A fala de todos nós
Volvida uma semana do 10 de Junho, tratemos de analisar qual o estado de saúde da fala de Camões passados que estão dois anos da efeméride “800 anos da Língua Portuguesa”, que tomou por referência o segundo testamento de D. Afonso II, que remonta a 27 de Junho de 1214.
Enquanto organismo vivo a Língua está em constante metamorfose, independentemente do que consideramos correcto ou incorrecto, pois o grande problema do saudável desenvolvimento da nossa língua passa pela importância exacerbada que se dá a outros idiomas, nomeadamente o Inglês. Claro que compreendemos o papel do Inglês enquanto forma de comunicação e contacto entre povos globalizados, mas não se percebe porque razão ele conste dos conteúdos programáticos nos primeiros anos do ensino, e numa altura em que as crianças ainda estão a desenvolver a sua língua materna, o Português.
Acreditamos que há “pequenos nadas” que podem servir enquanto estimuladores do gosto pela Língua, mas que dependem de um trabalho de equipa, quase utópico, em várias frentes. As escolas em parceria com as editoras e os meios de comunicação de impacto imediato, como as televisões e a imprensa escrita, têm um papel decisivo.
Portugal é um país onde pouco se estimula a leitura, onde a música portuguesa continua a ser o parente pobre, e onde se adopta tudo o que são formas de expressão vindas do estrangeiro. As televisões estão inundadas de lixo, as rádios continuam a passar uma percentagem confrangedora de música estrangeira, e a percentagem de livros e discos que se gravam em Português continua em flagrante desvantagem. Um barómetro inquestionável sobre o estado da Língua Portuguesa é a própria imprensa escrita, as lacunas e erros primários que vemos todos os dias.
Numa Era de globalização diabólica e sem regras de conduta, onde vale tudo e tudo é permitido em prol de interesses económicos e de poder, a Língua de Camões sofre de uma doença degenerativa, sobre a qual vão sendo aplicados alguns cuidados paliativos, que nunca são suficientes.
Não há muito tempo (o tema vem a propósito, agora com o Europeu a decorrer) a FIFA, num acto de desprezo para com centenas de milhões de falantes, retirou a Língua Portuguesa da sua lista de línguas oficiais, mantendo idiomas bem menos relevantes, como é o caso do Alemão. Um facto hilariante pois a Língua Portuguesa é a mais falada em todo o Hemisfério Sul, além da incontestável história do futebol, onde países como o Brasil e Portugal têm alguns dos nomes mais relevantes e maior número de títulos conseguidos.
Mas será que podemos tirar partido desse património linguístico que todos, lusófonos e amigos da Lusofonia, temos em comum?
Para começar, poderíamos utilizar o facto de “falar a mesma língua” para nos tornarmos povos mais unidos, humana e espiritualmente mais próximos, e culturalmente mais interactivos e cooperantes. Todos os países em questão têm imenso potencial humano e recursos naturais muito privilegiados.
Acreditamos que nascemos num determinado lugar (e não noutro) por condição e que temos uma missão para com esse lugar. Acreditamos que temos um caminho individual para percorrer enquanto elementos de um todo, a que gostamos de chamar “Eu Colectivo”. Se todos nós transportássemos esta noção na nossa “bagagem pessoal”, maior capacidade teríamos de tirar o maior partido possível do potencial que tem esta partilha que nos é facilitada por ter em comum este bem maior, que é a Língua Portuguesa.
A inclusão de formas de expressão exteriores à nossa não seria um problema, se todos nós assegurássemos com naturalidade a defesa de quem somos, das nossas raízes e identidade cultural.
Todos ouvimos música anglo-saxónica, lemos livros de autores estrangeiros, mas nem todos acreditamos termos alicerces seguros em relação à nossa identidade, que nos permitem interpretar essa inclusão como forma de partilha, de conhecimento, de desenvolvimento humano e de apreciação saudável desta globalização em que vivemos. E nunca como forma de adopção dessas mesmas culturas.
Os Estados Unidos dominam completamente o mercado mundial, porque reúnem condições geográficas e demográficas naturalmente privilegiadas. Mas a Inglaterra não, e no entanto é um mercado fortíssimo. Ora, sendo a comunidade de falantes de Português superior a 250 milhões, imagine-se o potencial que existe aqui! Mas para que tal aconteça há um longo caminho de sensibilização a ser feito.
Quiçá uma melhor aplicação da lei que obriga a transmissão de uma quota substancial de música portuguesa, ou em Português, em todo o audiovisual, estatal ou privado, pudesse mitigar o problema, pois essa lei existe e está em vigor, sendo a última actualização do ano de 2009.
No serviço público cumprem essa obrigação, que passa por corresponder em 60 por cento. Nos restantes essa quota obrigatória é de um mínimo de 25 por cento. Uma percentagem pouco convincente e muito aquém do desejável.
Os meios de difusão são educadores e representam um papel de muita responsabilidade enquanto formatadores, fazedores de opinião. E não o contrário. Há muito boa gente com responsabilidade nesta área que defende que é o público quem define o que vai ou não acontecer, o que vai ou não ser comercializado. Ora somos peremptoriamente contra esta ideia.
Afinal, quem tem o papel de educador numa família? O pai e a mãe, ou são os filhos? Quem tem o papel de educador numa escola? O professor ou o aluno? Cabe aos “educadores” encaminhar os “educandos” no sentido de conhecer a sua história, o seu país, a sua língua, e consequentemente alimentar o respeito e o amor pela sua identidade.
Joaquim Magalhães de Castro