As três maldições de Amós a Israel (Am., 5, 7-6,14)
As “maldições” de Amós são mais do que simples advertências – são gritos de tristeza por uma nação que se desintegra devido à injustiça, à hipocrisia e ao orgulho. Cada mal revela uma camada diferente do declínio espiritual de Israel e aponta para o julgamento vindouro de Deus. Quando aqui falamos de Israel, referimo-nos ao Reino do Norte, que foi destruído pelos assírios em 721 a.C. As tribos do Norte foram levadas para o exílio e nunca mais voltaram; são conhecidas como as “tribos perdidas de Israel”.
1. Ai dos tribunais corruptos: a justiça transformada em veneno (cf. Am., 5, 7–17)
Amós condena a perversão da justiça, onde a verdade é desprezada e os pobres são esmagados. O portão da cidade – o local dos julgamentos legais – tornou-se um antro de desprezo.
«Ó vós, que transformais o direito em injustiça e amargura, e ainda lançais por terra a retidão e o bom senso!» (5, 7).
«Eles odeiam aqueles que defendem o direito e a justiça à porta da cidade, isto é, no tribunal; e detestam aquele que fala a verdade» (5, 10).
O profeta denuncia como a justiça foi transformada em veneno. Os tribunais estão corrompidos: os juízes desprezam a testemunha verdadeira; eles pisoteiam os pobres (ver 5, 11).
Tal não é apenas uma falha da lei – é um colapso moral. Amós adverte que quando a verdade é rejeitada e os vulneráveis são esmagados a sociedade convida o julgamento divino.
2. Ai da adoração vazia: escuridão no dia do Senhor (cf. Am., 5, 18–27)
Os rituais religiosos de Israel são expostos como gestos vazios, divorciados da justiça e da compaixão:
«Ai de vós que desejais o Dia do Senhor! Para que quereis apressar a chegada do Dia do Senhor? Ora, será um tempo de trevas e não de luz!» (5, 18).
O profeta desencoraja a falsa esperança daqueles que acreditavam que o Dia do Senhor, uma expressão frequentemente usada pelos profetas, seria uma intervenção milagrosa de Deus para exaltar o Seu povo e derrotar os seus inimigos. Pelo contrário, Amós adverte que será um dia de escuridão para Israel, um dia inevitável e aterrorizante. Pertencer à Igreja Católica não é suficiente. A nossa vida moral deve reflectir a verdade e a compaixão de Cristo!
«Eu odeio, eu desprezo as vossas festas, não tenho prazer nas vossas solenidades» (5, 21).
«Afastai de mim as vossas canções ruidosas… Não as ouvirei. Pelo contrário, que a justiça brote como as águas e a rectidão como um rio inesgotável» (5, 23-24).
O acto externo de oferecer sacrifícios e holocaustos deve surgir de uma relação de aliança, onde o amor a Deus e o amor ao próximo estão inseparavelmente ligados (cf. Salmo 51:17). Sem este fundamento, o culto torna-se vazio.
Ironicamente, Amós anuncia que a idolatria persistirá mesmo durante a deportação das tribos do Norte, que se seguiu à conquista assíria em 721 a.C. (ver 5, 26–27). Esta idolatria duradoura sublinha a profundidade da cegueira espiritual de Israel.
3. Ai do poder complacente: a insensibilidade do luxo (cf. Am., 6, 1–14)
Os líderes de Sião e Samaria desfrutam do conforto, alheios ao desastre iminente. Amós troça da sua falsa segurança e do seu estilo de vida indulgente: «Ai dos que vivem em segurança em Sião e dos que se sentem seguros no monte Samaria, os notáveis das primeiras nações, a quem a casa de Israel recorre!» (6, 1).
A terceira maldição expõe como a riqueza e o poder cegaram os líderes de Jerusalém e Samaria, as capitais dos dois reinos. Eles desfrutam do conforto, sentindo-se seguros e despreocupados com o futuro. Deus desafia esta falsa confiança, exortando-os a compararem-se a Calné e Hamate (ver 6, 2). Estas cidades menores estavam mais alerta quanto à ameaça da invasão assíria, que de facto as viria a atingir em 738 a.C.: «Ai daqueles que se deitam em leitos de marfim, se recostam nos seus sofás, comem cordeiros do rebanho e bezerros do estábulo, cantam canções fúteis…, bebem vinho em taças e se ungem com os melhores óleos, mas não se entristecem pela ruína de José!» (6, 4-6).
Amós pinta um cenário de indulgência: camas de marfim, perfumes importados e festas luxuosas. Estes símbolos de riqueza reflectem uma sociedade obcecada pelo luxo e pelo conforto, enquanto ignora os pobres e os necessitados: «Transformastes a justiça em veneno e o fruto da rectidão em absinto» (6, 12).
O profeta encerra a secção das três maldições, regressando a um tema familiar: a justiça transformada em veneno (cf. 5, 7). Sem verdade e discernimento, toda a estrutura social se torna corrupta e doente: «Vós que vos regozijais em Lo-Debar, que dizeis: “Não tomamos Karnaim para nós com a nossa própria força?”» (6, 13).
Amós faz uma advertência severa: vitórias militares e triunfos políticos não têm valor diante de Deus quando desprovidos de justiça. As cidades conquistadas de Lo-Debar (“Nada”) e Karnaim (“Chifres”) são emblemas irónicos, que servem para ironizar a ilusão de força e sucesso que carece de orientação divina. Estes nomes revelam o vazio do poder humano e a futilidade das ambições egoístas que desconsideram o Senhor da História. Ao abandonar a soberania de Deus, os líderes de Israel abrem caminho para a sua própria queda.
Orando com a Palavra de Deus: Um apelo à justiça e à simplicidade
Leiamos Amós 5, 7–6, 14 com um coração em oração – honestamente, com atenção e com disposição para sermos desafiados. Deixemos que a Palavra abra os nossos olhos para a visão de Deus para com a História, moldada não pelo poder ou privilégio, mas pela justiça e compaixão. Permitamos que ela nos conduza a uma vida enraizada na justiça e na paz, começando dentro da nossa própria família e irradiando-se para a nossa comunidade.
A voz profética de Amós exorta-nos a evitar o luxo, a vaidade e a cultura VIP. Num mundo obcecado pelo status e pelo conforto, somos chamados a abraçar um estilo de vida humilde e simples – um estilo que honra a Deus ao elevar os pobres, ao defender os vulneráveis e ao andar com integridade.
Oremos:
• Pelos pobres, idosos, doentes, crianças e adolescentes que se sentem abandonados e sozinhos.
• Pelos trabalhadores migrantes que trabalham longe de casa, muitas vezes invisíveis e sem voz.
• Pelos funcionários do governo, juízes, advogados e todos aqueles em posições de autoridade, para que possam servir com honestidade, humildade e um profundo compromisso com a justiça, especialmente para com os mais vulneráveis.
Que as nossas orações não sejam palavras vazias, mas um movimento do coração que transforme a forma como vivemos, amamos e lideramos.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ