GUARDIÕES DAS CHAVES – 19

GUARDIÕES DAS CHAVES – 19

Édito de Milão no Pontificado de Melquíades

SÃO MELQUÍADES

(2.VII.311 – 10.I.314)

O 32.º Romano Pontífice era originário de África, o segundo deste continente depois do Papa Vítor I (ver GUARDIÕES DAS CHAVES n.º 11). No início do Papado de Melquíades, o Império Romano era governado em Tetrarquia. Este sistema de Governo foi instituído pelo imperador Diocleciano em 293 d.C. e recebeu este nome pelo facto de haver quatro imperadores (“tetra”, em Grego, significa “quatro”): um sénior (augustus) e um júnior (caesar) para o Ocidente e outro sénior e júnior para o Oriente.

Quando o Papa assumiu o cargo, o augusto (imperador sénior) do Ocidente, o imperador Maxêncio, já era tolerante para com os cristãos. Mas o augusto do Oriente, o imperador Galério, continuou a perseguir a Igreja até adoecer e emitir um decreto de tolerância em 30 de Abril de 311. O édito de Galério permitiu ao Papa Melquíades recuperar as propriedades da Igreja em Roma e iniciar a tarefa de reconstrução e reorganização. No entanto, o sucessor de Galério, Maximino, não respeitou este decreto. Em 313, Maximino foi derrotado por Licínio.

Em 28 de Outubro de 312, Constantino I (Constantino, o Grande) derrotou Maxêncio na Batalha da Ponte Mílvia. Em 324, derrotou Licínio e pôs fim à Tetrarquia, tornando-se assim o único governante do Império Romano.

Antes da sua vitória sobre Maxêncio, Constantino I teve uma visão da cruz, onde lhe foi dito “in hoc signo vinces” – “por este sinal vencerás”. Foi assim que o símbolo cristão do Chi Rho (☧) foi parar ao estandarte de Constantino, que ele levava para a guerra. Este cristograma foi formado pela sobreposição das duas primeiras letras X (chi) e P (rho) do grego ΧΡΙΣΤΟΣ (“Christos”).

Constantino encontrou-se com o imperador Licínio e ambos concordaram em melhorar o decreto de tolerância de Galério, emitindo o Édito de Milão em Fevereiro de 313. Este decreto concedeu a liberdade de religião não só aos cristãos, mas também a outras crenças.

Lucius Caecilius Firmianus Lactantius (c. 250 – c. 325), um autor cristão primitivo que se tornou conselheiro de Constantino I, regista o texto do decreto, parte do qual diz: “Quando nós, Constantino Augusto e Licínio Augusto, nos reunimos tão felizmente em Milão, e considerámos em conjunto tudo o que dizia respeito ao interesse e à segurança do Estado, decidimos (…) conceder aos cristãos e a toda a gente o livre poder de seguir a religião da sua escolha, para que tudo o que é divino nos céus possa ser favorável e propício a todos os que são colocados sob a nossa autoridade”.

Diz ainda: “Quando virdes que isto foi concedido a [cristãos] por nós, o vosso culto saberá que também concedemos às outras religiões o direito de observância aberta e livre do seu culto, a bem da paz dos nossos tempos, para que cada um possa ter a livre oportunidade de adorar como lhe aprouver; este regulamento é feito para que não pareça que estamos a diminuir a dignidade de qualquer religião” (Lactâncio, De mortibus persecutorum – “Sobre a morte dos perseguidores”).

O Édito de Milão permitiu que os cristãos saíssem das catacumbas e testemunhassem livremente a sua fé. O Estado devolveu os bens da Igreja e indemnizou-a pelas suas perdas. Multiplicaram-se os lugares de culto. A liturgia floresceu.

Mas, tal como noutras épocas, a Igreja também enfrentou outros tipos de desafios. Desta vez, o desafio veio de uma seita cismática do Norte de África, os Donatistas. Os donatistas seguiam Donato Magno, um bispo cismático de Cartago. Donato ensinava que a validade de um Sacramento dependia da virtude pessoal do celebrante. Esta crença afasta-se da doutrina católica, que ensina que um Sacramento é eficaz ex opere operato – um Sacramento dá a graça desde que os elementos essenciais estejam presentes, mesmo que o celebrante não esteja em estado de graça.

Os donatistas também contestavam a legitimidade de Cecílio, bispo de Cartago. Constantino viu nisso uma ameaça à unidade política, pelo que pediu ao Papa que fizesse alguma coisa. O Santo Padre reuniu os bispos italianos e gauleses no Sínodo de Roma (313) para discutir e decidir sobre o assunto. A reunião teve lugar no Palácio de Latrão, que tinha sido oferecido à Igreja por Flávia, a esposa de Constantino. O palácio tornar-se-ia a residência do Papa e a basílica que foi construída ao lado tornou-se a catedral do bispo de Roma. Há uma inscrição na entrada que descreve a basílica como “omnium urbis et orbis ecclesiarum mater et caput” – “a mãe e a cabeça de todas as igrejas da cidade (Roma) e do mundo”.

O Sínodo de Roma confirmou a legitimidade da eleição de Ceciliano e condenou Donato. Este facto foi posteriormente confirmado no Concílio de Arles, em Agosto de 314. O Sínodo elaborou 22 cânones para tratar de vários abusos que tinham infectado a vida eclesiástica desde a perseguição de Diocleciano (284-305). Estes cânones contam-se entre os documentos mais importantes da legislação eclesiástica da Igreja primitiva.

O Santo Padre morreu pouco depois do Sínodo de Roma e foi sepultado nas Catacumbas de Calisto, sendo o último Papa a ser aí sepultado. Santo Agostinho considerou-o um pontífice notável devido à sua liderança naquele período de transição.

Pe. José Mario Mandía

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