A Terra Santa – II

A Bíblia e a História

A história do povo bíblico começa com Abraão, o mais antigo antepassado dos judeus e primeira grande figura bíblica. Apesar da sua origem nómada e de ter sido uma personagem histórica errando pelo Crescente Fértil (Médio Oriente), é a ele que se deve a emergência do conceito do Deus único, ou o “Deus de Abraão”, origem também da civilização judaica, a partir do momento em que ele e o seu povo se estabelecem nas terras verdes de Israel. A Bíblia demonstra-o, a história refere-o e a arqueologia explica-o: Abraão, o “Arameu errante”, migrante. Destino. O actual território de Israel.

A partir do séc. XVII a.C. assistimos no Crescente Fértil a um conjunto de movimentos migratórios, de caravanas de ricos pastores, entre os quais os grupos semitas. A origem destes grupos é a Mesopotâmia, a faixa de terra entre dois grandes rios, Tigre e Eufrates, onde era a Suméria, essencialmente, e hoje é o Iraque. Demandam a região da actual Síria, evitando penetrar na Anatólia (a actual Turquia), montanhosa, difícil e refúgio dos belicosos Hititas, guerreiros temíveis de espadas de ferro. O destino é a faixa verde de terra a que se chama Canaã, onde há água, pastagens e ainda com baixa densidade populacional. Não são os primeiros a chegar lá, mas serão os que se instalarão de forma mais perene e institucional. Vão até ao Neguev, o deserto a sul de Hebron, seu santuário inicial.

Caravaneiros, criadores de gado, vão gradualmente passar do nomadismo para uma vida gradualmente sedentária, agrícola e manufactureira. O politeísmo impera, mas os filhos de Abraão reconhecerão um deus entre os demais, um deus supremo, do panteão de Canaã: El. O Altíssimo, o Deus dos Pais, o Deus de Jerusalém, são estas as designações que recebe este deus supremacial. Com o qual se concluirá uma Santa Aliança (Gn 15), entre deus e o Seu povo, o povo de Abraão, de Canaã. Estamos no tempo dos Patriarcas, termo que significa os “chefes de família do povo de Israel”, termo que o Novo Testamento reservara para os grandes antepassados bíblicos, como Abraão ou os doze filhos de Jacob.

A Cananeia, ou futuro Israel, Palestina, “grosso modo”, era a sua pátria, a terra de fixação. Mas como já vimos, era também a rota adoptada pelos grandes impérios para se combaterem, principalmente os poderosos Egípcios, ou os Hititas, entre outros. Muitos mais tentarão fixar-se, criar estados, ou domínios, com ou sem êxito, onde estavam, desde Abraão, os Judeus, como se pode ver.

 

O Egipto e Moisés

Poucas vezes uma nação teve tanta influência no devir histórico de um povo como os Egípcios sobre Israel. E até o contrário…

Tudo começou com a fixação de povos semitas no Egipto, na região do Delta, uma autêntica emigração judaica. Os descendentes do patriarca Jacob (principalmente José) ali se instalam, na terra de Goshen. Um Êxodo que durou c. 400 anos. Na verdade, foi provavelmente uma pressão exercida em Israel pelos Hicsos, um povo estrangeiro vindo de Leste, que empurrou muitos semitas (Hebreus) para o Egipto, ali se fixando. Tudo começou no séc. XVIII a.C., virando-se a página no séc. XIII a.C., quando grande parte dessa minoria étnica hebraica regressa a Canaã, para junto dos grupos que aqui ficaram desde sempre. Os Hebreus no Egipto conheceram a prosperidade, mas caíram na servidão nos seus derradeiros tempos. A figura de Moisés emerge neste regresso, ou “fuga”, para a terra de Canaã, a terra prometida.

Moisés é referido na Bíblia, mas não apenas, pois são inúmeras as fontes e línguas que o mencionam, com as etimologias a variar, o que atesta a sua existência histórica. A sua importância é decisiva, fulcral na história de Israel, para onde conduziu o seu povo. Pelo meio, no Monte Sinai, a Bíblia afirma o monoteísmo de Moisés e a revelação de Deus e da Sua Lei.

 

Ocupação de Canaã e organização de Israel

Muitos povos viviam na terra Canaã, entre eles boa parte de Hebreus, os que não migraram para o Egipto. A fusão de todos estes povos com os retornados no grupo de Moisés foi efectiva, organizando-se em tribos em torno de lugares e culto e o aparecimento de líderes carismáticos. Israel é uma associação de tribos a partir dos sécs. XIII-XII. A designação de Israel, recorde-se, surge pela primeira vez nessa época, particularmente em 1207 a.C., ano em que apareceu a estela do faraó egípcio Merneftá, que menciona o termo. Uma designação de uma associação, ou confederação, vasta, de clãs e tribos, centrados todos numa mesma divindade, Javé, “Deus de Israel”. Os Hebreus são uma das componentes étnicas que formará esta associação de tribos, que se fixarão em doze. Surge uma herança cada vez mais comum, tradições e instituições. Israel entra definitivamente na história, não apenas como termo mas como povo, nação, e cada vez mais como associação clânica. Israel não ocupou porém a totalidade das terras de Canaã, subsistindo tribos independentes, periféricas.

Estávamos na época dos Juízes, os salvadores que se impunham nas ocasiões complicadas, na justiça como na condução da guerra, mas acima de tudo eram autênticos chefes políticos e militares. A monarquia era já uma realidade para a qual Israel progredia, o que se devia muito a uma figura decisiva na história do povo e da região: Samuel. Interpreta o direito, arbitra litígios e questões, governa, aconselha: Samuel não é apenas o “Profeta”, mas um líder político que projectou as condições para o estabelecimento de uma autoridade permanente e hereditária, na tradição cananeia: a realeza. E a Monarquia.

Saul inaugurou a monarquia de Israel, muito devido ao acossar de Israel por parte de povos nómadas, em hordas numerosas e perigosas. A desunião tribal israelita era vulnerável. Por isso Saul, apoiado em Samuel, surge como chefe militar único e estável. Como um rei. Para repelir os Filisteus. Que Saul expulsa para lá do Jordão. Mas os Filisteus – ou Pelistain, origem do termo Palestina, mas sem que os actuais Palestinianos deles descendam, atente-se – contra-atacam, ameaçam Belém. Saul morre na guerra, como o seu filho. Surge um jovem pastor, David, filho de Jessé de Belém, antes ungido por Saul mas cedo por este obrigado a dele fugir.

Todavia, morto Saul, David vence Golias, um gigante que é a metáfora da superioridade numérica dos Filisteus. Estes são pois vencidos e repelidos. Nascem um grande reino e um grande rei, Israel e David, afirmações do poder hebraico, da sua civilização nas terras palestinenses. E nasce uma capital, centrada num grande templo: Jerusalém.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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