A voz da consciência.
Vinte anos após a transferência de soberania em Hong Kong, a Igreja Católica desempenha um papel-chave a nível sócio-político, refere a irmã Beatrice Leung, para quem o cardeal D. Joseph Zen foi o responsável por moldá-la e por apontar o caminho a seguir. Ainda assim, para o padre Carlos Cheung, o sistema da diocese local precisa de uma transformação estrutural para criar um melhor plano pastoral que possa fazer face aos desafios futuros.
A irmã Beatrice Leung, especialista em Teologia, Ciência Política e Relações Igreja-Estado, não tem dúvidas em afirmar que, tendo em conta a qualidade dos católicos de Hong Kong, a Igreja da antiga colónia britânica é a mais forte da Grande China.
«Os católicos de Hong Kong são em si muito maduros e sentem que a Igreja é agora uma Igreja», disse a’O CLARIM a religiosa das Irmãs do Precioso Sangue, em comparação com a realidade que observa na China continental, em Macau e Taiwan.
«Quando em 1984 os britânicos acordaram o retorno de Hong Kong à China, a Igreja começou a fazer a sua própria preparação. Os católicos seguiam muito o Governo britânico no sentido de haver democracia, dado que a democracia é uma forma de proteger a liberdade religiosa», sustentou a irmã Beatrice Leung, acrescentando que «sem liberdade religiosa, nem a Igreja Católica, nem qualquer outra religião, consegue sobreviver».
«E para ter liberdade religiosa, a Igreja Católica participa na política, especialmente os católicos, que ao mesmo tempo participam na administração da Diocese», vincou a também professora e investigadora da Universidade Ursulina Wenzao de Línguas, em Kaohsiung (Taiwan).
No seu entender, o cardeal D. Joseph Zen foi o grande responsável por moldar a Igreja Católica em Hong Kong após a transferência de soberania. «Foi uma estrela que brilhou de forma muito rápida no céu escuro», pois «mostrou o caminho a seguir». Em 1999, quando era bispo coadjutor, tornou-se «na consciência da população», quanto à questão das crianças que nasceram no interior da China, mas com os pais a viver no território, pois «ajudou o cardeal [John Baptist] Wu a redigir a carta pastoral “Deus é Amor”».
«Hong Kong não podia ser uma cidade egoísta», por «uma considerável parte da população ser então constituída por ex-refugiados vindos do continente chinês nas décadas de 50 e 60», recordou.
Já como bispo da diocese de Hong Kong, «o cardeal Zen esteve basicamente por detrás dos deputados e advogados que se insurgiram contra a legislação sobre o artigo 23º da Lei Básica de Hong Kong. Preocupava-se não só com a situação de Hong Kong, mas também com o que se passava no continente chinês», frisou ainda.
«Mas como as negociações sino-vaticanas deviam prosseguir, a Santa Sé não podia ser tão dura com a China. Em vez disso, suavizou. Por isso, ele [cardeal Zen] reformou-se em 2009», salientou a irmã Beatrice Leung, referindo ser esta uma opinião pessoal.
Para ela, o actual bispo D. John Tong «seguiu a mesma linha» do cardeal Zen. «Embora muito mais suave», não teve pejo em intervir energicamente, desta vez quando a candidata a Chefe do Executivo da RAEHK, Carrie Lam, manifestou a intenção de criar a “Unidade de Assuntos Religiosos”, caso fosse eleita.
Carrie Lam voltou atrás na decisão, mas para a irmã Beatrice Leung esta unidade «equivalia à sombra da Associação Patriótica na China continental», sendo que «o Governo [de Hong Kong] reforçou a vontade de interferir nos assuntos religiosos».
«Se a Igreja for na verdade suficientemente forte como Igreja, tendo bons católicos e bom padres para uma união conjunta, então é suficientemente forte para fazer face a qualquer invasão de intrusos», concluiu.
Papel e futuro
O padre Carlos Cheung, membro da Comissão de Justiça e Paz da diocese de Hong Kong, disse a’O CLARIM que «a Igreja Católica tem desempenhado um papel muito importante nos assuntos sociais, dado que se tornou na voz da consciência da sociedade».
«Por outro lado, a Diocese fomenta a participação dos leigos», aos quais «foram atribuídos muitos papéis de relevo», sendo «as iniciativas dos leigos muito encorajadoras para a evangelização em Hong Kong».
«Todos os anos mais de três mil pessoas são baptizadas e um bom número de leigos frequenta os cursos ou assume mesmo a responsabilidade de ensinar no Seminário do Colégio do Espírito Santo. A maioria das comissões diocesanas está a funcionar bastante bem para servir a Igreja em Hong Kong», descreveu o padre salesiano.
Contudo, a visão que tem sobre o futuro da Igreja na RAEHK «é um bocado obscurecida», porque «em plena era da informação é um desafio para a actividade pastoral criar acções espontâneas e iniciativas para os jovens».
«A Igreja em Hong Kong é desafiada a ouvir, a compreender e a oferecer um plano pastoral apropriado para se adaptar às mudanças sociais da sociedade», apontou o sacerdote, vincando que é algo que «requer uma pessoa talentosa que consiga aliar a Doutrina da Igreja, ao projecto pastoral e à situação social».
«A capacidade de atrair as pessoas para Deus e de incutir os valores cristãos na sociedade continua a ser um tema muito importante em Hong Kong para fortalecer a comunicação e o intercâmbio de ideias», sustentou o padre Cheung, razão pela qual «é necessária uma suficiente e sólida formação sacerdotal (ou formação de leigos) de acordo com o espírito da Igreja Mãe e da Diocese». Além disso, «a falta de vocações sacerdotais também deve ser resolvida».
Para ele, o sistema da diocese de Hong Kong «precisa de uma transformação estrutural, em particular ao nível das comissões», pois há que «promover a mudança de paradigma para uma melhor sinergia na criação de um plano pastoral efectivo». Na mesma linha de ideias, a Diocese «precisa de aprender e estudar em como direccionar os diferentes sectores e tarefas para o mesmo objectivo».
«Espero que a Diocese continue a ser o ponto de referência nas questões sociais. A população de Hong Kong espera que a Diocese ainda seja corajosa o suficiente para ser uma voz activa, algo a que alguns funcionários do Governo ou pessoas do território não dão valor», sublinhou, em jeito de conclusão.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com