FIGURAS BÍBLICAS: ZACARIAS – 3

FIGURAS BÍBLICAS: ZACARIAS – 3

Uma viagem de fé e dúvida

O cheiro a incenso queimado pairava no ar quando Zacarias se encontrava sozinho no templo, com as mãos a tremerem ligeiramente enquanto desempenhava as suas funções sacerdotais. Os anos tinham-lhe sido gentis na sabedoria, mas cruéis na saudade – ele e Isabel tinham rezado por um filho, mas as preces haviam ficado sem resposta. Ele aceitou a realidade, ou pelo menos assim pensava. Mas, no fundo, uma tristeza silenciosa se instalara, uma resignação mascarada de fé.

Depois, na quietude, surgiu uma presença. Uma figura, radiante e imponente, estava diante dele. Zacarias ficou com a respiração presa na garganta. Já tinha lido sobre esses encontros, mas nunca imaginado um para si próprio.

“Não tenhas medo, Zacarias”, disse o anjo, com uma voz simultaneamente suave e firme. “A tua oração foi ouvida. A tua mulher Isabel vai dar à luz um filho e vais chamar-lhe João”. O coração de Zacarias bateu forte. Um filho? Agora? Na sua velhice? As palavras chocaram contra as paredes da razão na sua mente. Há muito que tinha aceite que a paternidade estava para além do seu alcance. E, no entanto, aqui estava um mensageiro de Deus, a declarar o impossível.

“Como é que posso ter a certeza disto?”, perguntou, com a voz carregada de dúvidas. “Eu sou um homem velho, e a minha mulher já tem muitos anos”.

O olhar do anjo não vacilou. “Eu sou Gabriel. Estou na presença de Deus e fui enviado para falar convosco e trazer-vos esta boa notícia. Mas como não acreditaram nas minhas palavras, ficarão em silêncio até ao dia em que elas se realizarem”. E, sem mais nem menos, o mundo à volta de Zacarias ficou em silêncio.

Zacarias regressou a casa, com o peso do encontro divino a apertar-lhe no peito. As mãos tremiam-lhe ligeiramente, os lábios abriram-se como se quisesse falar, mas não se ouvia qualquer som. O silêncio era sufocante, mas era a única coisa que ele tinha por agora.

Isabel estava a trabalhar quando se virou e os olhos iluminaram-se ao ver o marido. Mas no momento em que lhe viu o rosto – pálido, desnorteado, mas estranhamente radiante – o seu sorriso vacilou. Isabel: Zacarias? O que é que se passa? Pareces… diferente! Zacarias abriu a boca, mas só saiu ar. Cerrou o maxilar, a frustração brilhava-lhe nos olhos. Gesticulou descontroladamente, apontando para o céu, depois para o seu peito, depois imitando uma criança nos braços.

A sobrancelha de Isabel franziu-se. “O que estás a dizer?”, sussurrou ela, aproximando-se mais. Zacarias pegou numa tábua e, com as mãos a tremer, começou a escrever: “Apareceu um anjo. Disse que íamos ter um filho. Eu duvidei. Agora não posso falar”.

Isabel ofegou, levando as mãos à boca. “Um filho?”, interrogou, com a voz a tremer. “Zacarias, estás a dizer – depois de todos estes anos – que Deus nos respondeu?”.

Zacarias acenou com a cabeça, com os olhos a suplicar por compreensão, por crença.

A respiração de Isabel ficou suspensa. Ela havia rezado por este momento, ansiado por ele nas horas calmas da noite. E agora, aqui estava – envolto em mistério, em intervenção divina, no sofrimento silencioso do marido.

Ela pegou nele, segurando-lhe suavemente o rosto. “Duvidaste”, murmurou, com tristeza e amor misturados na sua voz. “Mas Deus não nos abandonou”.

Os olhos de Zacarias brilharam. Tinha passado a vida ao serviço de Deus, mas quando confrontado com um milagre, vacilou. E agora, estava preso no silêncio, forçado a ouvir, a observar, a acreditar sem questionar.

Isabel pegou-lhe nas mãos, apertando-as contra o seu coração. “Nós vamos esperar”, disse com firmeza. “E quando chegar a hora, vós ireis falar de novo. E vós dar-lhe-ás o nome de João”.

Zacarias exalou, os seus ombros relaxaram. Ele tinha duvidado, mas Isabel não. Ela carregava a fé que tinha perdido, e na sua crença inabalável encontrou a própria redenção.

Os dias transformaram-se em semanas, e Zacarias permaneceu mudo. A ausência da sua voz era mais do que um inconveniente – era um espelho que reflectia a sua dúvida, obrigando-o a confrontar a própria fé que tinha pregado. Observou a alegria de Isabel, a sua crença inabalável na promessa, e sentiu o peso do próprio cepticismo.

Tinha passado a vida ao serviço de Deus, mas, perante um milagre, vacilou. Será que a sua fé era apenas ritual? Teria ele confundido rotina com confiança?

À medida que a barriga de Isabel crescia, também crescia a compreensão de Zacarias. O silêncio tornou-se um tempo de reflexão, um período de transformação. Via o mundo de forma diferente – sem palavras, ouvia mais, observava mais, sentia mais. Percebeu que a fé não era uma questão de certeza, mas de entrega.

Chegou o dia em que Isabel deu à luz o seu filho. A casa alegrou-se e chegou o momento de dar um nome à criança. No oitavo dia, levaram a criança ao templo para a circuncisão. O pátio do templo encheu-se de murmúrios e de expectativa. A família, os vizinhos e os sacerdotes tinham-se reunido para a circuncisão do filho recém-nascido de Isabel. Segundo a tradição, a criança receberia o nome do pai – Zacarias, um nome de honra e de linhagem.

Isabel, segurando o bebé, falou com uma certeza tranquila: “O seu nome será João”.

Uma onda de confusão espalhou-se pela multidão. “João?”, alguém ecoou. “Mas ninguém da tua família tem esse nome”. Os anciãos voltam-se para Zacarias, esperando que ele corrija a mulher. Há meses que estava em silêncio, com a voz roubada pela dúvida. Agora, esperam pela sua decisão.

Zacarias, ainda incapaz de falar, pede uma tábua. Com mãos firmes, escreveu: “O seu nome é João”. No momento em que as palavras foram reveladas, fez-se silêncio na assembleia. E, então, os lábios de Zacarias separaram-se.

“Bendito seja o Senhor, o Deus de Israel!”. A sua voz ressoou, forte e clara, quebrando meses de silêncio. As suas primeiras palavras não foram de explicação, nem de lamento, mas de louvor.

O povo suspirou. “Ele fala!”, afirmavam admirados. “O que é que esta criança está destinada a ser?”.

Zacarias, dominado pelo poder de Deus, continuou a falar. Profetizou sobre o objectivo do seu filho, sobre a salvação que estava para vir, sobre a misericórdia do Senhor. A sua dúvida tinha sido substituída por uma fé inabalável e o silêncio por uma proclamação.

João tinha sido nomeado – não por tradição, mas por ordem divina. E naquele momento Zacarias foi restaurado.

A história de Zacarias é uma história de transformação. Era um homem de fé, mas lutava com a dúvida quando era confrontado com o milagre. O silêncio forçou-o a uma introspecção, levando-o a uma compreensão mais profunda da confiança e da entrega. No final, não lhe foi dado apenas um filho – foi-lhe dada uma fé renovada, uma segunda oportunidade para acreditar sem hesitação.

Pe. Jijo Kandamkulathy, CMF

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