos. Não será por acaso que nesta encíclica as palavras “caminho”, “estrada”, e “percurso” aparecem 79 vezes; como que a dizer que o mundo é percorrido por caminhos que aproximam e afastam, mas que o importante é que nos levem para a verdade que é o bem.

PE. JOSÉ CARLOS NUNES

Director da revista Família Cristã

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