ABRA A SUA BÍBLIA – 8

ABRA A SUA BÍBLIA – 8

Os tempos de Oseias: a história de amor de um profeta numa era de traição

Contexto histórico: turbulência no Reino do Norte – No Século VIII a.C., o profeta Oseias surgiu no Reino do Norte de Israel durante o reinado de Jeroboão II (782-753 a.C.). Este foi um período de relativa paz e prosperidade económica, especialmente para a elite governante e a classe mercantil. Mas, por baixo da superfície, a instabilidade crescia. Após a morte de Jeroboão, Israel viu seis reis ascenderem e caírem em apenas 25 anos – quatro deles assassinados. Este caos político contrastava fortemente com a monarquia davídica mais estável no Reino do Sul de Judá.

Em 743 a.C., o panorama geopolítico do antigo Próximo Oriente mudou drasticamente. Tiglate-Pileser III, o implacável rei da Assíria, lançou uma campanha militar contra os reinos de Israel e Judá. Tal como o seu contemporâneo Amós, o profeta Oseias advertiu tanto o monarca como o povo da devastação iminente. A sua mensagem era clara: Israel devia arrepender-se. O Senhor estava a preparar-se para usar a Assíria como um instrumento de julgamento e purificação.

No final, as advertências de Oseias revelar-se-iam verdadeiras. O Reino do Norte de Israel foi destruído. Samaria, a sua capital, caiu; e em 722 a.C. a maioria dos seus habitantes foi levada para o exílio numa terra distante – para nunca mais voltar.

Idolatria e hipocrisia: o cerne da crise – O pecado de Israel, segundo Oseias, não foi apenas um erro de cálculo político. Foi uma traição espiritual. O povo envolvia-se em rituais religiosos luxuosos que mascaravam a idolatria e os seus líderes procuravam alianças políticas com o Egipto e a Assíria, ignorando a voz do profeta. A crítica de Oseias foi contundente: «Eles fazem uma aliança com a Assíria, e o azeite é levado para o Egipto» (Oseias 12, 1).

Estas não eram apenas manobras diplomáticas – eram sinais de uma nação que estava a virar as costas à sua aliança com Deus.

Um casamento como metáfora: o chamado pessoal de Oseias – «Quando o Senhor começou a falar com Oseias, o Senhor lhe disse: “Vai, arranja para ti uma mulher prostituta e filhos da prostituição, pois a terra se prostitui, afastando-se do Senhor”» (Oseias 1, 2).

Com esta ordem chocante, começou a jornada profética de Oseias – não com um oráculo, mas com um casamento. A união com Gomer, uma mulher prostituta, tornou-se uma parábola viva da relação de Israel com Deus. O amor de Oseias por Gomer, apesar da infidelidade desta, reflectia o amor duradouro de Deus pelo Seu povo. Os seus filhos receberam nomes simbólicos: Jezreel (ou Jezrael, significa “Deus espalhará”), Lo-Ruhamah (ou Lo-Ruama, “sem piedade”) e Lo-Ammi (“não meu povo”) – cada um deles, uma mensagem divina para Israel.

No entanto, mesmo no julgamento, havia esperança. Oseias profetizou uma reviravolta: «Direi a Lo-Ammi: “Tu és o meu povo”; e ele dirá: “Tu és o meu Deus”» (Oseias 2, 23). Os nomes que antes significavam rejeição tornar-se-iam promessas de restauração.

Salvação por meio do arrependimento – A mensagem do profeta era clara: Israel deveria reconhecer a sua condição e voltar para o Senhor. Só então receberia as bênçãos da compaixão divina e um sentimento de pertença.

«Vinde, voltemos para o Senhor, pois ele nos feriu, mas nos curará; ele nos feriu, mas nos ligará» (Oseias 6, 1).

A visão de salvação de Oseias não era transacional – era relacional. Exigia arrependimento sincero e uma aliança renovada.

«Porque eu desejo misericórdia, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, e não holocaustos» (Oseias 6, 6).

Este versículo ecoaria mais tarde nos ensinamentos de Jesus, que mostrou a sua compaixão pelas pessoas que eram “como ovelhas sem pastor”, curando-as, alimentando-as e ensinando-as (cf. Mt., 9, 36).

Conclusão: O legado de Oseias – Oseias viveu numa época de instabilidade política e declínio espiritual. No entanto, através de sua dor pessoal e convicção profética, tornou-se uma parábola viva do amor incansável de Deus – um amor que persegue, perdoa e restaura. A sua vida e mensagem lembram-nos que, mesmo nos momentos mais sombrios da história, o convite para voltar para Deus permanece aberto, e a redenção é sempre possível.

O Novo Testamento ecoa a imagem do casamento de Oseias, revelando o seu cumprimento final na união entre Cristo e a Igreja (cf. Efésios 5, 25). A história de Oseias não é apenas um aviso – é um prenúncio da graça.

«Por isso, agora vou seduzi-la; vou levá-la para o deserto e falar-lhe com ternura» (Oseias 2, 14).

«Eu te desposarei comigo para sempre; eu te desposarei em rectidão e justiça, em amor e compaixão. Eu te tomarei como minha esposa em fidelidade, e tu conhecerás o Senhor» (Oseias 2, 19-20).

É o Senhor quem toma a iniciativa – levando o Seu povo para o deserto, um lugar de solidão e transformação. Oseias personifica a ternura de Deus, assim como o profeta Isaías, que escreveu: «Poderá uma mãe esquecer o bebé que amamenta e não ter compaixão da criança que deu à luz? Mesmo que ela se esqueça, eu não te esquecerei!» (Isaías 49, 15).

Este amor de aliança é simbolizado de forma belíssima nas bodas de Caná (cf. João 2, 1-12), onde Jesus transforma água em vinho – o primeiro sinal da Sua glória e um vislumbre da nova aliança. Ao longo das Escrituras, Deus usa a figura do amor conjugal para expressar o Seu vínculo com o Seu povo escolhido: um amor definido pelo compromisso, pela intimidade duradoura, pela confiança mútua e pela entrega de si mesmo.

Esta aliança seria selada na cruz, onde o sangue e a água que jorraram do lado perfurado de Cristo se tornaram sinais do Espírito (Baptismo) e da Aliança (Eucaristia) (cf. João 19, 31-37). O legado de Oseias, então, não é apenas um apelo ao arrependimento – é uma revelação do amor divino que nunca desiste.

Rezar com a Palavra de Deus

. Reserve um momento para ler e reflectir sobre Oseias 1, 2-2, 20. Deixe que as imagens falem ao seu coração.

. Deixe que o Senhor o atraia para o deserto: vá para um lugar onde possa estar a sós com Ele e deixe que Jesus fale ao seu coração.

De que forma as suas relações reflectem o amor da aliança de Deus?

. Reflectem elas misericórdia, compaixão, compromisso, intimidade e doação de si mesmo?

. Onde pode Deus estar a convidá-lo a amar mais profundamente, mais fielmente?

. Para as pessoas casadas: Como a nossa vida conjugal reflecte o amor de Jesus pela Sua Igreja?

Deixe a história de Oseias inspirá-lo a viver o tipo de amor que perdura – mesmo quando testado – e a confiar no Deus que nunca pára de nos chamar para casa.

Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ

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